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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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Como reformar Estaduais e financiar base da pirâmide do futebol brasileiro

Bola oficial do Brasileirão 2022 - Foto: Rebeca Reis/Staff Images Woman/CBF
Bola oficial do Brasileirão 2022 Imagem: Foto: Rebeca Reis/Staff Images Woman/CBF

18/09/2022 04h00

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O futebol brasileiro precisa de uma reforma de calendário e de seus Estaduais, cujo modelo atual não faz mais sentido econômico e esportivo. Para isso, é preciso encontrar uma forma de financiar a base da pirâmide do esporte - clubes de menor porte - que era tradicionalmente alimentada pelo dinheiro dos regionais. O Brasil pode olhar para a Inglaterra onde se dá um debate similar sobre o tema.

Primeiro, vamos entender o nosso cenário. Há uma discussão travada para a formação da Liga Nacional relacionada à distribuição de receita de TV entre os clubes de elite. É um debate muito relevante e já extensamente tratado aqui, mas não é o único relacionado ao tema.

A Liga do Brasileiro só vai atingir o potencial esperado pelos clubes se o campeonato se estender por entre 9 e 10 meses. Há praticamente um consenso entre os dirigentes de clubes sobre essa realidade. Estamos falando de um potencial de R$ 4 bilhões de receita anual, o dobro do valor atual.

A CBF abriu a porta para debater com clubes, federações e detentores de direitos de TV sobre o calendário para 2024. A entidade, no entanto, ressalta a importância dos Estaduais. E um dos pontos indicado é o de alimentar a base da pirâmide do futebol brasileiro. São os clubes pequenos que, historicamente, formam ou dão espaço para parte dos jogadores de alto nível. Sem Estaduais, eles se extinguiriam sem jogos.

Só que, na atual conjuntura, os Estaduais já estão morrendo por conta própria ainda que preservem 16 datas fixas em período exclusivo, modelo atual. O interesses das televisões têm caído ano a ano. Só o Paulista ainda é uma fonte de renda segura para os clubes, o Carioca tenta voltar à tona e os outros minguam sem esperanças.

Ora, neste contexto, não faz sentido os clubes grandes jogarem partidas pouco rentáveis - mesmo o Paulista gera muito menos dinheiro do que o Brasileiro. Nem os Estaduais cumprem o papel de sobrevivência de clubes pequenos. Só servem para política de federações estaduais.

O diretor da Globo, Fernando Manuel, já deu uma sugestão de alongar os Estaduais pela temporada em datas no meio das outras competições. Isso poderia afetar seu valor esportivo, embora os mantivesse vivos. Faz todo sentido, no entanto, para o futebol brasileiro atingir o seu maior potencial econômico. Mas como manter o financiamento aos clubes menores?

E aí entra o exemplo inglês. O governo britânico, por meio de trabalho da parlamentar Tracey Crouch, iniciou um estudo para regular financeiramente o futebol. Entre outros pontos, há uma discussão de distribuição de receitas, mas não dentro da elite. O debate é sobre a contribuição da Premier League para outras ligas inferiores. Atualmente, o dinheiro destinado é de 16%, mas metade vai para proteção a clubes que caem, os chamados para-quedas.

A intenção é diminuir o abismo entre as divisões inferiores -desde a segunda até mais para baixo - para a Premier League. Há uma negociação dura entre a Premier League e a Championship pela redistribuição de dinheiro. No Brasil, nas conversas sobre a Liga, o percentual discutido é entre 15% e 20%, a depender da proposta do número de clubes.

Além disso, o relatório do governo sugere uma espécie de taxa sobre as transações de jogadores, entre 5% e 10%, para ser repassado para completar contas de times das 3a e 4a divisão, além de construção de campos para crianças e adultos amadores. Também discute se a federação inglesa deveria ter maior flexibilidade para investir em futebol profissional ou amador. São sugestões, os clubes e ligas que têm negociar, mas se não houver acordo o governo pode interferir.

O Brasil tem mais clubes do que a Premier League, alguns abaixo da Séries C e D, que só jogam Estaduais. E há times amadores, só com divisão de base. A CBF financia parte deles ao bancar os campeonatos das terceiras e quarta divisão. Mas isso não ajuda o caixa dos clubes.

A reunião entre CBF, federações e clubes de elite pode ser direcionada para estabelecer uma espécie de compensação à base da pirâmide por tirar os Estaduais de período exclusivo. Isso pode ocorrer com dinheiro a ser ganho com a Liga, com ajuda para contratos das séries mais baixas, com participação da CBF, com taxação sobre transferências. É algo a se discutir pela comunidade do futebol. Certo é que, com o novo Brasileiro de 10 meses, haverá mais dinheiro no bolo.

Qualquer clube grande que fizer a conta verá que o que ele vai ganhar com o Brasileiro maior compensará dar um contribuição a times menores e abrir mão do Estadual. Politicamente, as federações terão de aceitar a perda do protagonismo. Mas nem será algo tão complicado visto que isso já está imposto pelo mercado mesmo.

O que não faz nenhum sentido é o futebol brasileiro aceitar o estrangulamento do seu potencial esportivo e financeiro. Durante anos, isso ocorreu por politicagem entre as federações e a CBF. A confederação se abriu para debater o calendário. Cabe aos clubes e ao mercado aproveitarem a oportunidade para sentarem a mesa com ambos e traçar uma solução para o problema.