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Sem dinheiro, Barcelona volta a ter desafio de fabricar craques em casa

Há um momento da história do Barcelona que tem um lugar especial no coração dos torcedores, jogadores e funcionários do clube catalão: o quinto gol da vitória por 5 a 0 sobre o Real Madrid, em 29 de novembro de 2010.

A jogada começa com Bojan Krkic conduzindo a bola pela direita. O meio-campista, então com 20 anos, parte em velocidade para a linha de fundo e, marcado por Pepe, cruza para o centro da área. A bola encontra o venezuelano Jeffren Suárez, 22, que toca de primeira para fechar a goleada.

Um gol todo construído por garotos das categorias de base, diante de um Real Madrid cheio de estrelas. Ali, mais do que golear o arquirrival, o Barcelona dava uma aviso: há muito mais por vir. Era o auge de La Masia, a fábrica de talentos que — além de Bojan e Jeffren — havia formado oito dos titulares daquele time: Valdés, Puyol, Piqué, Busquets, Xavi, Iniesta, Pedro e Messi.

Só que, nos anos seguintes, a fábrica emperrou. Bojan e Jeffren nunca se firmaram no Barcelona e tiveram carreiras abaixo das expectativas. Na década entre 2011 e 2020, o Barcelona tornou-se um clube comprador, e La Masia ganhou um papel secundário, muitas vezes inexistente na formação do elenco.

Nesse período, o único jogador que conseguiu sair da base e ter uma carreira consistente no clube foi Sergi Roberto, que atuou em 355 jogos com a camisa do clube e hoje, mesmo na reserva, é o capitão.

Em 2020, veio a pandemia. Com ela, os estádios fechados, a queda no faturamento do clube, a falta de dinheiro para, entre outras coisas, manter Lionel Messi em Barcelona. O tempo mostrou que o buraco era ainda maior: as rígidas regras do fair play financeiro de La Liga exigiam que o clube demonstrasse solvência econômica para contratar e inscrever jogadores.

Neste cenário, o Barcelona foi obrigado a olhar novamente para suas categorias de base. Desde então, enquanto o departamento financeiro ainda tenta fazer as planilhas mostrarem resultados melhores — e o presidente Joan Laporta lança mão das alavancas financeiras, vendendo patrimônio do clube —, Xavi Hernández garimpa a cantera em busca de novos talentos.

Guiu, do Barcelona, comemora gol marcado contra o Athletic Bilbao pelo Campeonato Espanhol
Guiu, do Barcelona, comemora gol marcado contra o Athletic Bilbao pelo Campeonato Espanhol Imagem: David S.Bustamante/Soccrates/Getty Images

Os diamantes de Xavi

O resultado da procura de Xavi por seus diamantes será visto no clássico de sábado, contra o Real Madrid. No duelo que pode valer a liderança do Campeonato Espanhol, o Barcelona apostará em jovens revelados pela base em todos os setores do time.

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A grande estrela da nova geração é o ponta Lamine Yamal. Aos 16 anos, ele tem quebrado recordes de precocidade no clube e na seleção. Em setembro, ele tornou-se o jogador mais jovem a estrear e a marcar com a camisa da Espanha. Nos bastidores do Barcelona, Yamal é tratado como o jogador mais promissor a sair de La Masia desde que Lionel Messi estreou com a camisa azul e grená, em 2004.

Na defesa, outro jogador cria da casa tem mostrado a segurança de um veterano. Alejandro Balde tem apenas 20 anos e, na temporada passada, tomou a vaga de titular de Jordi Alba. O lateral-esquerdo foi convocado para a Copa do Mundo do Qatar e seu estilo ofensivo é uma das armas de Xavi para variar o esquema do time, às vezes usando o jovem como ponta e mudando a composição da linha defensiva.

Outro que já se consolidou no clube e na seleção é Gavi. Aos 19 anos, o meio-campista virou um dos símbolos do renascimento do clube, sendo peça-chave no título do Campeonato Espanhol na temporada passada. Na seleção da Espanha, o sevilhano também já tem lugar cativo, com 24 jogos e quatro gols marcados.

Nas partidas mais recentes, dois outros jovens se somaram à lista. Fermín López, de 20 anos, voltou de um empréstimo ao Linares, da terceira divisão, para entrar na disputa por uma vaga no time titular. Contra o Shakhtar, na quarta-feira (25), ele marcou um gol, acertou duas bolas na trave e foi eleito o melhor em campo.

Diante do Athletic Club, no domingo (22), outro jovem já havia brilhado: o atacante Marc Guiu, de 17 anos, só foi relacionado porque Robert Lewandowski estava fora. No primeiro toque na bola, o adolescente fez o gol da vitória por 1 a 0. Ele voltou a ter uma chance diante do Shakhtar e, mesmo com o retorno de Lewandowski, deve entrar na convocação para o clássico.

A lista de jovens deste Barcelona com restrições orçamentárias tem ainda Pedri, de 20 anos. Mas o meio-campista não saiu das categorias de base do clube catalão. Ele foi comprado em 2020, aos 17 anos, após uma boa temporada no Las Palmas. O mesmo se aplica a Ronald Araújo, que chegou ao time B do Barcelona B aos 19 anos, procedente do Boston River, do Uruguai.

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Real Madrid também aposta em jovens

Bellingham, do Real Madrid, tem 11 gols em 12 jogos no clube
Bellingham, do Real Madrid, tem 11 gols em 12 jogos no clube Imagem: Octavio Passos/Getty Images

Se o Barcelona aposta nos jovens criados nas categorias de base, o Real Madrid tem uma estratégia diferente, mas que também tem como foco os jogadores recém-saídos da adolescência.

O clube, que no início do século foi conhecido por contratar jogadores já consagrados por valores que batiam recorde atrás de recorde, mudou a estratégia. Os "Galácticos" deram lugar à aposta em jovens promessas.

A contratação de Vinícius Júnior, então com 18 anos, foi a primeira; depois, vieram Rodrygo e Militão. O clube ainda promoveu o retorno de Valverde, que fora contratado e emprestado ao La Coruña. E, na temporada 2021, fechou com os franceses Eduardo Camavinga e Aurelién Tchouameni.

O processo de renovação teve ainda o acordo pela transferência futura de Endrick — assinado quando o brasileiro tinha 16 anos —, a chegada do meia turco Arda Guller, de 18 anos, e a maior contratação do período: Jude Bellingham, que chegou à capital espanhola por 120 milhões de euros (cerca de R$ 630 milhões).

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O inglês completou 20 anos às vésperas da estreia em uma partida oficial pelo clube e é o principal jogador do Real Madrid na temporada, com 11 gols em 12 partidas entre Campeonato Espanhol e Champions League. Ele ainda é dúvida para o clássico, com um incômodo muscular.

No duelo dos gigantes da Liga Espanhola, não resta dúvida de que os jovens serão protagonistas. No Real Madrid, por opção; no Barcelona, por necessidade.

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