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Comitê paralímpico discute regra para só ex-atleta poder ser presidente

O Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) discute hoje (27), em assembleia geral extraordinária, uma proposta apresentada pela Comissão de Atletas para exigir que somente pessoas que foram atletas de alto rendimento no esporte paralímpico possam ser presidente e vice da entidade.

A proposta rachou o movimento paralímpico. De um lado, os atletas, que hoje têm representação tanto na presidência (o bicampeão paralímpico de futebol de 5, Mizael Conrado) quanto na vice-presidência (o seis vezes medalhista paralímpico do atletismo Yohansson do Nascimento). Do outro, cartolas que não têm deficiência.

"Eu gostaria muito que não houvesse esse embate. Eu não fico satisfeito, mas entendo que, se é uma demanda de parte do segmento, precisa ser tratada, discutida. Eu tenho conversado com os dois lados, ver se a gente chega num meio-termo. A primeira reunião não foi muito amistosa, isso atrapalhou a busca pelo consenso", diz Mizael.

"Nossa proposta, a maior intenção dela é promover a inserção da pessoa com deficiência, principalmente nos cargos de liderança do nosso segmento. Se a gente estivesse em outro segmento que não do esporte, as pessoas que estiverem comigo nas discussões fariam a mesma proposta. No conselho dos médicos, quem responde não é um advogado. Na OAB, é um advogado. Essa é também a nossa intenção no CPB, que é feito pelos atletas", explica Leomon Moreno, dono de três medalhas paralímpicas no golball e presidente da comissão de atletas.

Cláusula pétrea

A proposta que vai a votação diz que "somente poderão ser indicados à eleição para os cargos de presidente e vice-presidente do CPB pessoas com deficiência que tenham praticado modalidade esportiva paralímpica e participado, na qualidade de atleta, de ao menos um campeonato nacional da respectiva modalidade".

Mas ela vem acompanhada de uma alteração que transformaria essa regra em uma cláusula pétrea do CPB. Hoje, para alterar esse critério, é necessário 2/3 dos votos (14 de 21). Os atletas propõem que, a partir da alteração, qualquer modificação necessite de 4/5 dos votos (17 de 21). Como os atletas têm direito a sete votos, essa regra teria potencial para nunca mais ser derrubada.

"Hoje, a Lei Geral do Esporte exige a representação dos atletas em 1/3 da assembleia, mas a lei pode mudar, pode diminuir essa proporção, e isso pode trazer dificuldade para manter a nossa ideia no futuro. Com o 4/5, os outros stakeholders vão ter que ter um carinho maior com relação aos atletas, vão ter que convencer os atletas. É uma forma de a nossa voz ser ativa dentro do movimento", explica Leomon, reforçando que a proposta veio do grupo de atletas paralímpicos, não somente dele ou da comissão.

Histórico

Dos quatro presidentes que o CPB já teve, dois não tinham deficiência, nem foram atletas: o fundador João Batista e Andrew Parsons, que chegou no comitê como estagiário e foi ganhando espaço até virar presidente. Atualmente, comanda o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) no caminho contrário: é o primeiro presidente sem deficiência no órgão máximo do paralimpismo.

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O próximo presidente do CPB muito provavelmente será José Antônio Ferreira Freire, atual presidente da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV) e ex-jogador de futebol 5, com Yohansson seguindo como vice. A nova regra, porém, valeria só a partir do pleito de 2028.

O que vale desde a próxima mudança de comando no CPB é uma alteração também na gestão do comitê. A partir do próximo mandato, o presidente terá um cargo mais institucional, político, com a gestão ficando a cargo de um diretor-executivo (CEO). Daí a proposta de o posto ser exclusivo de atletas e ex-atletas.

"Considerando que o cargo é institucional, eles [atletas] entendem que a face do CPB deve ser as pessoas com deficiência e os atletas, até porque a missão do CPB é promover o esporte paralímpico e a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade", afirma Mizael, que não tem direito a voto na assembleia de amanhã e não declara como votaria, se tivesse.

Oposição

A proposta, porém, tem encontrado forte resistência em algumas entidades. A Ande (Associação Nacional de Desporto para Deficientes) soltou uma carta aberta em que critica a alteração e a ideia de uma cláusula pétrea. "Sempre achamos que chegamos ao 'fim da história', que estamos no ápice do nosso processo evolutivo. É uma tendência natural. Mas imagine se os gestores que nos antecederam tivessem instituído algo assim", argumenta o presidente Arthur Cruz.

Ele escreve que não é contra que o lugar de fala deva ser das pessoas com deficiência. "Apenas entendemos que não será restringindo a Presidência e a Vice-Presidência exclusivamente para ex-atletas com deficiência que iremos garantir essa preponderância, mas sim, indo além. Até porque, pelas boas práticas de governança e gestão e por muitos dispositivos legais, o poder hoje não está mais concentrado nesses cargos."

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A tendência, porém, é que a proposta seja aprovada na assembleia desta tarde. Se isso acontecer, o caso deve ser judicializado, como já indicou o presidente da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), Alaor Azevedo, que nos bastidores vem trabalhando contra a ideia. Ele, que não aceitou dar entrevistas, tem dito se tratar de uma descriminação.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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