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Tales Torraga

REPORTAGEM

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Benedetto brigou com diretores do Boca horas antes de enfrentar Corinthians

Benedetto, do Boca Juniors, cobrou pênalti na trave no jogo contra o Corinthians - Agustin Marcarian/Reuters
Benedetto, do Boca Juniors, cobrou pênalti na trave no jogo contra o Corinthians Imagem: Agustin Marcarian/Reuters

Colunista do UOL

09/07/2022 04h00

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Ainda não amanheceu para o Boca Juniors. Empacado na noite de terça-feira, quando foi eliminado da Libertadores pelo Corinthians, o gigante portenho agrava a sua crise a cada hora em Buenos Aires.

A novidade de hoje é surreal até para quem vive as loucuras do futebol argentino há muito tempo. E a nova trama, envolvendo disputas por dinheiro e ego, envolve dois pesos-pesados: Darío Benedetto e Juan Román Riquelme.

Briga por dinheiro antes do jogo

Quem noticiou primeiro na Argentina foi a ESPN. Logo depois surgiu o também canal de TV TyC Sports. A versão confirmada pela coluna é a seguinte: o Boca viveu na noite de segunda-feira, véspera da decisão contra o Corinthians, uma ríspida reunião entre os líderes do time profissional e o "Conselho de Futebol", como é chamado o grupo de diretores subordinados a Riquelme, vice-presidente do clube.

Os dirigentes mais atuantes entre a presidência e os jogadores são todos integrantes do Boca multicampeão com Riquelme, como (o ex-volante) Raúl Cascini, (o zagueiro) "Patrón" Bermúdez e (o atacante) "Chelo" Delgado.

O próprio Riquelme participou do encontro. Segundo a Rádio La Red, sua presença ocorreu por um grave motivo: os jogadores do Boca simplesmente ameaçavam abandonar a concentração na véspera da partida contra o Corinthians.

Os dirigentes receberam Benedetto, o capitão "Cáli" Izquierdoz, o zagueiro Marcos Rojo e o goleiro reserva Javier García e ouviram um pedido claro: o pagamento atrasado do prêmio pelo título do último Campeonato Argentino (versão Copa da Liga Profissional). A decisão foi em 2 de junho e terminou 3 a 0 para o Boca contra o Tigre.

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Sebastian Battaglia, técnico do Boca Juniors, lamenta eliminação do time argentino diante do Corinthians na Libertadores
Imagem: Stringer/Anadolu Agency via Getty Images

O Conselho de Futebol negou o pedido aos gritos, reclamando dos jogadores que eles "não ganharam nada importante" para tais exigências. O diálogo foi dos exaltados, mesmo a poucas horas antes da decisão contra o Corinthians.

O clima ruim, é claro, predominou no vestiário da Bombonera na própria noite de terça-feira, dia da partida.

Em uma rápida conversa informal no próprio vestiário, Bermúdez chamou os participantes da reunião da véspera para dizer que o prêmio seria pago. O ex-zagueiro confirmou esta versão ao canal de TV TyC Sports.

Havia outro tema em disputa entre dirigentes e jogadores, de acordo com a Rádio La Red.

Os atletas exigiam receber a premiação por apenas participar das oitavas de final contra Corinthians. Já os diretores aceitavam pagá-los somente em caso de classificação.

Foi por esse encontro pouco amistoso com os dirigentes na concentração que Benedetto apareceu na entrada em campo, na própria Bombonera, incentivando os companheiros com uma frase contundente: "Ontem nos trataram como perdedores, então vamos mostrar a esses f..... da p.... que somos ganhadores".

Houve uma confusão inicial. A ESPN, que transcreveu o diálogo de Benedetto com os colegas, legendou a frase como "Lá, nos trataram como perdedores". O áudio foi revisado e percebeu-se que o correto era "ontem", do espanhol "ayer", e não "allá", como o "lá" inicialmente considerado.

Foi sob esta pressão que Benedetto errou seus dois pênaltis e o Boca não conseguiu furar a defesa do Corinthians, caindo fora da Libertadores pelo segundo ano seguido ainda nas oitavas de final.

O escândalo que explodiu ontem (8) parecia não ter fim.

Soube-se que o técnico Sebastián Battaglia foi despedido numa loja de conveniência em um posto de gasolina na zona norte de Buenos Aires, o que chega a ser circense, de tão amador. O encontro improvisado entre ele e Bermúdez aconteceu na tarde de quarta-feira, e a demissão do treinador foi anunciada na noite da mesma quarta.

Na quinta, foi anunciado o substituto de Battaglia. Será o interino Hugo Ibarra, outro companheiro de Riquelme nas Libertadores de 2000 e 2001 (era lateral-direito).

O Boca enfrenta o San Lorenzo no Nuevo Gasómetro hoje às 15h30 (de Brasília), e a primeira atitude de Ibarra foi justamente afastar Izquierdoz da equipe —o mesmo Izquierdoz que havia conversado duramente e sido retaliado pelos diretores na véspera do encontro contra o Corinthians.

Benedetto, a princípio, está mantido na equipe titular do clássico válido pela sétima rodada do Campeonato Argentino.

O Boca precisa sair da crise, e entende que as chances de isso acontecer são maiores com o camisa 9 em campo e precisando dar uma resposta pela sequência de erros ante o Corinthians. Mas a opinião geral na Argentina indica uma constatação lógica: sua permanência no clube, depois de ser ouvido chamando os dirigentes de "f..... da p...", também está com os dias contados.

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Muro da Bombonera pichado contra Juan Román Riquelme
Imagem: Reprodução TyC Sports

Muro pichado contra Riquelme

Algo inimaginável, a Bombonera apareceu pichada anteontem contra Riquelme. Em cima do muro azul, letras amarelas diziam que "terminou o Roman$e", em trocadilho com o "Román" com o qual o ídolo sempre foi venerado.

Apesar do escândalo acompanhado na Argentina com ares de radionovela, a infame eliminação do Boca não contempla uma hipótese nem de torcedores e nem da imprensa: a de Benedetto ter errado os dois pênaltis de propósito para confrontar Riquelme.

O que sim faz mais sentido é que tal embate carregou demais o ambiente, contaminando a preparação para vencer o Corinthians. E a cara visível da devastação foi mesmo a de Benedetto, que entrou em campo esbravejando contra os dirigentes e saiu do gramado chorando pelo fracasso coletivo e individual.

"Nos trataram como perdedores", dizia o camisa 9 aos companheiros.

Depois de terça, e de assumir uma responsabilidade extra ao pedir para bater o quinto pênalti e errar, vai ser difícil argumentar. Seria muito mais coerente batalhar em campo, vencer o Corinthians e aí sim cobrar o que quer que fosse.

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Juan Roman Riquelme, vice-presidente do Boca Juniors, no camarote da Bombonera durante jogo em abril de 2022
Imagem: Marcelo Endelli/Getty Images

O outro lado

Quem saiu publicamente para dar sua versão sobre tudo foi o ex-zagueiro "Patrón" Bermúdez, integrante do Conselho de Futebol do Boca. À ESPN, ele fez as seguintes ponderações sobre o episódio.

"Não houve problema entre nós e Izquierdoz", garantiu. "Ele está à disposição da comissão técnica e vai se concentrar. O técnico toma a decisão de colocar em campo quem quer."

"Nós fazemos um trabalho sério e respeitoso, e parece que os culpados de todas as reuniões e situações somos nós", seguiu, confirmando o encontro com os jogadores na véspera da partida contra o Corinthians, mas minimizando o desgaste das conversas.

Bermúdez analisou as frases de Benedetto aos colegas de time antes da partida da seguinte maneira:

"Sempre há muita adrenalina ali. Na verdade, não achamos que houve má intenção dele. E se houve, foi numa situação de adrenalina. Talvez ele tenha pensado que esta era a maneira de motivar os mais jovens".