Milly Lacombe

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Depois de ofender recomenda-se não chamar de burro o grupo ofendido

"Se interpretou algo mal da minha declaração, quero pedir desculpas, me pareceu que o que quis dizer que uma só pessoa não pode ter uma decisão tão importante, que essa participação do VAR nas decisões tão importantes. Se interpretou mal, peço desculpas, não é minha intenção."

Esse foi o suposto pedido de desculpas de Ramón Díaz, treinador do Vasco, depois de dar sua já famosa declaração sobre o que pensa das mulheres no futebol. Disse o treinador logo depois da derrota para o Bragantino:

"Sobre os árbitros, não podemos falar muito porque o VAR... Na última partida, uma senhorita, uma mulher, foi pênalti e ela interpretou diferente porque o futebol é diferente. Principalmente, que o VAR seja decidido por uma mulher, acho que é bastante complicado porque o futebol é tão dinâmico, com ações rápidas".

Ouvindo a declaração cometida depois da partida fica bastante explícito o que Díaz pensa sobre mulheres e futebol. O pedido de desculpas, além de não tocar no mérito, chama todas nós de burras. Somos, portanto, inferiores, inaptas para o futebol e muito burras.

É ofensa atrás de ofensa atrás de ofensa.

Seria preciso ir buscar algum mínimo letramento no feminismo para elaborar um pedido de desculpas que pudesse ser considerado adequado. Um pouco de interesse em construir um pedido de desculpas decente já faria com que Díaz começasse a compreender o horror do que disse na coletiva e seria um primeiro, pequenino mas necessário passo para sua transformação.

O pedido de desculpas divulgado começa dizendo que quem se sentiu ofendido é porque interpretou mal o que ele falou.

Pausa para concluirmos o óbvio:

Depois de ofender recomenda-se não chamar de burro o grupo ofendido.

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Diaz não pode ele mesmo decidir que, aquelas que se machucaram com a violência de suas palavras, não deveriam estar sentindo o que estão sentindo porque, afinal, elas é que estão interpretando tudo errado.

Inaptas e burras.

As desculpas ele pede caso alguém tenha interpretado mal o que ele disse. Ou seja: se você é burra e não sabe entender as palavras associadas umas às outras, então me desculpa.

Depois, Diaz explica que falou "mulher" no sentido de "pessoa". Então, vejamos: somos muito, muito, muito burras mesmo. Como assim a gente não percebeu que ele usou mulher no sentido de ser humano? Coisa corriqueira, todo mundo usa, não é mesmo?

Não, não é mesmo. A palavra "homem", essa sim, é usada como sinônimo de ser humano - revelando todo o machismo contido na linguagem hegemônica, mas deixemos isso pra lá agora. A palavra mulher é sempre usada no sentido de... surpresa: mulher.

Ou seja: Díaz tentou ser rápido e estancar a sangria com o pedido de desculpas, mas piorou tudo.

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O machismo e a misoginia são estruturas de poder que estão entranhados em todos e em todas nós. Seria preciso que Díaz se recolhesse e fosse em busca de entendimento a respeito de seu erro e das razões pelas quais tantas e tantos se sentiram ofendidas e ofendidos. Depois, minimamente preparado, ele poderia fazer um pedido de desculpas adequado e se colocar na posição de um homem em transformação. Reconhecer o machismo e a misoginia em si mesmo é o primeiro passo para a mudança. Díaz, ao que parece, ainda não chegou perto desse lugar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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