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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Zverev seria #4 do mundo no ranking normal, mas protesto soa como mimimi

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

26/03/2021 09h39

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"Vocês acham que eu deveria ser número 7 do mundo do jeito que estou jogando recentemente? Vocês acham que eu não deveria ter subido uma posição, talvez? Talvez um, dois, três lugares? Deveria haver algum movimento, caso contrário o ranking vai ser sempre o mesmo. É muito difícil ultrapassar alguém."

Não foi a primeira vez que Alexander Zverev reclamou do atual ranking da ATP. O alemão, atual número 7 do mundo, não sobe nem desce na lista dos melhores do mundo desde novembro de 2019, mais de quatro meses antes da pandemia de covid-19 forçar uma paralisação de cinco meses no circuito mundial. Interrompidos em março, os torneios voltaram a ser disputados em agosto. Desde então, Zverev foi vice-campeão do US Open, conquistou o título do ATP 500 de Acapulco e venceu dois ATPs 250 em Colônia. Por isso, acredita que deveria ter ganhado algumas posições no ranking.

O alemão não foi o único a se queixar. Andrey Rublev, atual número 8, também reclamou, dizendo que seria o número 4 do mundo pelo ranking normal. De fato, caso a ATP tivesse mantido seu ranking tradicional, contando resultados das últimas 52 semanas, os dois teriam subido. Rublev seria o atual #3, logo à frente de Zverev, que estaria em quarto. Ambos apareeriam à frente de Rafael Nadal (atual #3), Dominic Thiem (#4), Stefanos Tsitsipas (#5) e Roger Federer (#6) e ficariam atrás apenas de Novak Djokovic (#1) e Daniil Medvedev (#2).

Como estaria o ranking tradicional

1. Novak Djokovic - 5.830 pontos
2. Daniil Medvedev - 5.495
3. Andrey Rublev - 4.005
4. Alexander Zverev - 3.615
5. Dominic Thiem - 3.535
6. Rafael Nadal - 3.300
7. Stefanos Tsitsipas - 3.095

O problema - de ambos, mas especialmente de Zverev, que não saiu do lugar - é que no segundo semestre do ano passado, diante da incerteza da pandemia, da certeza de eventos cancelados e sem saber até quando o planeta precisaria encarar dificuldades alfandegárias ou por quanto tempo torneios sofreriam com a perda de receita provocada pela falta de público, a ATP mudou provisoriamente seu ranking.

A medida, que "congelou" pontos, foi tomada em parte para evitar que tenistas não perdessem pontos sem a possibilidade de defendê-los (já que muitos torneios de 2019 não foram realizados em 2020), mas também para preservar atletas que não se sentissem confortáveis viajando durante uma pandemia.

As mudanças mais significativas

1) Nos torneios que não aconteceram em 2020, os tenistas mantiveram seus pontos até agora. Ou seja, Federer, que foi campeão em Miami (1.000 pontos) e vice em Wimbledon (1.200), mantém integralmente esses pontos até agora.

2) Nos torneios que aconteceram em 2019 e 2020, os tenistas passam a contar em seu ranking o melhor resultado. Nadal, por exemplo, foi campeão do US Open em 2019 e optou por não disputar o torneio em 2020. Ainda assim, ele mantém os 2.000 pontos somados em 2019. Também por isso, Federer tem, hoje, 6.375 pontos em sua somatória - mesmo tendo disputado apenas um torneio desde fevereiro do ano passado. Pelo ranking normal, o suíço teria 45 apenas pontos no total e estaria perto do 570º posto.

Como isso afeta Zverev e Rublev?

Por causa do regulamento provisório, ninguém perdeu pontos desde março do ano passado, e isso dificulta a vida de quem briga para chegar ao topo, onde todos têm muitos pontos. No top 5 de 16 de março do ano passado, data do último ranking antes da paralisação do circuito, os cinco primeiros da lista (Djokovic, Nadal, Thiem, Federer e Medvedev) somavam, juntos, 39.635 pontos. Zverev tinha 3.630 naquele dia. Hoje, no ranking publicado em 22 de março, o top 5 concentra 47.193 pontos. Sascha tem 6.070 (2.440 a mais do que um ano atrás), mas continua no sétimo posto porque seus rivais diretos também têm pontuações mais altas.

Por que a queixa de Zverev soa como mimimi?

Primeiro porque chega com algum atraso. É fácil, agora, um ano depois, culpar a ATP por uma medida que foi tomada em circunstâncias extremas e sem saber por quanto tempo a pandemia afetaria o circuito. Parece óbvio a todos que acompanham tênis que o ranking provisório de hoje está longe do ideal, mas quais seriam as alternativas? Não li nenhuma sugestão feita por Zverev.

Deixar o ranking como antes traria duas consequências nefastas: tirar pontos de quem não teve a chance de defendê-los e, principalmente, colocar atletas diante do seguinte dilema: ou viajar durante a pandemia e correr riscos ou perder pontos e cair no ranking. Não me parece uma opção muito sensível, especialmente porque atletas de países diferentes seguem enfrentando (até agora!) todo tipo de problemas de deslocamento, incluindo voos cancelados, dilemas alfandegários e tipos de quarentena que variam dependendo do local.

E mais: olhar para o ranking simulado acima e dizer que Zverev deveria ser, por exemplo, número 4 do mundo porque somou mais do que Nadal e Thiem é ignorar que o regulamento foi estabelecido um ano atrás, e que espanhol e austríaco jogaram com o livrinho embaixo do braço, como dizem por aí. Se Rafa tivesse disputado o combo Cincy+US Open no ano passado, possivelmente teria mais pontos do que Zverev nas últimas 52 semanas (e, quem sabe, Sascha teria somado menos). E se Thiem, precisando de pontos, tivesse jogado, por exemplo, em Roma, Hamburgo e Paris no ano passado? Ou até mesmo nos ATPs de Colônia? Cada um montou seu calendário de acordo com suas necessidades e possibilidades levando em conta o regulamento provisório. Dá para jogar o jogo do "se" a vida inteira.

Outro problema da queixa de Zverev é ele dizer que não há movimentação no ranking. Desde que o regulamento provisório foi adotado, Medvedev saiu de #5 para a vice-liderança do ranking, e Andrey Rublev saiu do 14º para o oitavo posto (embora seja um pouco mais fácil subir na faixa de ranking de Rublev). É claro que Medvedev teve a vantagem de manter os pontos do verão americano de 2019, quando ele foi vice-campeão do US Open, mas é bom que se diga: somando apenas as últimas 52 semanas, Daniil também seria o número 2. Ele, lembremos, foi campeão do Masters de Paris e do ATP Finals, ou seja, ganhou coisas grandes para dar esse salto. E isso nos leva ao parágrafo seguinte...

Por fim, o protesto do alemão perde força no circuito porque o meio do tênis, como um todo, tende a respeitar mais quem ganha coisas grandes. Sascha conquistou três títulos nas últimas 52 semanas. Dois ATPs 250 em Colônia, onde ele era o cabeça 1 e só precisou derrotar um top 20 nas oito partidas que fez, e o ATP 500 de Acapulco, no último sábado. Logo, o argumento soa mais fraco vindo de alguém que não venceu algo mais pesado no período que ele mesmo chama de "recentemente".

Coisas que eu acho que acho:

- É óbvio que, no fim das contas, Federer foi extremamente beneficiado pelo regulamento (e já mostrei a matemática disso no texto). Mas daí a fazer como Dirk Hordorff, vice-presidente da federação alemã, que embarcou no discurso de Zverev e foi mais longe, sugerindo que as regras são feitas para beneficiar Djokovic, Nadal e Federer? Menos, muito menos. Além disso, repito: o "ranking do congelamento" foi decidido em julho, quando não se sabia a data de retorno do suíço. Esse tipo de suposição também soa como chororô.

- "Ah, mas e o Tsitsipas? Zverev não mereceria estar à frente do grego?" Talvez, sim. Talvez, não. Como escrevi acima, o jogo do "se" é eterno. Um exemplo: com uma temporada de saibro mais longa em 2020, talvez Stefanos tivesse mais pontos do que Sascha nas últimas 52 semanas. Em 2019, o grego foi campeão no Estoril, vice em Madri e semifinalista em Roma. Ele somou 1.525 pontos em terra batida naquela temporada (contra 1.135 de Zverev, que disputou três torneios a mais no piso).

- Para confundir ainda mais as coisas, a ATP decidiu recentemente que alguns pontos conquistados em 2019 contarão até 2022, mas apenas com 50% do valor inicial. Expliquei neste texto. Justamente por causa desse ajuste, Sascha já sabe que vai ultrapassar Federer no ranking depois do Masters de Miami.

- Concluindo: tenho claro que o ranking com pontos congelados não reflete o que acontece nas quadras - nem na ATP (vide a posição de Federer) nem na WTA, que adotou regras iguais e tem como número 1 a australiana Ashleigh Barty, que disputou só três torneios nas últimas 52 semanas. Estamos longe do ideal, e isso é inegável. Por outro lado, há um grupo privilegiado, que pode viajar à vontade e não teme a pandemia, mas que deveria fazer um pouco mais de esforço para entender o momento e as dificuldades enfrentadas pelos outros. Diante de tudo que acontece no planeta, o ranking deveria ser a menor das preocupações para quem já está no top 10.

- A WTA anunciou ontem novas mudanças em seu ranking. A grande diferença é que o circuito feminino não terá pontos reduzidos em 50%. Por outro lado, existe a possibilidade de certos torneios de 2019 seguirem somando. Bianca Andreescu, por exemplo, foi campeã de Indian Wells em 2019 e vai continuar com esses 1.000 pontos em sua somatória até que o torneio californiano volte a ser disputado - não importa se isso vai acontecer em 2022 ou até mesmo em 2023.

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