Julio Gomes

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Senna na Ferrari: o sonho (dos outros) não realizado

Juan Manuel Fangio, Alberto Ascari, Giles Villeneuve, Niki Lauda. Não foram poucos os nomes que ajudaram a transformar a Ferrari no nome próprio mais importante do automobilismo mundial. A maior das equipes, a mais desejada, a mais venerada, a única que tem torcida de verdade. Um símbolo da Itália, um símbolo da Fórmula 1.

Na virada do século, com Michael Schumacher, e já neste, com Fernando Alonso, Kimi Raikkonen, Sebastian Vettel e, agora, Lewis Hamilton, ficou claro que a veneração dos pilotos pela Ferrari atravessa gerações. Não é correr na Ferrari porque a Ferrari tem o melhor carro ou paga o melhor salário. É correr na Ferrari por uma espécie de código: piloto que é piloto tem que correr na Ferrari um dia.

Mas, o que foi para muitos o maior de todos, Ayrton Senna, não correu na Ferrari.

Senna morreu tragicamente aos 34 anos. Alguns dizem que morreu "no auge", o que claramente não é condizente com a realidade. Senna ainda tinha lenha para queimar, mas já planejava a aposentadoria e, segundo Luca di Montezemolo, antigo chefão da Ferrari, uma conversa dias antes do acidente de Ímola começava a pavimentar o caminho.

Se tivesse vivido e corrido por mais anos, Senna, talvez, pilotasse uma Ferrari. A chance, no entanto, já tinha se dado muitas vezes no passado. E, por alguma razão ou outra, quase sempre tal razão sendo o próprio Senna, o casamento do piloto mais famoso com a equipe mais famosa nunca se deu (a história está melhor contada aqui neste especial do UOL Esporte).

Senna era um obcecado por vitórias. Ele queria vencer aqui e agora. Não era muito afeito de grandes planejamentos ou caminhadas tortuosas. E a Ferrari do final dos anos 80, começo dos 90, era uma equipe claramente inferior às grandes rivais históricas, Williams e McLaren, sem contar emergentes como a Benetton. A Ferrari quis mais Senna do que Senna quis a Ferrari. E a conversa de 1994, relatada por Montezemolo, só mostra um pouquinho mais deste traço da personalidade do piloto. Ele pensou na Ferrari quando sentiu que a Williams da Fórmula 1 pós-eletrônica era uma roubada. Só quando pareceu mais conveniente.

Para Senna, o jogo era ganhar. Não importava como e nem onde. Se fizermos um paralelo com o futebol, podemos dizer que nunca importou para Senna a camisa ou o estilo de jogo. O que vale são os três pontos, um resultadista. Este modo de ser casa perfeitamente como a maneira como o brasileiro encara o próprio futebol e, como consequência, qualquer esporte. Fazer de tudo para ganhar - tudo mesmo - é uma espécie de mantra nacional.

Michael Schumacher, outro que não era santo e trabalhava com os mesmos princípios, foi quem teve coragem de encarar o desafio de fazer a Ferrari campeã de novo. Deixou uma Benetton forte, onde havia sido bicampeão, para vestir o macacão vermelho. Levou uma penca de gente graúda e competente com ele, o que acontece em qualquer setor, já que os craques querem estar perto dos craques. Comeu o pão que o diabo amassou, quebrou uma perna no caminho, abriu mão da glória pessoal em nome da equipe e tentou fazer o companheiro, Eddie Irvine, campeão em 99.

Schumacher bateu no peito, confiou no próprio taco. Só seria campeão pela Ferrari, quebrando um jejum de 21 anos da equipe sem título de pilotos, em 2000 - iniciando, então, um domínio jamais visto na Fórmula 1. É o maior piloto da história da maior equipe.

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Senna nunca pareceu estar a fim de passar pelos perrengues que Schumacher passou. Alonso e Vettel, mais tarde, pegaram uma equipe muito mais estruturada e ainda assim ficaram sem o gostinho do título. O destino de Hamilton deve ser o mesmo. E lá se vão 17 anos de fila em um piscar de olhos - o único título sem ser os de Schumacher, em 45 anos, foi o de Kimi Raikkonen em 2007, uma conquista quase acidental após a batalha interna que viveu a McLaren naquele ano.

Exceção feita aos primórdios, a Ferrari nunca foi garantia de vitória. Ayrton Senna sabia bem disso. Ter o melhor carro era muito mais importante do que sentar em uma Ferrari.

Essa é a maior pena da carreira de Senna. Se Schumacher, um germânico, conseguiu se italianizar, reger o hino no pódio e virar um símbolo do ferrarismo, só podemos imaginar o que teria sido de Senna, com seu estilo arrojado, latino, personalista e carismático, na equipe. Teria sido o casamento perfeito. Ou não. nunca saberemos. Foi o nosso sonho, o sonho de muita gente. Mas não parecia ser o de Ayrton Senna.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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