Nunca deu match

Senna e Ferrari estiveram sempre próximos, mas por uma série de problemas, a união nunca se concretizou

Julianne Cerasoli Colaboração para o UOL, em Londres (Inglaterra) Montagem com fotos da Getty Images

Luca di Montezemolo, ex-presidente da Ferrari, disse, no início do mês, que seu grande arrependimento foi não ter contratado Ayrton Senna. A grande chance aconteceu quando o brasileiro ofereceu-se para correr pela Ferrari dias antes de seu acidente fatal em 1994.

Ele veio até a minha casa em Bologna, antes do acidente de Imola, e me disse que queria correr a todo custo conosco e deixar a Williams. Combinamos de nos vermos depois de Imola, mas depois aconteceu o que aconteceu".
Montezemolo, em entrevista à emissora Sky Sport

"Eu ficaria feliz em tê-lo. Teria sido a cereja do bolo, que foi o que aconteceu com Michael Schumacher", acrescentou o italiano. Aquela, porém, esteve longe de ser a única chance que o time italiano teve de contar com o tricampeão. A relação Senna e Ferrari teve vários capítulos e começou pouco depois de Senna chegar à Fórmula 1, dez anos antes daquele acidente. Agora, o UOL conta como foi esse namoro. E porque ele nunca deu match

Montagem com fotos da Getty Images
Gianni GIANSANTI/Gamma-Rapho via Getty Images Gianni GIANSANTI/Gamma-Rapho via Getty Images

Senna era desafeto de Enzo Ferrari

Foi o ex-campeão pela Ferrari John Surtees, que por toda sua vida esteve muito associado à Scuderia, o primeiro a indicar a contratação de Senna. O britânico ficou impressionado com a performance do jovem Ayrton em uma corrida de exibição da Mercedes, em que derrotou Lauda e Prost, com o mesmo carro, e escreveu a ninguém menos que Enzo Ferrari.

O Commendatore acreditava que o piloto de 24 anos era jovem demais para a Scuderia, e não levou o conselho adiante. Enzo mudaria de ideia nos anos seguintes, e convidaria Senna para um encontro em Maranello em 1986, sabendo que o contrato de Ayrton com a Lotus estava no fim.

Como Senna tinha aprendido a falar italiano nos tempos de kart no país nos anos 1970, a relação era boa com os dirigentes do time, mas ao que parece, a conversa com o chefão Enzo não acabou muito bem. Tanto que ele divulgou uma nota na época dizendo que Senna "certamente era um grande piloto, mas não tenho tanta certeza sobre o homem."

Estava claro, portanto, que Senna não iria para a Ferrari enquanto Enzo estivesse por lá. E, convenhamos, isso não foi prejudicial para a carreira do brasileiro, uma vez que a Scuderia conquistara apenas cinco vitórias em três temporadas entre 86 e 88.

Norio Koike

A grande chance

Mas o cenário mudou com a morte do Commendatore, em 1988, e o surgimento de um personagem importante nesta história: o novo chefe ferrarista Cesare Fiorio. Dirigente de postura bastante agressiva, ele queria atrair para a Scuderia os melhores pilotos para se juntar a John Barnard, projetista que tinha ganhado fama com os carros campeões da McLaren anos antes.

Fiorio foi atrás, então, primeiro de Senna, e depois de Prost. "Meu objetivo era substituir Berger por Senna em 1990, então o abordei em maio do ano anterior durante o GP de Mônaco. Mas Senna já tinha um contrato com a McLaren e não podia quebrá-lo por diversos motivos. Não chegamos a uma conclusão, mas combinamos de conversar novamente assim que possível. E então liguei para Prost e ofereci uma vaga para 1990."

Era o ápice da rivalidade Senna e Prost, então parceiros de equipe na McLaren, e o francês acreditava que o fato do brasileiro ter sido indicado pela fornecedora de motores Honda lhe dava vantagens dentro do time. Prost, então, assinou com a Ferrari no final de julho.

Divulgação

Pré-contrato em 1991

Na cabeça de Fiorio, isso não fechava a porta da Scuderia para Senna. Na verdade, ele acreditava que, dentro de uma equipe totalmente latina, seria mais fácil controlar a rivalidade entre os dois pilotos. "Mais que isso, eu sempre acreditei que uma equipe seria melhor com dois campeões do que com um segundo piloto inútil. Estava pronto para assumir o risco de ter uma rivalidade interna."

O cenário dentro da Ferrari começava a mudar. O time tinha sido o primeiro a experimentar um câmbio semi-automático, controlado por uma borboleta no volante, e tinha voltado a vencer corridas. Com essa evolução, o interesse de Senna de se juntar à Scuderia estava cada vez maior.

Fiorio revelou que duas conversas — uma logo após o GP do Brasil, em março de 1990, e outra em julho, antes do GP da França — selaram o acordo que colocaria Senna e Prost juntos novamente, agora de vermelho. O pré-contrato era para 1991, com opção de seguir na Ferrari em 1992. Mas o destino não poderia ter sido mais diferente do que o chefe projetava.

As conversas de Fiorio com Senna chegaram aos ouvidos de Piero Fusaro, presidente da Ferrari, que iniciou uma batalha interna por poder. Fusaro revelou os planos de Fiorio para Prost e ainda encerrou as negociações com Senna, praticamente obrigando Fiorio a sair da equipe. Sua demissão foi confirmada em 1991, temporada que acabou sendo muito ruim para a Scuderia, e que acabou também Fusaro demitindo Prost. Para completar, não demorou para o próprio Fusaro ser demitido pela FIAT, que trouxe de volta o ex-assistente de Enzo Ferrari, Luca di Montezemolo, à presidência.

Paul-Henri Cahier/Getty Images Paul-Henri Cahier/Getty Images

Montezemolo, Todt e Senna

O namoro entre Senna e Ferrari não pararia por aí. O brasileiro conquistara os campeonatos de 90 e 91, mas tinha visto o crescimento da Williams e seu carro coberto de ajudas eletrônicas, com o qual Mansell em 92 e Prost em 93 tinham sido campeões com facilidade. A primeira opção de Senna era uma vaga no time inglês, mas Prost tinha assinado um contrato que vetava a contratação do brasileiro. Ciente disso e de que a Honda deixaria a McLaren no final de 92, Senna chegou a reunir-se com Niki Lauda, que atuava como consultor da Ferrari, mas eles não chegaram a um acordo.

No final de 93, ainda na McLaren e acreditando que Prost seguiria na Williams em 94, Senna se encontrou com Todt. "Ele queria vir para a Ferrari e a Ferrari o queria", disse o francês, em 1994. Todt explicou, contudo, que não podia dar a Senna o que ele queria, pois já tinha dois pilotos contratados. E, no final das contas, a tão desejada vaga na Williams se abriu com a aposentadoria de Prost, e Senna assinou com o time inglês.

As ajudas eletrônicas que eram a grande razão da hegemonia da Williams, no entanto, foram banidas para 94, e Senna estava muito descontente com a equipe. Foi então que ele novamente buscou uma aproximação com a Ferrari, reunindo-se com Luca di Montezemolo dias antes de sua morte.

"Conversamos longamente e ele deixou claro que queria encerrar sua carreira na Ferrari, depois de ter estado muito próximo de assinar com o time anos antes. Concordamos em nos encontrar outra vez em breve, já que ele checaria as obrigações de seu contrato."

A ideia de Senna, segundo Montezemolo, era quebrar seu contrato, que iria até o fim de 95, com a Williams. Há quem diga, contudo, que o encontro com Montezemolo tenha resultado, pelo menos, na assinatura de um pré-contrato para 1996. No final das contas, foi Michael Schumacher o contratado pela Ferrari em 96 e caberia ao alemão tirar a Ferrari da fila, conquistando o título em 2000, 21 anos após o último mundial de pilotos conquistado pela Scuderia.

Senna x Ferrari

Allsport UK /Allsport
Reprodução

1989

A rivalidade entre Senna e Prost aumenta na McLaren, mas o novo comandante da Ferrari, Cesare Fiorio, tenta contratar ambos os pilotos para o ano seguinte. Acaba fechando apenas com o francês para 1990. Prost ganha o mundial após batida com Senna.

Allsport UK /Allsport

1990

Fiorio não desiste de contar com Senna e continua as negociações com o brasileiro, enquanto ele luta com o ferrarista Prost pelo mundial. As negociações acabam quando o presidente da Ferrari, Piero Fusaro, desiste do brasileiro. Senna ganha o bicampeonato após batida com Prost.

Patrick Behar/Corbis via Getty Images

1991

A Ferrari não mantém o mesmo rendimento do ano anterior, Prost critica muito o time e é demitido ao final do ano. Fiorio também cai. Senna vence o tricampeonato, em disputa com Nigel Mansell, da Williams, que cresce.

Mike Hewitt/Getty Images

1992

A Williams se torna imbatível, mas é uma porta fechada para Senna, por ter firmado acordo com Prost para 93 e 94. O brasileiro sabe que a Honda deixaria a McLaren no final do ano e busca opções. Conversa com o então consultor da Ferrari, Niki Lauda, mas não vai adiante.

Getty Images

1993

Acreditando que Prost seguiria na Williams em 94, Senna pede para o então novo chefe da Ferrari, Jean Todt, contratá-lo. Mas ouve que o time italiano estava fechado com Berger e Alesi. No final do ano, Prost se aposenta e Senna, enfim, consegue a vaga que queria na Williams.

Jean-Loup Gautreau/AFP

1994

O regulamento muda e a Williams perde sua supremacia. Descontente com a maneira como o time inglês estava lidando com o fim das ajudas eletrônicas, Senna novamente se reúne com a Ferrari, desta vez com o presidente Luca di Montezemolo. Eles chegam a um acordo verbal, mas o brasileiro morre três dias depois, no GP de San Marino.

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