Milly Lacombe

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Tem coisa muito mais escandalosa do que Gabigol vestindo camisa de rival

Que mundo é esse em que o que está acontecendo com Corinthians e Vasco não nos escandaliza mais do que Gabigol com a camisa do rival?

A coluna de Juca Kfouri trouxe detalhes grotescos sobre participação de laranja na negociação do novo contrato de patrocínio corintiano. Valores, nome das pessoas maldosamente usadas, foto de uma sede fictícia de empresa-fantasma. Gabigol com a camisa do Corinthians é mais escandaloso do que isso?

E o Vasco que vendeu seu futebol para uma empresa nada idônea que está perto de falir depois de supostamente dar um golpe? Na época da venda, os dirigentes que foram os grandes responsáveis pelo negócio não foram capazes de fazer uma pesquisa de mercado para saber para quem estavam entregando um clube do tamanho do Vasco?

A tal da 777 tinha sete anos de existência quando comprou o clube. Zero de experiência em gestão de futebol e estava cheia de problemas éticos reportados em seu negócio de origem (compra de acordos judiciais). Alguns poucos torcedores e jornalistas berraram sozinhos. Deu em lugar nenhum.

Vejam o que diz o noticiário na época da venda. Era só "Grande negócio", "Vasco se profissionaliza", "Vasco está salvo". E agora que o escândalo se concretiza, o mesmo noticiário não faz alarde algum. Normal. Corriqueiro. Banal. Empresas quebram.

Agora a história entre 777 e Vasco parece estar chegando ao fim da forma mais horrorosa possível. O clube vai recuperar o controle do futebol. Maravilha. E vai fazer o que com ele? Vender de novo? Não é possível que essa seja a solução, não é mesmo? Mas eu apostaria que será sim. Um outro escândalo, eu diria. Por quê? Porque diante do que houve os dirigentes não poderiam pensar em vender sem antes apurar tudo o que aconteceu para que a 777 ganhasse o direito de se declarar dona do Vasco e de sua história tão impressionantemente linda. Quem participou desse malogro? Quais os interesses?

As SAF são uma solução pavorosa para um problema real do nosso futebol. Elas aprofundam o neoliberalismo que enxerga tudo como empresa e, por isso, têm defensores por todos os lados.

Clubes que viraram SAF seguem cheios de dívidas e ninguém se incomoda. As SAF atuam, como qualquer empresa, concentrando o poder nas mãos de um mecenas quando deveríamos estar falando sobre distribuir poder e não atuando para transferir esse imenso potencial de amor que é um time de futebol para interesses privados.

Olhando para as histórias de Corinthians e Vasco vocês enxergam diferença entre SAF e não SAF? E o Cruzeiro? E o Galo? E o Botafogo? Todos atolados em dúvidas. Sem falar que o Cruzeiro acaba de ser revendido. Re-ven-di-do. Essa frase não causa repulsa em vocês?

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Mas não vamos pegar no pé das SAF, gente. Assim como acontece com a cobrança da bagagem pelas Cias Aéreas que vai um dia baratear as passagens, precisamos esperar pacientemente esse momento chegar. Não deu certo ainda porque falta só mais uma reforminha. Falta o governo abater mais dívidas dessas corporações, sabe. Empreender é custoso, precisamos de incentivo. Vejam o aeroporto de Porto Alegre: deu ruim e agora a concessionária que estava lucrando deliciosamente sem inundação precisa que o governo faça alguma coisa por ela. E as seguradoras? Elas não tem como pagar por tantos carros perdidos na cheia, sabe. Cumprir a parte delas no contrato é pedir demais. Receberam por anos o valor das apólices mas agora não vão pagar ninguém não. Choveu demais. Não é culpa delas.

Quando dá ruim para o capital privado quem paga a conta é tu. Quando dá bom, bem, nesse caso só acionista e diretoria que ganham, tá? É um sistema que privatiza o lucro e socializa o preju. E tem gente que defende essa atrocidade como se fosse o manto sagrado.

É assim que o capitalismo segue, invadindo com sua lógica podre nossos clubes de coração. Qual a solução para o Corinthians? Faltam cinco minutos para alguém berrar: Vira SAF logo!

Muito se pega no pé de Leila Pereira por ela usar dois chapéus, mas me parece que, de todas essas administrações, Leila executa uma das melhores e mais responsáveis. Assim como Mario Bittencourt e Marcelo Paz, de Fluminense e Fortaleza respectivamente.

Qual a solução? Não sei. O que sei é que ela só acontecerá quando encararmos o problema de frente. Em meus devaneios, acho que deveríamos estar pensando numa saída mais socialista para o nosso futebol. Mais gente com poder de decisão, mais participação da torcida, ingressos mais baratos, soluções mais coletivas e menos individuais, formas de manter por mais tempo nossos jovens craques aqui. É sonhar demais? Bem, mas talvez apenas os sonhos mais lindos sejam capazes de nos tirar desse pesadelo que virou o futebol.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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