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Milly Lacombe

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Futebol, misoginia e racismo: uma história triste que precisa ter fim

Colunista do UOL

23/06/2021 20h37

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Em um ato de cinco palavras fartamente carregadas de racismo, machismo e misoginia, o ex-jogador do Corinthians, Danilo Avelar, entra para a história do futebol como o atleta que foi afastado por declaração racista. "Fih de mãe preta", escreveu Avelar durante uma partida de CS:GO (Counter-Strike: Global Offensive) para tentar ofender a pessoa com quem estava discutindo.

A diretoria corintiana, a quem não caberia outro gesto a não ser o afastamento, entendeu que a manifestação de seu contratado foi racista - e foi. Afaste-se, óbvio. Como poderia o time que se declara "do povo", um povo de maioria negra, manter em seu elenco um jogador racista?

Palavras importam. Palavras matam, ferem, excluem, silenciam. Palavras importam tanto quanto gols, lançamentos certeiros, defesas milagrosas. É preciso começar a usá-las com prudência - e a se responsabilizar quando a palavra dita carrega racismo, machismo, misoginia, homofobia.

Temos no poder um presidente que, antes de ser eleito, comparou negro a gado e sugeriu que algumas mulheres mereciam ser estupradas. Palavras assim usadas são armas de violência. Elas legitimam abusos, matanças, delinquências. Elas fazem com que um atleta de futebol sinta-se à vontade para emitir esse tipo de selvageria verbal.

Somos bons em ver a violência de uma vidraça quebrada com pedra durante manifestação por direitos socias, mas essa violência que faz parte da base do sistema parece não incomodar tanto.

É fácil enxergar o racismo nas palavras de Avelar. Mas racismo, como ensina o professor Silvio Almeida, não é apenas um desvio de caráter ou questão moral. Ele é força estrutural e estruturante.

Temos que berrar contra pessoas como Danilo Avelar, mas também se indignar com o fato de a CBF ser comandada por homens brancos. Onde estão os negros quando o assunto é decidir como organizar o jogo que é paixão de uma nação de maioria negra?

E na imprensa? Onde estão os jornalistas esportivos negros? Onde estão repórteres negros? E narradores, apresentadores? Não é mais aceitável viver colocando um ou dois negros para mostrar representatividade como se isso bastasse. É preciso que haja igualdade de número, porque assim é a nossa sociedade.

E onde estão as mulheres?

O que nos leva à segunda parte do problema com a declaração de Avelar.

O que as mães têm a ver com a imbecilidade de dois cretinos que decidem bater boca num jogo? O que tem a ver uma mãe preta com essa bestialidade toda?

Mães pretas são a base emocional, econômica e social desse país. São as mães pretas da periferia, abandonadas por uma classe política dominante que só enxerga "família" se ela for composta por um homem, uma mulher e crianças brancas, as que mais sofrem com tanta injustiça social.

São as mães pretas da periferia que todos os dias perdem seus filhos, assassinados pela violência do estado. O que elas têm a ver com a patifaria de dois homens toscos? Enquanto eles batiam boca elas estavam provavelmente dormindo porque precisam acordar cedo para trabalhar no dia seguinte. No meio de uma pandemia.

Por que mulheres precisam sempre ser mencionadas com essa raiva colossal?

O futebol não existe num planeta diferente daquele em que vivemos socialmente. Ele reflete o que somos, a forma como a gente se relaciona, ama, vive. Jogadores e dirigentes não estão suspensos no tempo. Eles devem se manifestar de forma socialmente responsável. Devem ajudar a população a gritar por vacina durante uma pandemia negligenciada pelo governo, devem usar suas redes sociais para diminuir a dor dos que estão sofrendo, devem se posicionar porque apenas os covardes se acanham de tomar partido durante momentos de crise humanitária como esse que vivemos.

O Corinthians acertou. Racismo é intolerável, inegociável. Basta.