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AO Tennis 2: o teste das 50 horas

Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza

Colunista do UOL

27/05/2020 04h00

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No meu tempo de adolescente, quando o pai assinava a revista Quatro Rodas, uma das minhas seções preferidas era a modesta parte que relatava os testes de longa duração que a publicação fazia com alguns carros. Onde eles rodavam, por quanto tempo, que tipo de problemas os veículos apresentavam e, por fim, como era o atendimento (e o preço!) nas oficinas autorizadas. Eram esses textos que me sugeriam que carros dariam menos dor de cabeça para o meu pai, que quase nunca podia comprar carros zero km.

A lógica funciona de uma maneira parecida com games. Você pode ler uma avaliação em um site especializado, mas na maioria dos casos, fica óbvio que o redator passou algumas poucas horas com o controle na mão. Infelizmente, é assim que funciona na maioria das redações de hoje. O tempo é curto, há muito a fazer, e a qualidade cai - seja no texto, seja no nível e na profundidade das avaliações. Por isso, aproveito que a quarentena me dá um tempinho extra para fazer uma análise mais completa de AO Tennis 2.

Escrevi sobre o game aqui no blog cerca de um mês e meio atrás (peço que leiam aqui porque não pretendo repetir nada além do essencial) e agora, com muito mais de 50 horas de AO Tennis 2 nas costas, posso descrever com mais detalhes as qualidades e os problemas do game.

Dificuldade

Por usar um conjunto de comandos único, AO Tennis 2 não é tão simples assim para o iniciante. Ajuda se o gamer já jogou tênis de verdade, mas mesmo assim os primeiros passos não são tão simples. No fim das contas, isso é uma qualidade de jogo - onde já se viu alguém começar a fazer aula de tênis e dizer que é um esporte muito fácil? Por outro lado, pode desmotivar alguns gamers.

Ao Tennis 2 saque - Alexandre Cossenza - Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza
Minha primeira carreira foi com um Marcos Daniel virtual que criei. Como fiz um jogador muito bom (overall 80), consegui disputar torneios e fazer uma bela temporada. Iniciei no nível "pro" (o quarto entre oito níveis) e fui aumentando a dificuldade. Cheguei em dezembro como número 1 do mundo, depois de conquistar o US Open no nível "World Class" (6/8). Aliás, recomendo a qualquer iniciante fazer a primeira carreira com um jogador já estabelecido.

Começar do zero é muito mais difícil, e aí está uma das questões que podem desmotivar iniciantes em AO Tennis 2. Alguns amigos que compraram o game relataram que começaram carreiras com seguidas derrotas. Resolvi fazer o mesmo. Comecei uma campanha criando um jogador com overall lá pela casa dos 35, ainda no nível World Class. Como eu já tinha horas e horas "de quadra" no game, achei que passaria pelos primeiros níveis sem muito drama. Errei rude. Tomei oito primeiras rodadas seguidas em Futures, vencendo apenas um game (minhas partidas de Future são com apenas um set de três games).

Treino sem dinheiro não resolve

Outro dilema que tive é que sempre joguei melhor em quadras duras, mas meu Cossenza virtual era brasileiro e não tinha dinheiro para jogar fora da América do Sul. Logo, continuei apanhando no saibro. Sem ganhar, não consegui prize money e muito menos patrocínios, o que me levou a outra dificuldade peculiar do game. Eu deixei de jogar durante algumas semanas para pode treinar, acreditando que aquilo me faria vencer em breve.

AO Tennis 2 confronto direto - Alexandre Cossenza - Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza
Outro erro feio. Em AO Tennis 2, treinar te dá direito a melhorar alguns atributos, mas você só pode fazer esses atributos crescerem se tiver dinheiro para comprá-los. Como eu não ganhava jogos e não tinha prize money nem patrocínios, não podia evoluir. E, sem melhorar, como ganharia partidas? De repente, me vi numa espécie de buraco negro, sem pontuar no ranking, sendo sugado para uma espécie de limbo tenístico e apenas orando para que Dominic Thiem me visse como um profissional de verdade e me cedesse alguns trocados.

O saque-e-voleio me salvou

Sem a consistência para ganhar partidas trocando bolas, decidi radicalizar e dustinbrownizar o negócio. Decidi ir para a rede em todos os pontos. Com o serviço, saque-e-voleio. Na devolução, chip-and-charge. Sempre. De repente, comecei a equilibrar as partidas, já que os adversários nos Futures não têm tanta precisão para passadas. Minha primeira vitória veio em um Future em Brasília. Com ela, uma confiança inabalável de que meu saque-e-voleio funcionaria sempre. Fui campeão do torneio e, como um juvenil que tem um clique ganhando um G4 no fim do mundo, comecei a acreditar que havia um futuro brilhante para o Cossenza virtual.

Fui campeão daquele torneio e entrei no top 500. O título mudou minha vida virtual. Com os trocados do prize money, melhorei em alguns atributos. Apareceu um patrocinador e já pude entrar no ATP 250 de Antália - sim, a partir de 500 do mundo já é possível jogar os ATPs 250 em AO Tennis 2. Não é o mais real dos cenários (nem de longe!), mas imagino que seja assim para acelerar o processo e não cansar os gamers em uma longa caminhada em Futures e Challengers.

Em Antália, na grama, meu saque-e-voleio brilhou. Alcancei a terceira rodada (oitavas) e perdi para Khachanov em dois tie-breaks (4/3 e 4/3 - jogo melhor de três sets de três games, sem tie-break no terceiro set). Ganhei o maior prize money da carreira, treinei mais, melhorei mais. Fui campeão do ATP 250 de Newport, também na grama, e aí dei um salto de verdade. Com o Cossenza virtual mais sólido do fundo de quadra, a transição para as quadras duras foi excelente. Equilibrando e variando entre subidas à rede e pontos mais longos, conquistei um título em Atlanta e um vice no Masters de Toronto, onde Dominic Thiem mostrou potência demais para o Cossenza virtual - e foi onde parei para escrever este texto, já como #25 do mundo.

Jogabilidade precisa

Depois de mais de 50 horas, ainda acredito que vale bastante do que escrevi no texto anterior. O game é bem pensado e, na maior parte do tempo, reflete as dificuldades da modalidade. A dinâmica dos ralis no fundo de quadra é ótima, ainda que imperfeita. De vez em quando, ainda me irrito com algum comando que não foi obedecido ou com um golpe improvavelmente forte do adversário (o mais comum deles é um slice de forehand quase indefensável - mal calibrado no game). Nada, no entanto, que tire a diversão. Estamos falando de menos de 1% golpes nessas falhas. Fora isso, a dinâmica da bola é precisa, e o game é excelente ao refletir muito bem a diferença de quique da amarelinha nos três tipos de piso (saibro, dura e grama). De modo geral, o game flui melhor do que qualquer Top Spin. Os efeitos sonoros também são excelentes e nada cansativos - importantíssimo depois de 50 horas. Os replays funcionam bem, e tanto o Hawk-Eye (embora esquisitamente disponível nos Futures e Challengers - e no saibro) quanto a opção por pedir tempo médico são adições que dão uma dose a mais de realismo para a coisa toda.

Junto à rede, é um pouco mais difícil determinar quando o voleio será aquele tradicional ou um swing-volley. Aliás, minhas experiências nas duplas não foram tão boas. É muito difícil reagir aos voleios dos adversários quando você também está na rede. Aqui, AO Tennis 2 peca de verdade (ou isso ou ainda não tenho a competência necessária para competir nas duplas).

Circuito amplo e detalhado

O circuito também foi muito bem estruturado em AO Tennis 2. É, disparado, o game que faz isso melhor em consoles caseiros (Tennis Elbow, disponível apenas para PCs e Macs, está um patamar acima). A cada semana, você pode escolher onde jogar, e são muitas as opções de Futures e Challengers (desde que você tenha dinheiro para se deslocar). ATPs 250, ATPs 500 e Masters 1000 seguem o calendário da ATP. O melhor de tudo é que como existe a opção de criar e/ou baixar estádios e complexos inteiros, você pode jogar 52 semanas em quadras diferentes, parecidíssimas com as reais - basta ter paciência para criá-las ou procurar entre as já criadas pela comunidade do game. Eu mesmo recriei o Rio Open e o Challenger de Campinas. Também desenhei o antigo Challenger do Rio, quando ainda era realizado no Jockey (pré-Rio Open).

AO Tennis 2 Campinas - Alexandre Cossenza - Alexandre Cossenza
Imagem: Alexandre Cossenza
O sistema de ranking e prize money também funciona bem. Existe, é claro, a questão já citada acima, em que um top 500 pode jogar um ATP 250. Repito: parece uma exceção criada para facilitar a ascensão do gamer e não algo feito por desconhecimento da produtora.

Avaliação geral

Mesmo com suas falhas e limitações, AO Tennis 2 ainda é o melhor game de tênis "sério" (Super Mario não entra na comparação aqui) para consoles caseiros. Dou uma nota 8,5 com louvor porque a jogabilidade e o circuito permitem um custo-benefício raro: o gamer pode ficar horas jogando sem cansar e encontrando obstáculos diferentes a cada semana, seja o estilo de jogo do adversário ou o quique da bola em um piso diferente.

Além disso, acompanho há tempos o drama de produzir games de tênis sem conseguir licenciar um número decente de jogadores. AO Tennis 2 driblou isso com inteligência, disponibilizando ferramentas de criação e uma comunidade para compartilhar "obras de arte". Assim, é possível abrir a chave de um slam e ver todo mundo lá: Djokovic, Nadal, Federer, Murray, Kyrgios, Khachanov, Zverev, Rublev, etc. Minha player list ainda inclui meu Marcos Daniel virtual, um Andre Agassi e os brasileiros Thiago Wild e Thiago Monteiro. Em um console caseiro (leia-se: "sem Tennis Elbow"), não dá para pedir muito mais.

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