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Às vésperas da Copa, preconceito é pauta que a Fifa precisa enfrentar

Gabriel Coccetrone

09/11/2022 08h50

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Às vésperas do início da Copa do Mundo do Catar, uma declaração feita por um embaixador da competição nesta terça-feira (8) está gerando críticas. Em entrevista a uma emissora alemã, Khalid Salman classificou a homossexualidade como um "dano mental". O ex-jogador ainda reforçou que respeitará os visitantes homossexuais, mas que "eles têm que aceitar" as regras do país.

O Catar é o primeiro país do Oriente Médio a ser sede de uma Copa do Mundo. Nos últimos anos, a nação vem sofrendo com uma intensa pressão de jogadores, personalidades e dirigentes, pelo tratamento dado aos trabalhadores imigrantes e também por conta das leis sociais restritivas. Importante lembrar que a homossexualidade, por exemplo, é tratada pelo país como algo ilegal e punível com até sete anos de prisão.

Apesar das autoridades locais garantirem que todas as pessoas de todas as orientações sexuais serão bem-vindas ao país no Mundial, jornalistas da Dinamarca, Suécia e Noruega provaram recentemente que isso não está acontecendo. Eles produziram uma matéria mostrando que hotéis do país, inclusive indicados pela FIFA, rejeitaram suas reservas após se passarem por casais gays.

"Me parece que as autoridades do Catar e da FIFA fizeram uma conta para que essa violência (contra os homossexuais) não recaia sobre os estrangeiros e visitantes durante o período da Copa do Mundo. Alguns hotéis não aceitaram fazer essas reservas talvez porque essa estrutura não esteja amplamente divulgada, mas a maioria aceitou pois já foram orientados. O grande debate para mim é: fazer um evento dessa magnitude em um país que, estruturalmente e publicamente, resiste e violenta os direitos humanos da população LGBTIA+ é correto? Seria a melhor escolha?", questiona Mônica Sapucaia, advogada especialista em direitos humanos.

O advogado Vinícius Calixto, autor do livro "Lex Sportiva e Direitos Humanos: Entrelaçamentos Transconstitucionais e Aprendizados Recíprocos", faz uma analogia do atual cenário na Copa do Mundo do Catar com os Jogos Olímpicos de Socchi, na Rússia, em 2014.

"Houve um movimento dos atletas, personalidades e entidades de direitos humanos pressionando a Rússia em relação a uma recente lei aprovada lá tida como homofóbica. Essa pressão inclusive gerou uma alteração na Carta Olímpica para inclusão das categorias de discriminação da orientação sexual", conta o especialista.

Vinícius acredita que "depois do movimento olímpico, agora parece ser a vez do futebol, mais especificamente a FIFA, se deparar com essa questão da positivação da orientação sexual como discriminação caso ainda não haja".

Andrei Kampff, advogado, jornalista e colunista do Lei em Campo destaca que "a escolha pelo Catar contraria a política de direitos humanos da Fifa de 2017 e o próprio Estatuto da entidade. Essa pressão da comunidade internacional, de atletas e até patrocinadores por causa da escolha da sede provocou irritações e já gerou transformações, tanto que a escolha da sede do mundial de 2026 passou a ter compromisso com direitos humanos e regras de integridade".

Assim como fez em outras edições, a FIFA produziu uma lista com 69 hotéis recomendados para hospedagem às pessoas que forem viajar ao Catar para acompanhar a Copa do Mundo. Foi a partir daí que os jornalistas decidiram fazer uma investigação para ver se de fato o que está sendo prometido pelos organizadores do evento seria cumprido.

Fingindo ser casais do mesmo sexo que estariam em busca de acomodação para lua de mel, jornalistas ligaram e enviaram e-mails para os hotéis que constam na listagem. De acordo com o site 'Queerty', 33 deles aceitaram a reserva sem objeções, enquanto três se recusaram, com um deles sugerindo que seria contra a "política do estabelecimento".

Outros 20 hotéis aceitaram a reserva com algumas ressalvas, alertando os hóspedes para que eles "não se vestissem como gays". Além disso, eles disseram que qualquer demonstração pública de afeto deve ser evitada, sob risco de consequências das autoridades do país. Os outros 13 hotéis não responderam às perguntas feitas pelos jornalistas.

Ao ser questionada pela NRK, conglomerado de emissoras de rádio e TV da Noruega, sobre o resultado da investigação, a FIFA disse estar "confiante de que todas as medidas necessárias estarão em vigor para os torcedores LGBTQIA+, para que eles, como todos os outros, possam se sentir bem-vindos e seguros durante o campeonato". A entidade máxima do futebol também ressaltou que qualquer forma de discriminação com base na orientação sexual ou identidade de gênero é "estritamente proibida".

Manifestações não são bem vistas

Em dezembro do ano passado, o presidente do Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2022, Nasser Al-Khater, disse em entrevista para a 'CNN' que os torcedores da comunidade LGBTQIA+ terão o direito garantido de viajar ao Catar para assistir aos jogos da competição, mas ressaltou que demonstrações de afeto não são bem vistas.

"Eles virão ao Qatar como torcedores e participantes de um torneio de futebol e poderão fazer o que qualquer outro ser humano faria. As demonstrações de afeto são desaprovadas e isso se aplica a todos. O Catar e seus países vizinhos são muito mais conservadores e pedimos aos torcedores que o respeitem. Temos certeza que o farão, assim como respeitamos as diferentes culturas, esperamos que a nossa também seja", disse o dirigente na época.

No começo deste ano, o major-general Abdulaziz Abdullah Al Ansari, chefe de segurança do governo do Catar, disse que as bandeiras nas cores do arco-íris, representativas ao movimento LGBTQIA+, poderão ser confiscadas dos torcedores durante o evento como forma de proteção aos possíveis ataques que eles podem sofrer.

"Se ele (um torcedor) levantou a bandeira do arco-íris e eu a peguei dele, não é porque eu realmente quero insultá-lo, mas para protegê-lo. Porque se não for eu, alguém ao redor dele pode atacá-lo. Não posso garantir o comportamento de todo o povo", declarou.

O chefe de segurança ressaltou ainda que não estava ameaçando a comunidade, mas que espera que as leis do país sejam respeitadas.

"Reservem o quarto juntos, durmam juntos? Isso é algo que não é da nossa conta. Estamos aqui para administrar o torneio. Não vamos além das coisas pessoais individuais que podem estar acontecendo entre essas pessoas? esse é realmente o conceito. Aqui não podemos mudar as leis. Você não pode mudar a religião por 28 dias de Copa do Mundo", disse Al Ansari na época.

A Copa do Mundo do Catar será disputada de 20 de novembro a 18 de dezembro.

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