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Tales Torraga

REPORTAGEM

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'Cansei de viver'. O dramático relato de um ex-jogador do SPFC na Argentina

Centurión, ex-atacante do São Paulo, durante a temporada 2019, no México - Jaime Lopez/Jam Media/Getty Images
Centurión, ex-atacante do São Paulo, durante a temporada 2019, no México Imagem: Jaime Lopez/Jam Media/Getty Images

Colunista do UOL

29/09/2022 04h00Atualizada em 29/09/2022 13h49

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O São Paulo está na Argentina, onde, no sábado (1º), enfrenta o Independiente del Valle, pela final da Copa Sul-Americana, na cidade de Córdoba.

A grande esperança de gols do Tricolor está se sentindo em casa — estamos falando do argentino Jonathan Calleri. E seu compatriota e ex-companheiro de ataque na equipe, Ricardo Centurión, voltou a ser assunto em seu país nesta semana, mas por um motivo que não tem nada a ver nem com o São Paulo e nem com o futebol.

Sem jogar desde que foi dispensado do San Lorenzo, em maio, ele deu uma entrevista tocante à Rádio La Red, de Buenos Aires, anteontem, descrevendo que atravessa um momento dramático.

"Aguentei muitas coisas, precisava me afastar, me sentia esgotado, tinha ataques de pânico, precisava sair de tudo, por isso decidi assim", falou, sobre sua saída do San Lorenzo, praticamente abandonando os treinamentos. "Muitos não me entendem, mas cansei de viver. Principalmente desta maneira. Foi por este motivo que decidi sair ir do trabalho que me deu tanta felicidade. Nem eu mesmo me aguentava", disse, com a voz embargada.

Centurión está com 29 anos, e não faz parte dos planos do Vélez Sarsfield, clube que detém os seus direitos econômicos. Ele treina na equipe em horário separado dos demais. O atacante não encontra interessados em seu futebol, o que coloca a sequência da sua carreira em sério risco.

"Pensei que o amor da minha filha me faria esquecer um montão de feridas abertas. O amor de um filho é diferente a outro amor e outras perdas. Mas não posso suportar. Me custa olhar nos olhos da minha filha, que está crescendo", seguiu Ricardo, que é pai de Emma, de dois anos.

"Minha vida hoje é como na pandemia. Para o jogador, o futebol é tudo. Quando não o tem, é como estar na pandemia."

"Hoje, ninguém me liga. Claro, um ou dois jornalistas. As pessoas que conheci não me chamam. Você se sente sozinho. Está só sua mãe e sua namorada. Sabia que ia acontecer. Não tenho medo, não escapo disso."

"Se tenho uma oportunidade e começo a treinar, solto tudo de verdade, o vício. É um antes e depois. Não é que não posso deixar o que fiz. Eu posso. Em um mês, estou bem", falou. Em seus tempos de Racing, o presidente Victor Blanco deu declarações públicas afirmando que Centurión era alcoólatra.

"Por sorte, mantenho o salário que recebo do Vélez, é como se eu estivesse jogando. Mas você levanta e não joga. E isso dói. Me colocaram todos os dias para treinar à tarde, para não ter contato com o elenco profissional. Treino uma hora e volto para casa."

"Comecei a faltar nos treinos já quando era profissional. Quando era menor, saía e ia treinar igual. Mais velho, pela cabeça, por um montão de problemas, não ia. Sou o primeiro que gosta de treinar. Mas eu entendo o dirigente. O mais fácil para ele é trazer outro jogador."

"Heinze [Gabriel, técnico do Vélez] me ensinou demais. Ele me matava nos treinos, quando chegava em casa, estava morto, não podia fazer mais nada. Depois, veio a pandemia e, com Pellegrino [Mauricio, seu sucessor], não consegui perder peso. O que perdemos foi o tato, um com o outro."

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Ricardo Centurión (São Paulo)
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Boca, Racing...

Centurión jogou no São Paulo em 2015 e 2016, somando 80 jogos e 8 gols. Foi negociado na sequência com o Boca Juniors e recebendo a camisa 10, vivendo bons momentos na Bombonera e criando confusões por indisciplina com o então técnico Guillermo Barros Schelotto.

Apesar do pedido da torcida pela sua permanência, ele decepcionou a comissão técnica e foi negociado com o Genoa, da Itália, onde teve poucas chances. Acabou sendo dispensado por fazer lives em plena madrugada na concentração tomando mate, bebida estimulante consumida especialmente pela manhã.

Centurión voltou então ao Racing, clube que o revelou, e viveu bom momento na Libertadores de 2018, mas foi expulso no jogo decisivo, River x Racing, ao brigar com Enzo Pérez e não render quando o time mais precisou.

No ano seguinte, empurrou o técnico Coudet em um novo River x Racing, saindo da equipe e parando no Atlético San Luis, do México, onde viveu nova polêmica por falta de comprometimento, resultando na saída do então treinador da equipe.

Esta tinha sido a última confusão de Centurión até cortar relações com o Vélez e buscar o San Lorenzo, na décima transferência em exatos dez anos de carreira.

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Ricardo Centurión é apresentado no San Lorenzo
Imagem: Divulgação CASLA

Dificuldade não vem de hoje

Em 2020, Centurión revelou que pensou em tirar a própria a vida dias depois de a namorada morrer após um acidente de carro. Era o segundo choque vivido por ele em poucos meses, pois a tragédia ocorreu enquanto ele se erguia depois de perder a avó, figura de peso em sua vida.

"Os golpes foram muito rápidos, e, se eu não me levantasse depois de dois dias, acho que terminaria com a minha vida. Mas não era o meu momento", disse ele, que afirmou ter conseguido se reerguer para dar orgulho a elas.

"Sei que a realidade é essa, tenho que me levantar e continuar. Vendo minha mãe, minha irmã, pude frear e me uni. Caso contrário, tudo estaria indo para o inferno", falou à TV argentina TyC Sports.

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.

O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.