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ReportagemEsporte

Surdolimpíadas deram calote de R$ 15 milhões em 130 empresas no RS

As Surdolimpíadas, equivalente das Olimpíadas e Paralimpíadas para atletas surdos, deixou um rombo de R$ 15 milhões na economia da região de Caxias do Sul (RS), onde foi realizada, em 2022. A associação de credores tem 130 empresas, que buscam alternativas para receber o dinheiro

Presidente do grupo de empresários lesados, Rubens Sulivan forneceu toda a comunicação visual das competição, parte fundamental de um evento voltado para o público surdo. Ele emitiu notas de R$ 1,250 milhão, pagou mais de R$ 200 mil só em impostos, mas só recebeu R$ 400 mil do comitê organizador.

"Teve monte de fornecedor que, quando viu que não ia receber, cancelou a nota. Eu falei que não ia cancelar, porque se não não teria como provar o serviço. Paguei os impostos, e agora ficou o furo", diz ele.

"Fizemos o impossível para que os Jogos e o imenso legado deste evento pudessem se perpetuar. Frise-se que o único problema do evento foi a falta de recurso para pagarmos parte dos fornecedores. De resto, tudo funcionou perfeitamente", argumenta Gustavo Perazollo, que presidiu o comitê organizador.

Problemas desde o início

As Surdolimpíadas (Deaflympics em inglês) foram criadas em 1924 e, como o nome diz, envolvem atletas surdos. Essa comunidade nunca aceitou se associar ao movimento paralímpico, que engloba pessoas com deficiências físicas, mentais e visuais. Por isso, acabou à margem das políticas públicas, inclusive no Brasil, que nunca teve relevância esportiva no torneio.

Mesmo assim, apresentou, em 2020, uma candidatura para trazer a competição pela primeira vez à América Latina, em uma edição que deveria acontecer em 2021 e acabou adiada pela pandemia.

A escolha do exato local da competição foi uma novela, como o Olhar Olímpico contou aqui. Primeiro o Rio se apresentou candidato, depois o Distrito Federal, mas a Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS) passou por eleição no meio do processo, o grupo de Gustavo Perazzolo chegou à presidência, e apontou a cidade natal dele: Caxias do Sul.

Procurada para financiar a competição, a Secretaria do Esporte do governo Jair Bolsonaro (PL) impôs como condição que o evento fosse no Rio. A discussão só foi encerrada quando o então presidente da federação internacional (CISS) ficou doente, renunciou ao cargo, Perazzolo se tornou presidente interino, e decidiu que as Surdolimpíadas seriam no local apontado por ele.

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E de fato foram, com mas com poucos patrocinadores privados e uma gestão amadora, ainda que tivesse um CEO profissional. "Todos os eventos mundiais até hoje no Brasil deram prejuízos enormes, isso que tinham apoio federal, estadual e municipal e da iniciativa privada. Fizemos o evento com os parcos recursos que recebemos do governo do Estado e o resto das próprias federações", alega Perazollo.

O líder dos credores entende que dava para fazer mais. "Se tivessem elaborado caderno de mídia bem elaborado, construindo a estrutura através do caderno de mídia, tenho certeza que várias empresas entrariam. Temos 35 multinacionais na nossa região. Mas foi mal organizado e nenhuma delas apoiou", diz Sulivan.

Os dois concordam que as Surdolimpíadas foram impactados pela suspensão aplicada à Rússia, campeã da edição anterior, pelo ataque à Ucrânia. China e Grã-Bretanha também não vieram, por causa da pandemia, e o número de inscritos caiu pela metade na comparação com 2017. Como as inscrições são pagas, a arrecadação do comitê organizador ficou abaixo do esperado.

"Aliado a esta perda de quase 30% de atletas, o dólar sofreu uma grande variação no ínício dos jogos, fazendo as estimativas iniciais se perderem radicalmente e prejudicando o fluxo de caixa do evento", diz o presidente do comitê organizador.

Dívidas

Os credores calculam que o evento teve um custo de R$ 42 milhões, mas só pagou R$ 27 milhões aos fornecedores. Agora, planejam como compensar o prejuízo. O primeiro caminho foi acionar o Ministério Público do Rio Grande do Sul, para que este investigue se houve desvios no comitê, uma empresa privada que tinha como CEO o empresário Richard Ewald. Segundo Sulivan, o CEO deixou o país e está morando na França.

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A depender dos resultados da investigação, a associação de credores que acionar a CISS na Suíça, já que foi ela quem suspendeu a Rússia e tirou grande receita do evento. "Eles têm recurso para pagar essa dívida. Não descredibilizo a falta de organização da comissão organizadora aqui. Não discuto isso. Eles foram muito mal organizados. Se tivessem tido melhor organização tinha sobrado dinheiro no caixa, mas a CISS também tem responsabilidade", afirma o líder dos credores.

Outro plano é montar um museu das Surdolimpíadas e buscar patrocínio de instituições financeiras. O dinheiro arrecadado pelo apoio delas cobriria o prejuízo, ou parte dele, deixado pelo evento junto aos fornecedores. A maioria deles é de Caxias do Sul, mas há também empresas de cidades como Farroupilha, Bento Gonçalves, Nova Petrópolis e Garibaldi. O valor de R$ 15 milhões, cobrado por eles, é antes de correção monetária.

Perazollo, que segue morando em Caxias do Sul, diz que a situação será resolvido. "Com calma, estamos avaliando a realização de eventos da comunidade surda para diminuir e até solver os débitos que restaram deste evento. Temos a consciência que deixamos muitas dívidas, mas também um patrimônio imaterial para a comunidade da Serra Gaúcha. A partir deste evento, o Rio Grande do Sul apareceu para o mundo das pessoas com deficiência e posso garantir que esta exposição não existe dinheiro que pague e o retorno que o estado terá com o turismo e com os negócios realizados tornam nossos débitos ínfimos perto do que proporcionamos para o nosso país e para a comunidade surda do mundo."

* A foto que ilustrava esta reportagem foi alterada às 19h28 do dia 29/04, a pedido das pessoas inicialmente representadas.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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