Milly Lacombe

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Pedido de desculpas indica que Tite não entendeu nada

Tite se desculpou, diziam manchetes. Depois de provocar fúria de mulheres jornalistas e críticas de profissionais ligados ao futebol chamando o crime de Daniel Alves de erro e relativizando a gravidade do ato, Tite, sempre muito elegante, se desculpou.

Mas pelo que exatamente? "Eu me desculpo", ele disse. Sim, ok, entendemos, mas você se desculpa por... "Pela resposta que dei". Qual parte, por favor? Qual dos trechos? Por que mudou de ideia? Ele não disse.

Eu, sinceramente, não entendi qual era o objeto do pedido de desculpas.

Antes, Tite sugeriu que a vítima estaria mentindo, que a verdade ainda não era conhecida para depois dizer que quem errou precisa pagar. Foi criticado quase de forma unânime e, no jogo seguinte do Flamengo, quando o time levantou a taça Guanabara, Tite usou a coletiva para dizer: perdão.

Eu fui ver o pedido de desculpas e fiquei meio assim: do que você está falando?

Tite disse, pausadamente, me desculpem, perdão. Pareceu honesto e íntegro nesse momento. A sequência da frase seria dizer pelo que estava pedindo desculpas. Não veio essa parte. Na sequência Tite volta a falar do criminoso elogiando seu comportamento enquanto atleta.

Gente, por favor. Não é possível que a essa altura da taça Guanabara o treinador do time mais popular do Brasil, um cara celebrado por sua inteligência, não tenha compreendido absolutamente nada. Ele acha mesmo que um pedido vazio de desculpa vai enganar quem? Apenas aqueles que igualmente não estão entendendo nada - ou não querem entender.

Tite disse o seguinte no pedido de desculpas, que ele precisou ler, dando uma dica do tamanho de seu letramento sobre o tema de violência contra mulher.

"Me desculpem pela resposta que eu dei no caso do Daniel Alves. Perdão. Alguns itens: o erro, o crime foi julgado pela justiça e foi condenado. A comparação que eu fiz do caso foi inoportuna, sem sentido e indevida. A etapa profissional que nós tivemos juntos foi de muita correção e respeito. Eu reafirmo que acredito numa educação com uma orientação, com punição e como eu fui modelado pelo senhor Agenor e pela dona Ivone, meus pais. E continuo acreditando desta forma".

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Primeiro, ele volta a falar em erro para em seguida adicionar "crime". Esquece a palavra "erro", Tite. Nunca mais, ao falar do caso, use "erro". Sempre "crime".

Sobre a comparação com um caso envolvendo Neymar e uma suspeita ele disse que foi inoportuna, indevida e sem sentido. Ok, Tite. Mas por quê? Mandaram você dizer isso pra sossegar as chatas que tanto te criticaram ou você de fato acha que comparar o crime de estupro com uma suspeita de importunação sexual é inoportuno, indevido e sem sentido. Se acha, teria sido decente elaborar por que. Duas frases. Tite não fez e deixou o que pensa em suspensão.

Sobre a tal correção durante a etapa profissional do atleta: Tite, não importa. Não vem ao caso. Não interessa. Não se trata disso.

Se você segue se lambuzando de amor pela capacidade técnica de Daniel Alves esse é um problema seu. Para fins de reparação pública a respeito de uma declaração inoportuna, indevida e sem sentido você precisa deixar isso para trás e falar da vítima, palavra jamais citada, pessoa sempre ignorada.

Existiu uma vítima, caso Tite tenha se esquecido disso. Era para ela que ele deveria falar. Porque falando para ela Tite estaria falando para todas nós, para as mulheres quem amam futebol, para as 25 milhões de flamenguistas, para as cidadãs brasileiras.

Esquece Daniel Alves, Tite. Esquece o Daniel nem que seja por 10 minutos durante uma coletiva. É pedir muito?

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O treinador termina dizendo que acredita em educação. Acho ótimo. Eu também acredito. E por isso digo com todo o respeito: eduque-se, Tite. Eduque-se sobre o tema da violência de gênero. Leia, veja os números, fale com feministas, gaste um tempo nesse letramento, compreenda por que é gravíssimo que seu filho e assessor técnico tenha curtido postagens de conteúdo misógino e transfóbico, aborde o caso, aprenda a se desculpar com começo, meio e fim.

Tite, infelizmente seu pedido de desculpas foi insuficiente, frágil e incompleto. Foi melhor do que nada? Honestamente não tenho certeza porque borrar em vez de esclarecer é tática conhecida. Pega bem para quem faz, mas não ajuda em nada quem está na luta por um mundo menos violento.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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