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'Mentor' do Time Brasil na Olimpíada é tido como charlatão por nadadores

Anunciado como mentor do Time Brasil, Joel Jota "dedicou-se à natação por 20 anos, conquistou mais de 30 medalhas e chegou a receber o título de melhor nadador do mundo", diz um texto recentemente divulgado por sua assessoria de imprensa.

Só tem um problema: não é verdade.

Ele nunca sequer defendeu a seleção brasileira adulta principal, apesar de dizer, em seu site, que "foi atleta profissional da seleção brasileira". Também nunca venceu uma prova individual de campeonato brasileiro, ainda que se venda como "diversas vezes campeão brasileiro". No LinkedIn, como "inúmeras" vezes.

Logo, dizer que foi "um dos nadadores mais rápidos do mundo" é, no mínimo, um exagero (enooorme). Já a parte de ser "o maior treinador de alta performance do país", destacada no site dele, é só mentira mesmo — após a publicação deste texto, Jota disse à coluna que o trecho, em meio a seu currículo esportivo, diz respeito à sua carreira como 'treinador' de carreiras de 'alta performance'.

E o COB, que emprega os melhores treinadores do país, deveria se ofender por eles.

Mas vamos aos números.

No ano em que Joel divulga ter sido "eleito um dos melhores do mundo no nado borboleta", 2005, foi 22º do Campeonato Paulista, como mostra seu perfil no Swim It Up, mais completa base de dados da natação mundial. No da World Aquatic, o perfil dele só cita o 104º lugar no ranking mundial dos 50m borboleta em piscina curta da mesma temporada. Outros resultados sequer entram nas estatísticas internacionais.

À coluna, ele explicou que é por este resultado que foi considerado (por ele mesmo) um dos melhores nadadores do mundo. Na época, a CBDA tinha obrigação de enviar no mínimo quatro atletas a cada etapa de Copa do Mundo e abriu essa oportunidade a atletas que não fariam parte da seleção principal. A lista para competir na primeira etapa, na África do Sul, rodou até o quinto no Troféu Finkel nos 50m borboleta, Joel.

Ele alega que recebeu uma convocação e, por isso, considera ter sido um ex-atleta de seleção. Joel também explicou que os títulos de campeão brasileiro são de provas de revezamento 4x50m, que não são olímpicas e que não constam nas bases de dados que o Olhar Olímpico conseguiu consultar.

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Fama junto à comunidade da natação

Há anos, Jota, um 'coach' motivacional, é tratado como charlatão entre nadadores de ponta, que brigaram e brigam para ser os melhores do mundo. Agora, ele será o mentor deles em Paris-2024.

O anúncio feito pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) ontem causou revolta entre nadadores. Gente que entende que, na melhor das hipóteses, deveriam receber mentoria de um medalhista olímpico, um medalhista mundial, alguém que de fato tem uma história para contar no esporte.

Melhor ainda se o mentor fosse um psicólogo formado, não um coach.

Faz alguns meses, uma pessoa influente no esporte olímpico brasileiro me mandou um print do perfil de Jota em seu site. Estava revoltada com as mentiras. "Nas piscinas, ganhou diversos títulos e bateu recordes. Além disso, em 2005 foi considerado um dos melhores nadadores do mundo no nado borboleta".

Naquele ano, ele não nadou o Troféu Brasil, campeonato brasileiro absoluto em piscina longa. Seu grande feito foi ser medalhista de bronze no Open, uma competição em piscina curta, no fim do ano, na prova de 50 borboleta, que não é olímpica. Na carreira toda, só ganhou outros dois bronzes em Campeonatos Brasileiros em provas individuais, ambos na base.

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Após se aposentar nas piscinas, virou professor na Unisanta, onde deu aula para Neymar Pai, que o chamou para tocar o Instituto Neymar Jr. Bem relacionado e bom de papo, Joel conquistou seguidores nas redes sociais e amigos influentes, inclusive medalhistas olímpicos (Gustavo Borges é próximo a ele, por exemplo).

Mas deixou também muito atletas incomodados, há tempos, pelo exagero no currículo.

Após a seletiva olímpica de 2021, a CBDA achou uma boa ideia uma palestra com Jota. Uma parte da seleção inventou que tinha vôo saindo para boicotar a conversa. Por que alguém que disputou diversos campeonatos Mundiais, foi finalista de grandes competições, deveria se inspirar em quem tentou e não chegou lá?

O pior não é só não chegar. Muitos dos melhores treinadores do mundo foram atletas medíocres. O pior é não chegar e se vender como se tivesse chegado, buscando ocupar um espaço, na mídia e junto à opinião pública, que deveria ser de quem chegou.

Por que um atleta deveria se dedicar a vida toda para chegar a uma Olimpíada, para conquistar uma medalha olímpica, se ele pode simplesmente mentir que foi um dos mais rápidos do mundo e ser exaltado por essa mentira? É uma pergunta que o COB poderia responder.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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