Por que a batalha do padre Julio Lancellotti enfurece tantos cristãos?
Padre Julio Lancellotti se dedica a aliviar o sofrimento das pessoas em situação de rua em São Paulo. Todos os dias há anos ele está na chuva, no frio ou debaixo de um sol pesado confortando aqueles que ele chama de irmãos. Em sua paróquia ele os recebe, agasalha, alimenta.
Mas ele não faz apenas isso. Ao notar que a cidade de São Paulo começava a cometer arquitetura hostil, o padre Julio foi recuperar uma palavra perdida para explicar o crime: aporofobia, o preconceito contra o pobre. Ao nomear, o padre nos fez enxergar. Desde então, sai por aí apontando e documentando arquiteturas criminosas.
O que faz o padre Julio em São Paulo teria sido feito por Jesus se ele aparecesse hoje por aqui. Acho que nenhuma pessoa minimamente decente entenderia diferente, embora alguns achem que Jesus estaria pegando em armas para, quem sabe, se juntar às novas milícias urbanas que surgem em Copacabana com a desculpa de que é preciso lutar contra os pobres criminosos.
Por que alguns ditos cristãos, homens de Deus, devotos de Nossa Senhora e defensores da família detestam o padre Julio e seu trabalho de amor? O homem que se dedica a acolher os vulneráveis foi vítima até de uma tosca armação de membros do MBL, esse movimento que anda de aos afagos com a extrema direita. Enchem a boca para falar em Deus, mas na primeira oportunidade querem crucificar aquele que está nas ruas protegendo os que a sociedade esqueceu e se mandam para a Ucrânia para fazer turismo sexual.
Nessa segunda feira, 11 de dezembro, o presidente Lula assinou decreto que regulamenta uma lei cujo objetivo é acabar com intervenções urbanas que visam afastar pessoas em situação de rua dos arredores. A lei leva o nome do padre Julio Lancellotti.
Um homem praticamente sozinho berra há anos contra essa construções e sua luta foi finalmente reconhecida pelo Estado. Grande dia. Mas apenas reconhecer não basta. É preciso agir para acabar com a crise de moradia no Brasil.
Levantamento feito pela Campanha Despejo Zero revelou que entre agosto de 2020 e maio de 2022 o número de famílias despejadas aumentou mais de 300%. O déficit habitacional atual é de quase seis milhões de moradias de acordo com pesquisa da Fundação João Pinheiro.
Seria o caso de nos perguntarmos qual o número de imóveis vazios, certo? São 11 milhões de casas e apartamentos vazios segundo o IBGE. A cada 100 domicílios particulares, 13 estão vazios.
Alguns conseguem justificar tamanha imoralidade. São, normalmente, economistas liberais. Vejam as planilhas, tá tudo explicado. Quem não tem casa não se esforçou direitinho na vida, sabe. É vagabundagem. Não querem pegar duro. Querem o Bolsa Família. O trabalho dignifica, isso aí na rua é tudo bandido. Gente trabalhadora não tá na rua não.
No mesmo dia em que Lula assina o decreto e recebe o padre Julio ficamos sabendo pelo IPEA que a população de rua aumentou dez vezes na última década no Brasil. É um aumento que beira o intolerável, mas pode ser facilmente explicado pela implantação de mais e mais políticas liberais, pela especulação imobiliária e por quatro anos de fascismo bolsonarista. Tem muito trabalho a ser feito para mitigar a distopia em que se transformaram as grandes cidades brasileiras.
Padre Julio nos oferta confiança na boa luta e mostra que ela vale a dedicação.
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