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Tales Torraga

Conspiração ou descuido: o que explica o doping de Diego em 1994?

Colunista do UOL

26/11/2020 04h05

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Efedrina. Esta era a substância proibida detectada na urina de Maradona.

Maradona -                                 REPRODUÇÃO                             -                                 REPRODUÇÃO
Maradona deixou o gramado de seu último jogo com a seleção argentina de mãos dadas com a enfermeira Sue Carpenter, antes do exame antidoping que o excluiu da competição.
Imagem: REPRODUÇÃO

O fisiculturista Cerrini, oficialmente integrado à delegação por ordem de Diego, foi questionado pelos próprios médicos argentinos e teve seu quarto vasculhado. Foram encontrados os comprimidos ministrados ao atleta como parte de seu tratamento nutricional - e que, de fato, continham efedrina em sua formulação. Apesar de proibida pela Fifa, a substância não era vetada no mundo dos esportes americanos; estudos mostravam que seu uso não resultava em aumento sensível de desempenho ou rendimento. De qualquer forma, Cerrini seguia jurando inocência.

Em seguida, Peidró viajou a Los Angeles, onde a Fifa realizaria a contraprova obrigatória. Ao ver o segundo frasco rotulado com uma etiqueta que indicava "efedrina", constatou um flagrante erro de procedimento - a violação do princípio do "duplo-cego", pelo qual a amostra deve ser testada sem que se tenha conhecimento prévio do que se procura. O médico alertou os advogados da AFA, que, com isso, poderiam contestar juridicamente o resultado e dar uma sobrevida ao Diez, mantendo-o na Copa até que se resolvesse o caso, algumas semanas depois. Mas Julio Grondona preferiu jogar o craque aos leões: sem querer ouvir argumentos contrários, decidiu retirar Maradona da concentração. Dessa forma, a Argentina escapava de qualquer tipo de punição da Fifa e poderia seguir normalmente no Mundial.

"Me cortaron las piernas", afirmou o craque, já isolado em um quarto de hotel em Dallas, evidentemente arrasado. "Juro por minhas filhas que não me droguei para jogar, porque quando treino como treinei, não preciso de nada para jogar. Estava inteirinho", lamentava. "Agora nos roubaram o sonho. E acho que me tiraram do futebol definitivamente. Tenho os braços caídos e a alma destroçada. Quero que fique claro a todos os argentinos que não corri pela droga, corri pela camisa."

A ausência do ídolo foi dilacerante. "Em nível nacional, o futebol não nos entregou um luto coletivo superior ao dia em que conhecemos a efedrina. A atmosfera de tragédia superou qualquer derrota nos Mundiais passados. As eliminações anteriores motivavam uma reação clássica: os xingamentos aos jogadores e técnicos. A Copa de 1994 produziu a solidariedade com o totem em desgraça e massificou um estado de depressão", escreveram Andrés Burgo e Alejandro Wall no livro El último Maradona - cuando a Diego le cortaron las piernas, que disseca o episódio com impressionante riqueza de detalhes.

Diante de tudo isso, não surpreende que o restante da participação argentina no torneio tenha virado uma mera nota de rodapé do drama de Maradona. Desde então, inúmeras teorias da conspiração tentaram explicar o fatídico exame positivo de Diego. Uma delas diz que João Havelange traiu o Diez ao descumprir um acordo de bastidores para isentá-lo de testes em sua urina.

O suposto pacto entre o chefão da Fifa e Maradona teria sido combinado por ocasião da repescagem contra a Austrália, no fim de 1993, quando a Argentina estava a ponto de ficar fora do Mundial - algo que representaria um prejuízo significativo à entidade e aos seus patrocinadores. O craque teria sido chamado às pressas de volta à seleção com a garantia de que não precisaria passar por nenhum tipo de teste antidoping. Com isso, evidentemente, insinua-se que Diego estaria sob efeito de substâncias ilegais desde essa época.

(De concreto, apenas o fato de que realmente não foram realizados exames antidoping nas duas partidas entre Argentina e Austrália - uma prática altamente incomum nas competições organizadas pela Fifa e que permanece inexplicada até os dias de hoje.)

Em maio de 2011, o próprio Maradona tratou de colocar mais lenha na fogueira ao dizer que, nos dois jogos da repescagem, a AFA forneceu aos atletas argentinos um "café veloz". "Grondona nos disse que não haveria controle antidoping. Colocavam algo no café e com isso você corria mais. Tenés que ser muy boludo si te hacen diez controles y el partido que se juega la clasificación no hay control."

Celso de Campos Júnior, Giancarlo Lepiani e eu publicamos em 2018 o livro "Copa Loca - As inacreditáveis histórias da Argentina nos Mundiais", cujo trecho reproduzimos acima. A obra de 216 páginas segue à venda no site da editora, a Garoa Livros.