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Ex-goleiro da seleção, João Marcos supera alcoolismo e resgata família

João Marcos como goleiro da seleção no único amistoso que jogou - Arquivo pessoal
João Marcos como goleiro da seleção no único amistoso que jogou Imagem: Arquivo pessoal

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

17/04/2013 06h00

Os anos de 1983 e 84 pareciam ser promissores para João Marcos Coelho da Silva. Então goleiro do Grêmio, ele começava a receber oportunidades na seleção brasileira e vislumbrava uma vaga no time que disputaria a Copa do Mundo de 1986, no México.

Foi convocado duas vezes até receber em 1984 a primeira chance como titular, em um amistoso contra o Uruguai, em Curitiba. O Brasil venceu por 1 a 0, com boa atuação de João Marcos, que foi goleiro por quatro anos do Palmeiras e também passou por Guarani e Noroeste, entre outros. “Foi o dia mais importante da minha vida”, recorda.

Mas, na época, João Marcos passou a sofrer com dores em função de uma luxação no ombro esquerdo. Ouviu de um médico que uma operação não teria efeito duradouro para prosseguir a carreira e decidiu se aposentar precocemente, em 1986, sem disputar a Copa e nem voltar a ter chances na seleção.

A parada brusca não teve efeito negativo na questão financeira, como ocorre com muitos ex-jogadores que não sabem o que fazer quando param de jogar. O ex-goleiro passou a administrar uma fazenda. Mas o momento da aposentadoria o prejudicou de outra forma: na parte psicológica.

“Depois que eu parei, a coisa me pegou. Fiquei revoltado por ter parado na hora errada. Você está acostumado com aquilo da adrenalina e de repente entra numa vida calma e tranquila. Foi um baque forte. Sentia falta do que fazia. Imagina só chegar numa seleção brasileira e de uma hora para outra ver isso morrer", afirmou.

A “coisa” a que o ex-jogador se refere foi o alcoolismo, doença que o abateu por aproximadamente 20 anos. Há cerca de 14 anos João Marcos disse ter identificado que era um dependente. Foi quando passou a procurar ajuda. Chegou a ir quatro vezes para clínicas de reabilitação, sendo que em uma delas recebeu a ajuda do jornalista Milton Neves. 

Ele chegou a ficar no máxino nove meses em tratamento numa clínica. Queria sempre ir embora. Esteve, segundo relato próprio, entre a vida e a morte por uma crise de cirrose. Teve delicado quadro clínico com uma hemorragia no esôfago. Viu o casamento ruir e a consequente separação, com a falta de confiança dos familiares.

JOÃO MARCOS COM A FILHA

  • Arquivo pessoal

    João Marcos com a filha Maria do Carmo

“Ela [ex-mulher] se separou porque eu bebia mesmo. Ela tinha razão. Não dava certo. Eu fazia meu serviço, mas de noite esquecia tudo”, falou. “Você chega a perder o respeito dos amigos e das pessoas que mais admira. Não digo que é o fundo do poço porque ele não tem fim. Perdi meus filhos e meus amigos”, completou.

Das bebidas em casa, João Marcos passou a frequentar bares com companhias que antes não faziam parte da sua vida. E dali para a pouca dedicação ao trabalho, lucros menores e deterioração da relação com as pessoas próximas. Começou a tomar cerveja, depois whiksy e depois as mais diversas bebidas. “Era praticamente um indigente. Isso arrebenta com a sua própria vida. Acaba perdendo tudo. Começa a ter outro nível de amigos que são dependentes igual a você e também não fazem nada”, lembrou.

E foi num dos poucos amigos que restaram que João Marcos se inspirou para buscar uma virada. Conseguiu, há aproximadamente cinco anos, se livrar de vez. Afirma estar esse tempo todo sem consumir uma gota de álcool sequer. Resiste fortemente quando vai a festas e eventos.  Diz que se apegou muito na religião e passou a ler a Bíblia.

“Comecei a ler a Bíblia, me interessar por essas questões e as coisas foram se encaixando. Nunca tinha me interessado por esses assuntos, por esse lado. Mas foi o que me motivou e mexeu para conseguir sair de vez.. A fé que eu tive em Deus e o milagre que ele fez na minha vida foram fantásticos. Não tem explicação. Não conheço ninguém que saia sozinho. E eu saí com ajuda dele”, falou.

JOÃO MARCOS EM PALESTRA PARA CRIANÇAS

  • Reprodução/Facebook

    Ex-goleiro (ao fundo de óculos) posta foto em rede social em palestra para jovens


“Não posso e não bebo nada. Um copo pra mim é muito, a ponto de desestabilizar. É uma coisa que tem que deixar de gostar mesmo. Hoje vou pro bar, restaurante, festa, e a pessoa pode beber do meu lado e não quero”, afirmou. Ele tem se tratado com remédios e está com o problema de cirrose controlado.

Lidar com o vício pode ter sido duro, mas não era o fim da missão e das dificuldades. João Marcos agora luta para ajudar quem sofre de seu problema como uma retribuição à vida pela cura e para mostrar a  todos que o pior já havia passado.

"Você não pode sair e achar que todo mundo te perdoou e vão fazer festa. Você volta lá embaixo e vai ter que engatinhar. Não pode deixar cair e aos poucos vai recuperando. Encarei que acabei vindo ao mundo pra uma missão”, afirmou.
 
João Marcos se casou novamente, voltou a ter uma boa relação com os filhos e passou a se dedicar a projetos sociais em parceria com a prefeitura de Botucatu, onde vive atualmente, e com um clube da cidade, a Associação Atlética Botucatuense, para orientar as crianças na prática de esportes e também em ajuda aos carentes.

Trabalha como professor dessas escolinhas. Disse que em 2012 teve contato com aproximadamente 500 crianças. Pediu a contratação até um psicólogo para fazer parte do grupo de apoio. Não cobra nada dos jovens e recebe remuneração à parte da prefeitura e do clube.

Arrecada material para distribuir para jovens carentes e, mais do que isso, usa de sua vida para tentar evitar que outras pessoas tenham desvios e passem pelo mesmo problemas. Faz vários alertas e tenta evitar ao máximo escorregões das pessoas que convive.

JOÃO MARCOS NO PALMEIRAS

  • Arquivo pessoal

    Goleiro no time no qual atuou na década de 80

“Eu uso minha vida e mostrando como eu errei. Todo mundo erra. Meu erro foi forte e hoje dou palestra sobre dependência e para falar de como sair do vício. Tento mostrar os caminhos pra sair. Procuro mais não deixar eles [jovens] entrarem. Pra sair o custo é alto, tanto na parte financeira como na psicológica. Sei como é difícil tirar alguém. Dou palestras em escolas, ONGs e nas escolinhas que eu ministro. As crianças são o futuro. Pego em cima na questão do álcool e das drogas", explicou.

O ex-goleiro diz acordar às 5h para levar a mulher para trabalhar . Depois pratica natação das 6h às 7h. Às 9h já começa a dar suas aulas na escolinha e faz o mesmo no período da tarde. Agora, o período da noite é bem diferente de antes. Trocou os bares e bebidas pela companhia da família, filmes e novelas. E os filhos, que antes estavam resignados, agora estão orgulhosos do pai.

“Pra mim foi algo muito gratificante. Teve época que eu não acreditava mais que isso [a recuperação] fosse acontecer. Eu só voltei ao lado dele por causa disso [da superação]. Bastou ele acreditar pra ver que conseguiria. Foi onde nos motivou a voltar a ver que ele poderia ser alguém diferente”, falou o filho Jean.

“Isso pra mim hoje é uma felicidade. Perdi os filhos, amigos. E hoje vejo os filhos todos comigo. Aqueles que gostavam de mim voltaram. Vi quem era meu amigo e me sinto feliz por toda essa volta por cima", falou João Marcos.