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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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Por que STJD deu penas diferentes a Grêmio e Brusque pelo racismo

Celsinho foi vítima de injúria racial no dia 28 de agosto em partida contra o Brusque, pela Série B - Divulgação/Londrina Esporte Clube
Celsinho foi vítima de injúria racial no dia 28 de agosto em partida contra o Brusque, pela Série B Imagem: Divulgação/Londrina Esporte Clube

20/11/2021 04h00

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Em 2014, o STJD tirou três pontos do Grêmio por ofensas raciais da sua torcida ao goleiro Aranha, eliminando o da Copa do Brasil. Em 2021, o pleno do STJD optou pela retirada da punição de perda de pontos ao Brusque por injúria racial de um dirigente contra o jogador Celsinho. O código disciplinar não mudou. A questão é que os julgadores viram como diferentes os dois casos, seus enquadramento na lei e as consequências para campeonatos posteriores.

Na partida diante do Santos, pela Copa do Brasil, torcedores gremistas gritaram "macaco" e fizeram gestos imitando o animal direcionados ao goleiro santista Aranha.

No jogo diante do Brusque, pela Série B, Celsinho, atleta do Londrina, ouviu da arquibancada: "Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha". A fala foi do presidente do Conselho Deliberativo do Brusque, Julio Antônio Petermann. O estádio não tinha torcida.

Para entender as diferenças de decisões, o blog ouviu pessoas envolvidas nos dois julgamentos, leu votos e consultou advogados independentes. Então, tentemos explicar o quadro.

Primeiro, o Código Disciplinar não mudou desde 2014. Foi introduzido em 2009 o mecanismo que pune manifestações discriminatórias com o artigo 243-G. Esse texto relacionado ao tema se manteve inalterado.

No caso do Grêmio, o clube foi punido no artigo 243-G utilizando-se seu primeiro parágrafo: "Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida."

Pois bem, neste caso, como o ofensor era apenas uma pessoa, a procuradoria e os julgadores entenderam que não seria possível enquadrar o Brusque neste item. Por isso, a procuradoria denunciou o clube no 243-G, mas pediu uma pena por meio do artigo 170, que prevê penas como perda de mando de campo, pontos ou eliminação para casos de extrema gravidade. Portanto, cabia aos julgadores decidir se o caso era de extrema gravidade.

Foi levado em conta que, em casos internacionais, tribunais da Fifa e Conmebol não têm tirado pontos por racismo, e sim mandos de campo. Além disso, foi considerado o efeito que haveria para as competições nacionais, pois ofensas de uma pessoa vindas da arquibancada poderiam ter a mesma punição de perda de pontos.

Havia o temor no tribunal de uma série de ações por racismo impactando as tabelas. Por isso, optou-se pelo entendimento no tribunal que só manifestação de massa por ter esse efeito esportivo.

Um terceiro ponto foi a avaliação da gravidade da ofensa. Houve um entendimento de que, em outros casos, podem ocorrer gritos ainda mais graves e agressões e cusparadas. Por isso, seria necessário estabelecer uma dosimetria da pena.

"Temos que respeitar o sistema desportivo e a graduação da pena. A grande premissa que o sistema desportivo prega mundialmente. A jurisprudência é que em último caso se exclua ou tire pontos. Dentro desse sistema temos que quem tem a competência exclusiva de reprimir é o governo e que pune o indivíduo. Nós temos a função acessória e punir com a perda de pontos pune todos em volta", disse o auditor do STJD Felipe Bevilacqua, que votou pela perda de mando.

"Tecnicamente falando, o ato não pode ser tratado como de extrema gravidade. O caso não se reveste de extrema gravidade como consta na disposição normativa", afirmou o auditor do tribunal Mauro Marcelo de Lima e Silva. Foi a posição majoritária.

Os auditores Maurício Neves e Paulo Feuz votaram a favor da perda dos pontos. "Quando tomei posse nesta Corte, no dia 14 de julho de 2020, no meu discurso enfatizei exatamente a importância do artigo 243-G do CBJD, ressaltando que iria combater, de forma severa e enérgica, o racismo, o preconceito e a discriminação", disse Neves.

Feuz pediu desculpas ao jogador Celsinho antes de votar a favor da punição mais dura para o Brusque.

Em 2014, o Grêmio foi condenado de forma unânime, por 7x0, com a perda dos três pontos do jogo contra o Santos. Inicialmente, a primeira instância tinha estabelecido sua eliminação na competição, pena ainda mais grave. Mas, na prática, a perda de três pontos resultou na sua desclassificação da Copa do Brasil.

Em seu voto, o relator do processo, Paulo César Salomão, afirmou: "Não considero o Grêmio um clube racista ou o povo do sul como racista. Acredito que qualquer decisão ela não termina com o racismo no futebol. Tenho que votar com minha consciência. Estamos em busca de um objetivo único que é tentar melhorar o futebol. Ninguém discute as injúrias raciais contra o goleiro do Santos, os fatos são incontroversos. A questão é exclusivamente jurídica", disse o relator, que o enquadrou no 243-G, em seu parágrafo 1o.

Na ocasião, o então presidente do tribunal, Caio Rocha, deixou claro o peso da torcida na decisão: "O ato da torcida está levando a isso. As campanhas do Grêmio são louváveis, mas não resolveram o problema"

Condenaram o Grêmio a perda dos pontos os auditores: Ronaldo Botelho, Décio Neuhaus e José de Arruda, Gabriel Marciliano Júnior e Flávio Zveiter, Caio Rocha. Botelho, agora, é o procurador-geral do STJD. Em sua manifestação, ele pediu que o recurso do Brusque foi rejeitado e que, se isso não ocorresse, houvesse perda de mando de campo.

Além do Grêmio, houve um caso de perda de pontos por racismo em um campeonato regional. O Esportivo Bento Gonçalves perdeu pontos no Gaúchão, em 2014, por ofensas de seus torcedores ao árbitro Márcio Chagas. Foram deixadas bananas em seu carro, e o juiz afirmou que o chamaram de macaco no campo. A perda de pontos ajudou no rebaixamento do time à Segundona.