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Casper Ruud e a prova de que talento bem orientado traz resultados

Casper Ruud na vitória sobre Andrey Rublev na fase de grupos do ATP Finals 2021 em Turim - Reuters
Casper Ruud na vitória sobre Andrey Rublev na fase de grupos do ATP Finals 2021 em Turim Imagem: Reuters

Colunista do UOL

19/11/2021 16h01

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Já contei partes dessa história no Twitter e no podcast Saque e Voleio, que publico semanalmente aos apoiadores do blog. Hoje talvez seja um dia interessante para compartilhá-la aqui, visto que Casper Ruud, 22 anos, número 8 do mundo, acaba de se classificar para as semifinais do ATP Finals, torneio disputado na quadra dura mais rápida da temporada.

Volto a 2017, quando o norueguês tinha 18 anos e ganhou um convite da organização para disputar o Rio Open. Na época, Ruud era desconhecido do grande público e ocupava apenas o 208º posto no ranking mundial. Era mais do que qualquer brasileiro de 18 anos naquele momento, mas o fato de ser um estrangeiro incomodou muita gente. Li até que tratava-se de uma "piada total" aquele wild card.

Antes de ir adiante, vale a explicação: o Rio Open é organizado pela IMM, uma empresa brasileira controlada pela Mubadala Development Company, e tem uma parceria estratégica com a americana WME | IMG, uma gigante de mídia, esporte e entretenimento. Essa parceria inclui um convite no torneio para um dos atletas promissores agenciados pela IMG. Ruud, naquele ano, encaixava-se no perfil. O mesmo aconteceu com Carlos Alcaraz e Félix Auger-Aliassime, outros dois jovens que comprovaram seu potencial. Mas eu divago.

Naquele torneio, Ruud alcançou as semifinais, fazendo o proverbial "calando a boca dos críticos". Num dos dias em que o norueguês faria um jogo noturno, pedi à assessoria da ATP cinco minutos com ele. Tinha umas três perguntinhas e queria produzir um conteúdo exclusivo, por isso não cabia fazê-las na coletiva. Não é exatamente padrão dar pequenas exclusivas após rodadas noturnas. A maioria dos tenistas dá sua coletiva (ou fala em zona mista) e vai embora. Eu não tinha lá muita esperança, mas Ruud topou. O resultado foi essa reportagem aqui, lembrando que o pai de Casper derrotou Guga no circuito 20 anos antes.

O papo durou menos de cinco minutos, mas Casper foi simpático, riu quando perguntei sobre seu pai, falou com toda calma do mundo sobre as vantagens de crescer no esporte com uma federação modesta como a norueguesa e minimizou a importância de treinar na Espanha. Disse, então, que admirava o tênis de Rafael Nadal por sua inteligência e ressaltou que seu objetivo era conseguir variar o jeito de jogar de acordo com as circunstâncias.

Ruud estava bem vestido. Tinha tomado banho antes da coletiva, calçava tênis (nada de chinelo, como acontece com alguns tenistas) e usava um boné do patrocinador, apesar do horário. Foi educado, não apressou em momento algum a conversa (o que também acontece com certa frequência), olhou nos meus olhos, prestou atenção nas perguntas e deu respostas pensadas e nada ensaiadas. Agradeceu pela entrevista e me cumprimentou na despedida. Deixou uma ótima impressão não só para mim mas para quem viu o garotão de perto naqueles dias.

Pulemos para 2020, pouco antes da pandemia. Casper Ruud era o #38 do mundo quando alcançou a final do ATP 250 de Santiago, no Chile, e acabou derrotado em três sets: 7/5, 4/6 e 6/3 para o brasileiro Thiago Wild. Aos 19 anos, então #182 do mundo, o paranaense passou a ser o mais jovem brasileiro a conquistar um torneio de nível ATP. O garotão pulou para o 113º lugar na lista da ATP. O futuro era extremamente promissor.

Talvez não seja totalmente justo comparar Ruud e Wild - até porque Ruud tem muitas qualidades que faltam ao brasileiro - mas vale a lembrança. De lá para cá, o brasileiro teve uma série de 10 derrotas de setembro de 2020 a janeiro de 2021, sofreu com lesões, optou por não participar dos Jogos Olímpicos (e não venceu no período) e há menos de um mês foi indiciado por delitos de injúria, vias de fato e violência psicológica contra a mulher em processo movido por sua ex-namorada, a biomédica Thayane Lima. Hoje, Wild é o #132 do mundo, graças especialmente aos 250 pontos conquistados em Santiago e que foram "congelados" pela ATP por causa da pandemia. Sem o congelamento, o paranaense estaria perto do 190º lugar.

Ruud, por outro lado, manteve-se na estrada da ascensão sem tomar desvios. Terminou 2020 como #27 do mundo, conquistando a maioria de seus pontos no saibro. Foi até criticado publicamente por Nick Kyrgios, que não gosta de jogar no piso e chamou o norueguês de entediante. Se ficou incomodado, Ruud não mostrou. Apenas brincou, aproveitando a rede social de um torneio para perguntar qual era o torneio de saibro favorito do australiano. Kyrgios respondeu "sua mãe" e apagou o tweet pouco depois.

Este ano, Casper deu outra arrancada no saibro. Venceu os ATPs de Genebra, Bastad, Gstaad e Kitzbuhel, aproveitando bem o período olímpico sem ir a Tóquio. Na reta final do ano, porém, mostrou capacidade também na quadra dura. Foi campeão em San Diego, fez quartas em Viena e Paris, entrou no top 10, classificou-se para o ATP Finals e agora está nas semifinais em Turim, em um piso que já foi rotulado por alguns tenistas como o mais rápido do ano. Como fez isso? Superando Cameron Norrie, #12 do mundo, e Andrey Rublev, #5. O garotão que, lá atrás, falava no tênis inteligente de Rafa e em aprender a variar os golpes, está chegando lá.

Quando o talento é bem orientado e aproveitado, as coisas acontecem. Parabéns, Casper Ruud.

Coisas que eu acho que acho:

- A história do tênis registra muitos casos de jovens talentosos que ficam pelo caminho, seja por lesões, prioridades erradas ou escolhas equivocadas. O que Ruud fez (e faz) não é nada fácil. Por outro lado, torna-se menos difícil quando: 1) as pessoas certas estão a seu redor; e 2) o atleta opta por escutar essas pessoas.

- Estou em Campinas acompanhando o Challenger desta semana. Pedi à assessoria uma entrevista com Thiago Wild, que preferiu não falar. "Ele está focado nos treinos e jogos e não dará entrevista. Conto com a sua compreensão", foi a resposta de sua assessora. Nada contra. Na chave de simples, Wild perdeu na primeira rodada do torneio. Ele abandonou a partida contra o argentino Camilo Ugo Carabelli (#209), que começou por volta das 17h30min, depois de mais ou menos 1h de jogo. O placar mostrava 7/6(4) e 3/1 para o argentino. O brasileiro teve cãibras em várias partes do corpo e ficou na quadra sob cuidados médicos por 40 minutos após desistir do duelo. Ele segue em Campinas na chave de duplas ao lado de Fernando Romboli.

- Fiz boas entrevistas com Thiago Monteiro e Fernando Romboli. Recomendo a leitura. Também bati um papo bem legal com Matheus Pucinelli (#271), que vem em ascensão no circuito e já é o #5 do Brasil, à frente de Orlando Luz (#287), que já não anda tão badalado quanto há alguns anos (e talvez isso seja ótimo para ele). Publicarei em breve.

- Naquele Rio Open de 2017, Ruud teve match point para ir à final. Aquele ponto também lhe colocaria no top 100 e asseguraria vaga nos quatro slams da temporada. Ele, no entanto, perdeu a chance e levou a virada do espanhol Pablo Carreño Busta. O que o norueguês diz hoje sobre aquele torneio? "Eu cresci. Amadureci. Fiquei mais forte fisicamente e mentalmente. Meu tênis melhorou. Não tenho os pontos fracos que tinha. De certo modo, fico feliz por não ter entrado no top 100 naquele momento. Foi duro, mas gostei de trabalhar duro para chegar até aqui e é uma maneira legal de conseguir uma espécie de vingança quando você chega longe em um slam", disse à ATP em fevereiro, quando alcançou as oitavas de final do Australian Open.

- Som de hoje no meu Kuba Disco: November Rain (escolha um tanto óbvia, mas um clássico), dos Guns N' Roses.

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