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Inspirada em 2002, Senegal "salva" África na 1ª rodada e une o continente

Jogadores do Senegal comemoram após a vitória sobre a Polônia no jogo de estreia na Copa - Xinhua/Xu Zijian
Jogadores do Senegal comemoram após a vitória sobre a Polônia no jogo de estreia na Copa
Imagem: Xinhua/Xu Zijian

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo*

19/06/2018 21h00

Pela primeira vez desde que o continente africano passou a ter mais de uma vaga na Copa do Mundo, a partir de 1982, a região chamada de "África Branca" tem mais representantes do que a "África Negra" nesta edição de 2018 - a regionalização é baseada em elementos étnicos e culturais. De cinco vagas, três foram da parte norte do continente (acima do Deserto do Saara, de predominância de povos brancos e islâmicos), Tunísia, Marrocos e Egito, e dois da parte subsaariana, que são Nigéria e Senegal.

Mesmo em meio ao inédito predomínio de seleções da "África Branca", a sensação do continente nesta primeira semana de Mundial na Rússia é a única seleção que somou três pontos: Senegal, da África Negra. O Egito, candidato a queridinho, já perdeu duas vezes, enquanto Marrocos, Tunísia e Nigéria entraram em campo uma vez e foram derrotados.

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A vitória senegalesa por 2 a 1 contra a Polônia, nesta terça-feira, mudou o status da seleção que está de volta à Copa do Mundo após 16 anos ausente. No único Mundial que participou, em 2002, Senegal terminou na sétima posição, eliminado nas quartas de final. O grande feito dos africanos no Japão e na Coréia do Sul foi a vitória por 1 a 0 sobre a França, que defendia o título naquela ocasião. Estreante em Copas, Senegal se tornou o país da África na Copa de 2002 em razão do simbolismo de uma antiga colônia derrotar o país colonizador diante dos olhos do mundo inteiro. 

Em 2018 não houve a França pelo caminho, mas Senegal já começa a unir a África pelo contexto de sua participação na Copa do Mundo. É o único time comandado por um treinador negro; este mesmo treinador teve sucesso como jogador da seleção em 2002; é uma seleção equilibrada do ponto de vista técnico, com um protagonista (Sadio Mané, do Liverpool), jogadores consolidados no alto nível europeu (Koulibaly, do Napoli, e Gueye, do Everton, por exemplo), potência física e solidez defensiva. Mesmo sem contar com um grande nome como Mohamed Salah, a seleção de Senegal já é vista como a representante africana de maior potencial na Rússia.

"Senegal salva a África", estampou o portal de notícias senegalês "Dakar Midi": "Senegal atingiu esta marca como um time de atletismo que lutou bravamente. Os leões de Teranga salvaram todo um continente. A aventura continua", relatou o periódico após a vitória sobre a Polônia. 

Torcida de Senegal - Andrew Medichini/AP - Andrew Medichini/AP
Imagem: Andrew Medichini/AP

Feito histórico aumenta proximidade

Senegal de 2002 é uma das três seleções africanas que chegaram mais longe em Copas do Mundo, ao lado de Camarões-1990 e Gana-2010. O contexto daquela campanha, que terminou com eliminação no gol de ouro turco nas quartas de final, criou um laço entre a torcida africana (das regiões Negra e Branca) e o país. "A Copa do Mundo e os eventos que a cercam oferecem uma oportunidade útil para considerar todos esses vieses e mal-entendidos. Afinal, o futebol e todo o esporte oferecem oportunidades poderosas para que as pessoas divididas se unam - mesmo que seja apenas em um torneio esportivo", narra o portal americano "The Conversation".

Não é a primeira vez que o continente se une pelo futebol, é verdade. Houve demonstrações do tipo na Copa do Mundo de 1978, quando a Tunísia foi o primeiro africano a vencer um jogo; na Copa de 1982, quando a Argélia se viu prejudicada por uma combinação de resultados que classificaria Alemanha e Áustria; na Copa de 1986, com a classificação de Marrocos à segunda fase e nas Copas de 1990, 2002 e 2010, quando Camarões, Senegal e Gana avançaram às quartas, respectivamente.

Aliou Cissé, técnico de Senegal - Francisco Leong/AFP - Francisco Leong/AFP
Aliou Cissé é técnico de Senegal desde março de 2015, após saída do francês Alain Giresse
Imagem: Francisco Leong/AFP

Mahfoud Amara, diretor do programa de Ciência do Esporte na Universidade do Qatar, diz, em artigo, que é possível a união como ocorreu nestes episódios: "Como um africano orgulhoso eu sei que a maioria dos torcedores em nosso continente será como eu durante o torneio: apoiar as cinco seleções da África, estejam elas no norte ou no sul do Saara."

"Sabemos que a África nos apoia. Se pudermos deixar todas as outras nações africanas orgulhosas, isso é duas vezes mais glorioso. Estamos pensando em nossa jornada, tentando escrever nossa própria história, mas se pudermos inspirar os outros, isso é uma honra maior para nós", afirmou o atacante senegalês M'baye Niang, único africano a fazer um gol na primeira rodada da Copa do Mundo da Rússia.

Contrapartida - Apesar dos exemplos, demonstrações e declarações em torno da possibilidade de união africana em torno de alguma seleção futuramente, um caso recente evidencia que há dificuldades neste processo de integração continental. Candidato a sede da Copa do Mundo de 2026, Marrocos não recebeu votos de uma série de federações subsaarianas, como Guiné, Libéria, Moçambique, Serra Leoa, África do Sul e Zimbábue, que preferiam a candidatura de Estados Unidos, México e Canadá por razões econômicas e políticas. Neste teste da unidade africana as nações não passaram.

Time carismático e "malandro" na Copa

As danças durante treinamentos e após as partidas para cultivar as raízes culturais chamaram atenção na jornada de Senegal na Rússia até o momento. Além disso, a seleção candidata à sensação africana no Mundial não é um time habilidoso, de trocas de passe rápidas e grande ofensividade: finalizou apenas seis vezes contra a Polônia, sendo duas certas, foi a sexta equipe que menos trocou passes entre as 32, ganhou com só 43% de posse de bola e descontou na velocidade, com 107 km percorridos - a 10ª maior marca da primeira rodada.

Um lance que chamou atenção durante a partida contra a Polônia foi uma bola parada na área em que dois jogadores puxaram as camisas do companheiro à frente. Nenhum deles se manifestou após o jogo se a ação foi para organizar posicionamento na área adversária ou induzir a arbitragem a erro. No mínimo, é demonstração da "malandragem" desta equipe no jogo.

Seleção de Senegal - Shaun Botterill/Getty Images - Shaun Botterill/Getty Images
Imagem: Shaun Botterill/Getty Images

Torcida em número pequeno, mas contente

O público anunciado pela Fifa em Polônia 1 x 2 Senegal foi de 44.190 torcedores. Não há um dado oficial sobre a nacionalidade das pessoas, mas a observação do estádio em Moscou leva à conclusão de cerca de 80% de poloneses. Ou seja, até pela proximidade com a Rússia, mais ou menos 35 mil apoiadores da Polônia estiveram no local do jogo.

Havia dois pequenos grupos de torcedores de Senegal nas arquibancadas, ambos com roupas típicas, instrumentos e fazendo passos de dança. Eram dois grupos separados, um mais centralizado na arquibancada e outro atrás do grupo em que saiu o segundo gol de Senegal. Ao fim do jogo, os jogadores foram até a torcida dançar com o batuque dos animados torcedores. Estima-se em menos de 200 torcedores de Senegal.

Em Moscou eram poucos. Mas o potencial demonstrado por Senegal na primeira rodada da Copa do Mundo é para algo próximo de unir novamente a África em torno de uma seleção. Como em 2002.

* Colaborou Marcel Rizzo, do UOL, em Moscou (Rússia)

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