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Jorge Jesus diz que quer voltar ao Flamengo. E espera até o dia 20
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Acompanhei o jogo do Flamengo contra o Talleres numa bela cobertura debruçada sobre a Lagoa Rodrigo de Freitas, apartamento de um amigo rubro-negro, na Zona Sul do Rio de Janeiro. E quem assistiu à partida ao meu lado? Jorge Jesus. Diante de nova atuação decepcionante da equipe de Paulo Sousa (não deu sequer um chute a gol, no primeiro tempo, e empatou, a duras penas, no segundo), a pergunta sobre a possibilidade de seu retorno ao Flamengo se impunha e a resposta do Mister surpreendeu pela sinceridade e contundência.
Quero voltar, sim. Mas não depende só de mim. Posso esperar até pelo menos o dia 20. Depois disso, tenho que decidir minha vida."
Enquanto a bola rolava, o Mister confessou que, atualmente, não costuma, nem gosta muito de ver os jogos do Flamengo ao vivo. Prefere assistir às reprises, já sabendo do resultado:
"Esse time ainda mexe comigo. Me incomoda vê-lo em dificuldades. Tenho certeza de que se eu tivesse continuado teríamos conseguido uma longa hegemonia por aqui. Estávamos bem à frente dos demais."
Mas por que não continuou, após renovar o contrato?
"A pandemia me afetou demais. Foi algo absolutamente inesperado e devastador. Fiquei completamente só. Um funcionário deixava a comida na soleira da porta do meu apartamento e saía correndo. Parecia que eu estava vivendo num leprosário. Era muito difícil. Por isso, quando surgiu o convite do presidente do Benfica, um velho amigo, aquela me pareceu a melhor opção. Inclusive para voltar a viver perto da minha família."
No início do confronto com o Talleres, Jesus se mostrava esperançoso:
"Os quatro avançados (Éverton Ribeiro, Arrascaeta, Gabigol e Bruno Henrique) estão jogando mais ou menos como no meu tempo. E quando todos eles estão bem, o time funciona. Mas basta um estar mal, ou não jogar, que as coisas já não fluem", comentou.
E não fluíam em Córdoba. Mesmo num gramado que parecia um tapete e tendo pela frente um adversário limitado, que faz péssima campanha na Copa da Liga argentina, o Flamengo penava e o gol contra de Arão complicou ainda mais as coisas. Lembrando que foi sob suas ordens que o outrora segundo volante passou a jogar, e muito bem, como "trinco" (primeiro volante), Jesus admitiu que dificilmente o usaria como zagueiro:
"Não é a dele. Só em situações excepcionais, para substituir um zagueiro por um atacante, por exemplo, recuando-o no final de um jogo em que precisássemos desesperadamente fazer um gol", explicou.
Uma vez mais, a equipe de Sousa repetia o conhecido padrão de irritar seus torcedores. A ponto de o Mister resmungar, inconformado:
"Estão completamente sem foco!"
O Flamengo dava liberdade para o Talleres sair jogando sem ser incomodado, o que resultava em dificuldades para a defesa rubro-negra, obrigando o goleiro Santos a se desdobrar. Goleiro de Liga e goleiro de Copas? Jesus faz uma careta, deixando evidente que não é fã da ideia. O que mais o incomodava, entretanto, era o abandono da marcação pressão na saída de bola do adversário. Perguntei-lhe a respeito:
"Esse era o ponto de partida da nossa estratégia. Marcar forte os zagueiros adversários e adiantar nosso time todo, colocando a linha de defesa no meio-campo. Sufocar e retomar o ataque já próximo ao gol. Mas desde que saí, isso foi se perdendo. Em determinadas situações do jogo, é aceitável e compreensível marcar mais atrás. Mas não dando muitos espaços entre os setores, como está fazendo agora."
Termina o primeiro tempo com a derrota parcial por 1 a 0 e é um bom momento para tirar dúvidas. Afinal, Marcos Braz e Bruno Spindel chegaram a convidá-lo para voltar, quando estiverem em sua casa, em Portugal, no final do ano passado?
"Não. A conversa foi superficial e em momento algum me fizeram um convite ou, ao menos, me perguntaram se eu queria voltar. E aquele era um momento difícil, pois se eu pedisse demissão do Benfica, teria que pagar uma multa de 10 milhões de euros. Por isso, tinha sugerido que só viajassem para Portugal em final de janeiro, quando a situação seria mais fácil para negociar. Mas quiseram ir em dezembro e a sensação que tenho é que, quando me visitaram, já tinham tomado a decisão de contratar o Paulo Sousa. Foram apenas cumprir uma obrigação social comigo."
Mas respondendo objetivamente à pergunta:
Braz e Spindel não me convidaram para voltar em dezembro."
Jesus se queixou ainda de que a visita dos cartolas rubro-negros em dezembro só criou problemas para ele:
"Foram ver um jogo do Benfica no camarote do Porto, deram várias entrevistas, criaram uma balbúrdia desnecessária. Se me quisessem mesmo, teriam ido em janeiro, como sugeri, e poderíamos ter nos acertado."
Veio Paulo Sousa, já estava aqui Abel Ferreira e, recentemente, chegaram Luís Castro e Vítor Pereira. Qual deles é o melhor português trabalhando no Brasil? Jesus nem titubeia:
Vitor Pereira é o melhor. Basta ver os resultados dele em Portugal. Esse saber fazer uma equipe jogar ofensivamente e marcar pressão. Talvez tenha problemas, com o elenco (envelhecido) que tem. Mas é muito bom treinador."
E Abel Ferreira, como analisa o sucesso dele no Palmeiras?
No início, apesar dos títulos, não gostava muito da maneira de Abel jogar. Quase sempre reativo. Mais preocupado em não sofrer gols do que em marcá-los. Mas ele tem evoluído. O Palmeiras hoje é um time muito mais criativo. E passou a ser ofensivo. Joga o melhor futebol do Brasil."
Rola a bola no segundo tempo em Córdoba e as atenções se voltam novamente para o jogo. Vendo entrar Lázaro, Jesus relembra todos os jovens que fez subir para os profissionais e admite que não levava muita fé em João Gomes:
"Esse me parecia o mais fraquinho da turma. Mas evoluiu muito e se tornou um jogador útil."
Arrascaeta empata com um chutaço, da entrada da área, e o técnico faz um comentário curto e incisivo:
"Esse é craque!"
O Flamengo, porém, segue desordenado, principalmente na defesa, e o Talleres desempata de novo. Hora de discutir um pouco de tática com o Mister. O que ele acha do famoso jogo posicional, consagrado por Pep Guardiola e fracassado, no rubro-negro, com Doménec e indo pelo mesmo caminho com Paulo Sousa?
Não gosto do jogo de posições. Não é o meu estilo. Mas muitos treinadores de hoje em dia são adeptos dele. É um sistema como tantos outros. Mas só dá certo quando serve de ponto de partida e não como amarra. Se os jogadores ficam parados, esperando a bola e não se movimentam, vira jogo de matraquilhos (totó no português de Portugal)."
Entra Pedro e empata novamente o jogo. Jesus lamenta que pouco pode usá-lo, porque se machucou, e retomamos à discussão tática. Faz sentido o treinador chegar com um esquema pré-definido e insistir em impô-lo, independentemente das características dos jogadores de seu elenco?
"Todos os treinadores têm os seus esquemas preferidos. Mas dependendo do tipo de atletas que encontram, adaptações e variações são necessárias e importantes. Já joguei com três zagueiros. Com dois ou três atacantes, com um ou dois volantes. O que não adianta é forçar jogadores a cumprir funções para as quais, claramente, não tem as características necessárias."
Sousa já usou Everton Ribeiro na esquerda, Marinho também, Isla de zagueiro, Gabigol e Lázaro na direita e por aí vai. Aos poucos, porém, ao menos do meio pra frente, vai retomando o posicionamento do quarteto em seu melhor momento - com Jorge Jesus. O Mister, sorri, faz o gesto típico de resenha ao pé do ouvido e diz que os próprios jogadores o convenceram de que era melhor voltar ao posicionamento original.
Acaba a partida e o papo segue animado, num restaurante de Ipanema. O Flamengo de 2019 foi o melhor time dirigido pelo Mister?
"O Flamengo de 2019 e o Benfica do meu primeiro ano, campeão português em 2009/2010. Esse também era um timaço. Tinha Luisão, David Luiz, Fábio Coentrão, Ramirez, Pablo Aimar (que o técnico destaca como o melhor jogador que dirigiu até hoje), Saviola, Di Maria... Dava prazer. Mas o grupo que mais gostou de mim foi o do Flamengo."
Do elenco campeão brasileiro e da Libertadores, contudo, apenas Gabigol fez questão de se encontrar com o Mister, nesta sua passagem pelo Brasil. Ligou para ele e almoçarem juntos. Ainda que sem falar abertamente, o artilheiro deixou no treinador a sensação de que havia, por parte de alguns dirigentes do clube, a orientação para que não o procurassem, para não melindrar Paulo Sousa. Sintomaticamente, Marcos Braz e Bruno Spindel tampouco entraram em contato.
Jorge Jesus jantará, nos próximos dias, com o controverso Doutor Márcio Tannure, chefe do departamento médico mais lotado do futebol brasileiro. Desmentindo que tenha o convidado para se transferir para o Benfica, como chegou a ser noticiado, diz que sempre se deu pessoalmente muito bem com ele, pois havia, no departamento de fisiologia, profissionais que sabiam avaliar com precisão o estado físico dos jogadores, diminuindo o risco de contusões. Devem ter sido os que saíram nos últimos tempos para o Palmeiras, o Botafogo e até o Vasco que lhes acenaram com salários bem maiores.
Um assunto puxa o outro e chegamos à questão de poupar os jogadores, algo que Jesus pouco fez em sua passagem gloriosa pelo Flamengo.
"Quando a fisiologia me alertava para o desgaste de um ou outro jogador, eu poupava. Mas nunca mais que dois, no máximo, três por jogo. Se tens um prazo de três, quatro dias de intervalo entre uma partida e outra, não vejo motivos para poupar. Mas se és obrigado a jogar de dois em dois dias, aí a coisa muda de figura. Mas, decididamente, não gosto dessa coisa de usar um time inteiro reserva. Só o faria em situações muito especiais."
Convites não faltaram a Jorge Jesus desde que ele saiu do Benfica. Além do turco Fenerbache, que lhe acena com um cheque em branco, ele confirma que Atlético Mineiro, Corinthians e Fluminense lhe fizeram propostas. Mas diz que as recusou por um motivo singelo:
"No Brasil, só me interessa treinar o Flamengo. Já basta o que sofri, em Portugal, por trocar o Benfica pelo Sporting."
Há, entretanto, outra possibilidade por aqui. A seleção brasileira. E ao falar da hipótese de substituir Tite seus olhos brilham.
Treinar a seleção do Brasil seria um sonho. É o tipo do convite irrecusável."
O Mister conta que o primeiro time pelo qual se apaixonou e, de certa forma, moldou o seu caráter esportivo foi a seleção brasileira de 1970.
"Eu era adolescente e nunca tinha visto nada igual. Clodoaldo, Gérson, Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivelino! Se hoje sou um treinador que privilegia sempre o ataque, devo muito à inspiração daquela seleção brasileira de 70. Inesquecível!"
O maior treinador, na opinião de Jorge Jesus, porém, não é o Zagallo, de 70, ou Telê Santana, que montou outra equipe brasileira que também lhe encheu os olhos, na Copa de 82. Nem tampouco os modernos e vitoriosos Pep Guardiola ou Jürgen Klopp.
O maior treinador de futebol para mim foi Johan Cruijff. Ele revolucionou o esporte."
Fã confesso de equipes e treinadores que montaram times que encantavam os torcedores, o Mister garante exigir que suas equipes se preocupem não somente em vencer, mas também em jogar um futebol vistoso e atraente.
Não basta a vitória. É importante ganhar e merecer da plateia uma alta nota artística. O futebol é um show, um espetáculo. É o que busco em todos os meus times. E conseguimos isso no Flamengo."
E o que não deu certo no Benfica, Mister?
"Houve muita pressão política no clube. Quando o presidente, que me levou de volta, foi deposto, eu sabia que mais cedo ou mais tarde iriam me tirar também. Houve um jogo, da Liga dos Campeões, que vencemos o Dínamo de Kiev por 2 a 0 e fomos vaiados no Estádio da Luz! Isso, nos classificando, num grupo em que o Barcelona foi eliminado! Já não havia mais ambiente. Depois ainda houve a indisciplina do Pizzi (capitão da equipe), que falou um monte de bobagem para um dos meus auxiliares, num jogo em que eu estava suspenso, e aí tudo desandou. Mas quando saí, o Benfica estava a três pontos dos líderes e classificado para as oitavas de final da Champions (chegaria às quartas, eliminando o Ajax). Hoje, está a 15 pontos da liderança. O problema era só eu?"
Papo vai, papo vem, pergunto-lhe quem é (ou foi) o melhor jogador português de todos os tempos: Eusébio, a Pantera Negra, contemporâneo de Pelé, ou Cristiano Ronaldo? Ele elogia muito o falecido craque do Benfica, mas fica com o artilheiro do Manchester United:
"Cristiano Ronaldo é uma máquina. Cuida do corpo e da carreira como ninguém. Se Neymar tivesse metade da determinação dele, poderia chegar a ser o melhor do mundo. Como não tem, dificilmente chegará. O melhor do mundo, atualmente, é o Mbappé."
Na saída do restaurante, rubro-negros se aproximam para pedir para tirar fotos com ele e repetem o apelo da maioria da torcida rubro-negra: "Volta, Mister". É o que ele gostaria. Mas, como bem disse, não depende só dele...
Em tempo: conheci a esposa e um dos filhos de Jorge Jesus e ambos, encantados com o desfile das campeãs, na Sapucaí (o Mister também adorou o espetáculo) e com a cidade, não parecem fazer restrições à volta do Mister ao futebol brasileiro.
O Fenerbache, porém, segue sendo o seu destino mais provável. Mas ele, que viaja de volta para Lisboa no próximo sábado, só vai tomar qualquer decisão após o dia 20. Até lá, se o Flamengo piscar, tem jogo.
- Assista ao UOL News Esporte e veja a análise completa de Renato Maurício Prado sobre a conversa com Jorge Jesus:
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