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Ídolo em década derrotada do Inter, Fabiano brinca com apelido de "Cachaça"

Fabiano Souza ex-jogador do Internacional e atual auxiliar técnico do São José-RS  - Carmelito Bifano/UOL Esporte
Fabiano Souza ex-jogador do Internacional e atual auxiliar técnico do São José-RS Imagem: Carmelito Bifano/UOL Esporte

Carmelito Bifano e Marinho Saldanha

Em Porto Alegre

21/08/2011 07h01

Enquanto o Grêmio conquistava Libertadores, Brasileirão e duas Copas do Brasil, o Inter se contentava com o Gauchão, a Copa do Brasil de 92, e a tentativa de reestruturação do clube. Assim foi a década de 90 no Rio Grande do Sul. O time vermelho viria, posteriormente, a ter suas maiores conquistas, mas amargou tempos difíceis anteriormente. Neste contexto sem resultados, surgiu um folclórico atacante que se tornou ídolo pela irreverência, habilidade e, principalmente, pelos gols no rival.

  • Carmelito Bifano/UOL Esporte

    Fabiano passou por clubes do interior paulista até chegar no Internacional, em 1996, onde foi ídolo

  • Carmelito Bifano/UOL Esporte

    Depois jogou no São Paulo, Santos, e passou por times menores até parar, ainda na atual temporada

Fabiano Souza perdeu sobrenome e ganhou apelidos diferentes vindos de colorados e gremistas. Os vermelhos o chamavam de "Uh Fabiano", grito vindo das arquibancadas quando ele aparecia no campo, já para os azuis era "Fabiano Cachaça", pela presença constante em noitadas.

A reportagem do UOL Esporte encontrou o ex-jogador, que inicia carreira como auxiliar técnico no São José-RS, e em um bate-papo bem-humorado o ex-camisa 7 distribuiu sorriso.  Fabiano não se importa, e chega a brincar com o apelido recebido dos rivais. "Quem não é não se importa", disse.

O semblante, realmente, não aponta a suposta vida desregrada. Aos 36 anos, a aparência de Fabiano remete a quem ainda poderia estar atuando. "Queriam que eu tivesse como? Velho, careca, barrigudo, largado, sem dente, sujo? Não, na vida tem que se cuidar. E eu me cuidei", disse.

UOL: Como foi o seu início de carreira?
Fabiano: Eu trabalhava em uma fábrica de rações no interior de São Paulo. Como comecei a trabalhar cedo, só jogava aos sábados e domingos. Eram os dias que eu podia. Brincava no amador e acabei chamando a atenção de alguns amigos. Um senhor, que era aposentado da política, o Moura que começou a acompanhar os amadores. Logo em seguida, ele me fez uma proposta para atuar no Sertãozinho. No começo não dava, pois tinha que largar o trabalho e as coisas no futebol, naquela época, eram muito difíceis. Fiquei desempregado [risos], ele fez a proposta e eu aceitei. Pedi algumas coisas básicas. Um lugar para dormir, alimentação, uma ajuda de custo e eles aceitaram. Logo em seguida comecei a treinar com o profissional e as coisas deram certo.

Como era para eu estar?

Marco Bariviera/Divulgação União Frederiquense
Queriam que eu tivesse como? Velho, careca, barrigudo, largado, sem dente, sujo? Não, na vida tem que se cuidar. E eu me cuidei. [apelido de Cachaça] Não me incomodava. Quando você não é, não incomoda. [risos] Sei quem eu sou, meus amigos sabem e acho que ficou esse negócio de Fabiano Cachaça... Porque ia sempre ao mesmo lugar. Todo mundo sabia onde eu ia. Nunca escondi que saia. Ia ao Dado Bier, que era um lugar onde todo mundo ia. Era um ambiente maravilhoso, pessoas legais, não tinha como não ir

UOL: Como o Inter te encontrou no interior de São Paulo?
Fabiano: Do Sertãozinho, atuei no XV de Jaú, depois fui para o Juventus, de São Paulo. Fiz dois campeonatos bons, chamei a atenção do Internacional e eles foram me buscar. Foi estranho, pois tinha uma visão do interior. Trabalhava ali, não sabia o que ia acontecer da minha vida e daqui um pouco fui para o Rio Grande do Sul. Só ouvia falar de frio, frio, frio. Cheguei a Porto Alegre e o time estava precisando ganhar e buscar títulos. O momento do clube era ruim, mas para mim foi bom, pois saí de um time do interior de São Paulo e fui para o Internacional, que é um grande clube do Brasil. Então, pra mim, foi muito bom.Só precisava mostrar o meu futebol e convencer o treinador e a diretoria que eu tinha qualidade. As coisas aconteceram naturalmente. Aos poucos fui treinando, tendo bom desempenho até que chegou o meu momento e eu aproveitei.

UOL: Você passou pelo São Paulo, foi campeão brasileiro pelo Santos, mas o Internacional foi o clube mais importante da tua carreira?
Fabiano: Foi porque eu cheguei em 1996 até me desvincular totalmente do Inter em 2003. Foram uns anos que consegui aproveitar bem. Ganhei muitas coisas no Inter. Respeito, títulos, que para mim foram importantes, não tive nenhum Brasileiro, mas todos foram importantes. Além dos Gre-Nais, onde deixei a minha marca, e também, com certeza, no lado financeiro, pois consegui ajudar a minha família e me ajudou muito também.

UOL: Como foi a passagem pelo São Paulo?
Fabiano: Eu tive uma passagem pelo São Paulo em 2001 e fui campeão do torneio Rio-São Paulo. Eu fui pouco aproveitado, pois tinham jogadores como o Kaká, França e o Luis Fabiano surgindo. Tinham muitos jogadores jovens que estavam subindo da base. Foi difícil, mas joguei algumas partidas, fui bem, mas na minha cabeça sabia que seria difícil, pois esses jogadores estavam numa fase maravilhosa. Então, sabia que a minha passagem seria curta. Teria que disputar com quatro jogadores. Foi bom, aprendi muito. Até hoje agradeço a experiência que adquirir no clube. Voltei para o Internacional mais forte, mais vivo, mais convicto do que eu queria. Quando o Inter fez a proposta, voltei na hora. Foi bom porque vi que em outros clubes também havia a dificuldade de jogar, entrar e se adaptar.

Jogo de despedida com ex-atletas do Inter

  • Divulgação/Internacional

    "Eu já pensei, mas tenho que correr atrás do pessoal. Marcão, Sandoval e tantos outros. Uns companheiros da época até brincam que o Marcão vai vir de muleta [risos]. Então, tenho que juntar a galera. Já pensei, com certeza, em fazer uma despedida para o pessoal dar um pouco de risadas.Espero que a diretoria me ajude. Com certeza, vamos misturar alguns jogadores que estão atuando com os companheiros do meu tempo. Vou convidar o meu treinador [com quem ele trabalha de auxiliar]. Vai ser divertido", disse.

UOL: Foi campeão brasileiro com o Santos, também teve dificuldades?
Fabiano: A passagem pelo Santos foi boa. Tinha trabalhado com o Leão no Inter e ele me conhecia. Tinha uma referência e ele também tinha. Fui titular no começo. O time estava bem entrosado. A equipe mesclava jogadores experientes e jovens. Mas logo em seguida surgiu o Robinho. Sempre falo, ele estava bem. Era o momento dele, com certeza, e eu não estava rendendo mais aquilo que fez o clube me contratar. Naturalmente, o Robinho assumiu a vaga. Graças a Deus, ele surgiu naquele momento e fomos campeões. Só tenho que agradecer o Robinho pelo título [risos].

UOL: Você ficou muito marcado pela vida extracampo?
Fabiano: Não muito porque hoje tem muitas pessoas que falam para mim: perto de você, hoje, tem uns piores. Não vou dar nomes, mas saem nas ruas, se envolvem em confusões, eu nunca fiz isso. A única coisa que aconteceu comigo foi um acidente de carro. Isso é normal, acontece com todo mundo. Nunca fui de brigar, de quebrar boates, ofender ou batendo em mulheres. Eu não acho que fiquei marcado. Na época tinha um lado explosivo e tudo que a imprensa fala, eu rebatia. Então, as coisas que eu falava, machucava algumas as pessoas. E essas pessoas tinham esse poder que é a mídia. Eu também tinha que aguentar. Hoje, com 36 anos, as pessoas falam para mim: poxa, você é um cara normal. A gente achava que você era fora do normal. Hoje tem jogador que quer brigar conosco, quer brigar na boate. Então, eu sinceramente nunca me achei um cara polêmico. Lógico, que eu saia. Gostava de curtir a minha noite. A minha bebidinha. Paquerar as mulheres, mas eu chegava e treinava. Nunca ninguém falou que eu chegava caindo e não treinei. Tanto que eu trabalhei com vários treinadores que hoje são meus amigos. Falam bem de mim, me cumprimentam e isso que é importante.

UOL: A personalidade forte pode ter te atrapalhado fora de campo?
Fabiano: Muitas vezes bati de frente com algumas pessoas. Na época, muitas vezes fui solidário com outros jogadores. Porque passei um pouco de dificuldades. Quando tinham problemas com outros jogadores, eu defendia, mesmo não sendo minha função. Eu achava que aquilo não podia acontecer. Por exemplo, atrasava o salário e a gente cobrava. Poxa, o cara precisava. Nestes momentos batia em algumas coisas, não por mal, mas acabei atingindo pessoas que não eram para ser atingidos. Muitos falavam que eu era rebelde, não era. Eu falava coisas que hoje estão acontecendo normalmente. Tem que pagar em dia. Tem que ser um clube legal para ter o retorno. Então, às vezes, a gente comete uns pequenos erros.

Trabalho com Celso Roth

Edu Andrade/Agência Freelancer
Algumas coisas são exageradas. Às vezes, nos treinos ele xingava a gente, mas sempre tive muita liberdade com ele. De brincar, de ter um convívio de família, mas quando ele tinha que chegar, chegava pesado. Ele aprendeu muito. No nosso tempo, ele era do 'interiorzão' mesmo. Tinha hora que ele quebrava.

UOL: O apelido Fabiano "Cachaça" te incomodava?
Fabiano: Não! Não me incomodava. Quando você não é, não incomoda. [risos] Muitas pessoas me perguntam se eu não ficava chateado. Se eu não sou porque vou brigar. Se outra pessoa fica feliz de me chamar de Fabiano Cachaça, quem sou eu para atrapalhar a felicidade dos outros. Então, isso não me incomoda. Sei quem eu sou, meus amigos sabem e acho que ficou esse negócio de Fabiano Cachaça... Porque ia sempre ao mesmo lugar. Todo mundo sabia onde eu ia. Nunca escondi que saia. Ia ao Dado Bier, que era um lugar onde todo mundo ia. Era um ambiente maravilhoso, pessoas legais, não tinha como não ir. Vinte um anos, garotão, sangue a mil no corpo, então, ficou aquela coisa de eu ser boêmio. Mas esse apelido surgiu do lado dos gremistas. O colorado mesmo me trata de 'Uh Fabiano' [maneira como ele era saudado pelos torcedores do Inter nos estádios], isso eu tenho certeza porque escuto isso sempre nas ruas. Agora, tem uns que vem já com um tom meio... Não dou muita bola e eles ficam surpresos e tranquilos. Acabamos fazendo a amizade e tudo fica bem [risos].

UOL: Então você acha que esse apelido foi gerado por um folclore dos torcedores?
Fabiano: Eu acho, com certeza. As pessoas me olham na rua e falam para mim que eu ainda estou jovem. Queriam que eu tivesse como? Velho, careca, barrigudo, largado, sem dente, sujo? Não, na vida tem que se cuidar. E eu me cuide. Só parei de jogar por um problema de cartilagem. Com o tempo, ela detona. Não tem como continuar. Parei com 36 anos devido ao problema na cartilagem. Senão, eu ia continuar até os 38 anos, com certeza. Hoje vejo outros colegas que atuavam comigo na mesma época que estão acabados. Cada tem a sua vida e faz o que quer. Eu sei o que eu sou. Tenho o meu jeito e estou vivendo muito bem. Graças a Deus.

UOL: O Gre-Nal dos 5 a 2 em 1997 foi a partida que mais te marcou?
Fabiano: Até hoje eu sou reconhecido por aquele jogo. A gente vivia um momento difícil [o último título de expressão do clube foi uma Copa do Brasil de 1992 depois de 13 anos da conquista do Brasileiro invicto de 1979. No mesmo período, o Grêmio foi campeão duas vezes da Libertadores, uma vez do Mundial - Copa Intercontinental, duas vezes do Brasileiro e três vezes da Copa do Brasil] e o torcedor não acreditava que nós conseguiríamos um resultado daqueles dentro do estádio Olímpico. Ainda mais em um campeonato tão difícil como o Brasileiro. Nós estávamos várias partidas sem perder. Aquele jogo abriu muitas portas para mim no Rio Grande do Sul e em outros Estados. Até hoje as crianças brincam comigo: 'Uh Fabiano! Uh Fabiano! Cinco a dois! Cinco a dois! Então, às vezes eu paro e penso que agora no dia 24 vai fazer 14 anos. É muito tempo, é uma vida, e ainda as pessoas lembram daquele jogo. Muitos chagam para mim e me dizem que ainda sou ídolo deles. Isso é muito gostoso ouvir isso depois de um longo tempo... E ainda ninguém quebrou essa marca [risos]. Daqui a 80 anos, muitas pessoas ainda vão lembrar. É muito bom. Até hoje em qualquer lugar que eu vou, as pessoas me agradecem. Não tem preço isso.

Exemplos para o futuro

REUTERS/Adrees Latif
Leão, Nelsinho Batista, Parreira, Paulo Autuori, Roth e outros treinadores que foram médios, mas que tem uma cabeça muito boa. Eu tenho um pouco do Paulo Autuori, que puxava a minha orelha e ao mesmo tempo me dava liberdade. Ele dizia: vai lá, mas quero você aqui. Antigamente, os jogadores não tinham a liberdade de chegar e conversar com o treinador. Hoje não. Como tive essa liberdade com o Autuori, me espelho um pouco na forma dele de conduzir um grupo.

UOL: Como foram as tuas experiências no exterior?
Fabiano: A minha primeira experiência foi na Arábia Saudita. Nunca tinha saído do Brasil. Foi incrível. Cheguei lá, outra língua, outra comida, outro jeito de vida, que jamais imaginei. Logo na chegada, no aeroporto, já cometi mil erros [risos]. Foi a maior comédia. Cheguei lá, fui passar no detector de metais e o aparelho começou a tocar. Me mandaram tirar a roupa e eu não queria tirar a roupa, mas tirei relógio e o cinto. Não uso brinco, anéis e piercing. Foi a maior confusão. Não sabia falar inglês. Tentava falar umas palavras apontando para o joelho [onde tem um pino, colocado depois de uma lesão] e dizia 'doctor'. Depois de um tempo, comecei a falar 'pino', 'pino' e nada. [risos]. Chamaram o diretor do clube, mostrei as cicatrizes e eles conseguiram me liberar. Logo de cara pensei, isso ai já me matou. Fiz os exames no clube e o médico disse que eu estava cheio de doenças, mas deu tudo certo. Acabei ficando um ano e meio lá.

UOL: Teve uma história do "banho de mar de sunga"?
Fabiano: Um dia estava em casa, maior calor, desci de bermuda e camisa cavada. O que já estava errado, pois lá não pode usar esse tipo de roupa. Eu não sabia. Fui bem feliz caminhando até a praia, pelo meio dos coqueiros, quando escutei um barulho da polícia chegando. Olho e vejo os policiais falando aquela língua diferente e eu não entendendo nada. Eu de sunga, branca e amarela, chamando a maior atenção. Peguei o passaporte mostrei para eles e pedi para chamar o diretor do clube novamente. Acabei indo para o clube mostrar os documentos, sem entender o que estava acontecendo. Eu não sabia, queria apenas tomar um banho de mar. No Brasil, a gente faz isso [risos]. Vi uma placa com um desenho e nem dei bola. Vi um mar maravilhoso e quis entrar [risos]. Me levaram, me deram um corretivo, mas foi muito legal. Depois disso, é só risada"

UOL: Como foi a decisão de parar de jogar [último clube foi o União Frederiquense, que disputou a segunda divisão do estadual em 2011]?
Fabiano: Foi difícil. Eu jogava 30 minutos porque é uma correria a segunda divisão. [risos]. Como tenho esse problema de cartilagem, sentia muitas dores. Daí o treinador físico e o técnico me pediram para parar de uma vez, mas eu propus classificar a equipe para a próxima fase [a terceira fase da segunda divisão estadual]. Queria sair por cima. Acabamos nos classificando, com um passe meu. Encerrei e todo mundo veio me perguntar por que eu tinha tomado essa decisão. Tinha muitas dores. Não foi uma despedida do futebol triste. Para mim, não foi. Quando deixa de fazer alguma coisa que você gosta, independente de onde for, é uma alegria. Agradeço muito a comunidade de Frederico Westphalen [cidade do interior]. Quando cheguei na cidade para jogar, as pessoas se emocionavam. Me abraçavam e quase choravam. Foi um momento bom. Sempre vou ter lembranças boas daquele momento.

UOL: Como está sendo a experiência de ser auxiliar técnico?
Fabiano: Eu ainda tenho que parar um pouco de brincar. Eu entro no vestiário e fico brincando, mas depois tento me corrigir. Tenho que ter uma postura mais firme com eles, mas estou me equilibrando. Ao mesmo tempo que brinco, chamo a atenção quando é necessário. O [Rodrigo] Bandeira, que é o técnico do São José-RS, me dá essa liberdade. Eu não fico dando lição de moral toda hora, senão os jogadores ficam pensando: 'lá vem ele de novo'. Vou falando numa boa, mas na hora que tem que puxar, eu puxo. Fora de campo, você tem que ter uma visão totalmente diferente. Estou aprendendo. Vou ser bem sincero. Estou aprendendo com o Bandeira, como aprendi com outros treinadores. Não é só porque eu joguei que tenho que saber. Pretendo fazer estágio aqui e em outros lugares também. Esta sendo maravilhoso.