Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pelo fim dos protocolos no futebol
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Ficou impossível a gente escutar a narração de um jogo de futebol sem que a palavra protocolo seja usada de forma absolutamente natural. A palavra, na origem, é associada à ata de uma reunião, a formulário, a registros oficiais feitos a respeito de conferências internacionais, a regulamento de atos públicos. Protocolo fala de normas, de regras, de controle, de processos que precisam ser estabelecidos para que nada escape da ordem.
Não é surpreendente que o futebol moderno esteja tão enamorado dessa palavra. Hoje temos protocolo para tudo: da entrada em campo, passando pelas entrevistas pós jogo, pelas entrevistas nos intervalos, para a forma como um gol pode ou não pode ser celebrado.
Depois do Fla-Flu do dia 4 de julho, em que o Fluminense marcou um gol na bacia das almas, André, o jogador responsável pelo feito, foi dar uma entrevista, devidamente protocolar, ou seja, à frente do objeto que serve como pano de fundo e que contem o nome dos patrocinadores, e ele não se posicionou de forma ordenadamente centralizada. Eu pensei: xiiii, esse aí vai levar uma bronca. Foi o tempo do meu pensamento acabar para aparecer em quadro uma mão empurrando André para o centro do palco de modo a respeitar os patrocinadores, que é quem importa de fato. Uma cena ridícula, vulgar, mas devidamente protocolar.
Não me parece adequado que a palavra protocolo seja tão naturalizada no futebol. Uma palavra que temos escutado à exaustão também relacionada à pandemia - à saúde pública portanto. Uma palavra que começa a ser identificada com higiene, com limpeza, com assepsia. Um futebol assim tão limpinho está condenado à morte.
Futebol deveria ser tudo menos protocolar. Um drible, por exemplo, é feito de todas as coisas opostas a um protocolo. Um zagueiro que recupera uma bola e rompe em direção ao ataque, levando com ele o time, está desrespeitando o protocolo tático e, por isso mesmo, empolga, emociona, apaixona.
Todas as vezes que Rogerio Ceni deixava sua área e ia bater uma falta na outra ponta do campo ele estava desprotocolando o jogo - e por isso mesmo a atitude era tão cheia de beleza.
Para que o futebol volte a ser revolucionário precisaremos desrespeitar protocolos. Precisaremos de jogadores-dissidentes que preguem respeito à natureza criativa do jogo e se imponham contra essa chatice de protocolos e regras e controles. Precisaremos de dirigentes menos acovardados. De treinadores que se libertem da linguagem protocolar e pensem em times inovadores, velozes, irreverentes.
Protocolo, quando usado para tudo, passa a ser uma forma cafona de tentar controlar o que é incontrolável: a vida e o futebol por exemplo. Mas ele serve à força do Capital, à narrativa do patrocinador, ao bolso das federações que comandam esse espetáculo. Por isso é tão difícil de ser derrubado. De qualquer forma, a história mostra que, quando a gente menos espera, aparece alguém que, de forma encantada, começa a derrubar a caretice e abre possibilidades para que a gente crie uma coisa maior e mais interessante. Essa é minha torcida hoje.
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