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Marcel Rizzo

Futebol brasileiro se descola da realidade e acha que vai driblar o vírus

Maracanã: quando será que o estádio vai voltar a receber jogos de futebol? - GettyImages
Maracanã: quando será que o estádio vai voltar a receber jogos de futebol? Imagem: GettyImages

Colunista do UOL

29/04/2020 04h00

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No dia que o Brasil notificou o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas, 474, e ultrapassou os 5 mil óbitos pela doença causada pelo novo coronavírus, os dirigentes do futebol brasileiro se reuniram nesta terça (28), por meio de videoconferência (afinal a recomendação é não aglomerar), e sinalizaram a volta do futebol em alguns estados para meados de maio.

No dia que o governo da França determinou que não ocorrerão eventos esportivos no país até setembro, o que obrigou a liga local a encerrar sem terminar o Campeonato Francês, aquele em que joga o PSG do craque brasileiro Neymar, a cartolagem brasileira definiu que é possível criar protocolos que evitem que os jogadores no Brasil sejam contaminados.

No dia que o presidente do Comitê Médico da FIFA, o belga Michel D'Hooghe, defendeu que a bola não role antes de setembro, porque segundo ele o mundo não está preparado para o retorno do futebol competitivo, quem manda no esporte no Brasil deu a mão de vez ao governo federal, que pede desde o início da pandemia que o país ignore o isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A chance de o Brasil retomar campeonatos de futebol em maio com segurança aos jogadores e profissionais que vão precisar trabalhar no entorno de treinamentos e partidas é zero. E não sou eu quem falo. Na segunda (27), o médico David Uip, que é um dos principais conselheiros do governo de São Paulo durante a pandemia e que teve a covid-19, pediu cautela aos clubes paulistas em reunião (por videoconferência, claro).

Segundo ele, um dos tópicos do protocolo que será criado pela CBF e será seguido pelas federações, que é o de fazer testagem rápida em massa nos jogadores, é falha simplesmente porque esses testes não têm um grau de confiança alto. E, como sabemos, a contaminação pelo novo coronavírus é violenta: um jogador doente, assintomático, pode contagiar vários companheiros num treino ou adversários em um jogo.

Nenhum país europeu sabe muito bem ainda como o futebol vai voltar, e por lá a curva de contaminação está caindo, ao contrário daqui, que não chegou ao pico — especialistas falam em maio. Alemanha e Portugal parecem ser os países mais otimistas, até por terem sido menos afetados por mortes e contaminações do que França, Espanha e Inglaterra, mas mesmo assim ainda não conseguiram chega a um consenso de quando voltar a jogar.

A Uefa (União Europeia de Futebol), num primeiro momento, fez jogo duro e proibiu as federações de encerrarem seus campeonatos locais sem um fim — obrigou a Bélgica, no começo de abril, a voltar atrás nessa decisão. Mas a entidade já cedeu. Com o caos ainda dentro de vários países, decidiu que cada federação pode fazer o que quiser, o que autorizou Holanda e França a decidirem pelo fim das competições.

O Brasil é um país continental e cada estado tem um grau maior ou menor de casos. O problema não é nem o número de infectados, mas a capacidade do sistema de saúde atender doentes, principalmente os mais graves em UTIs. Há estados, principalmente no Sul, que aparentam estar em condições melhores do que outros no Sudeste ou Norte e Nordeste. Mas o ponto é: o vírus não vai sumir.

Aliás, o vírus jamais vai sumir e cientistas dizem que a normalidade da vida só ocorrerá quando uma vacina, para evitar o contágio, e um medicamento eficaz, para combater a doença, forem criados ou encontrados. O mundo vai voltar a rodar, o comércio vai reabrir, mas a recomendação do distanciamento social existirá enquanto não se puder evitar o contágio. Como o futebol, um esporte de contato, se encaixa nisso?

Voltar com o futebol com a pandemia no auge do contágio no Brasil é uma irresponsabilidade e coloca em risco a saúde dos profissionais do futebol. Há pressão do governo federal, que parece querer a volta da política do "pão e circo" para tirar o foco dos mortos por covid-19, mas também há pressão de patrocinadores e detentores de direitos. Tempo é dinheiro, dirão. Neste momento, tempo é vida.