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Blog do Juca Kfouri

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pesquisas precisam vir com outra pergunta: você consome futebol?

27/04/2023 15h27

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POR BRUNO MAIA*

Temos tido muitas e repetidas pesquisas, mas enquanto uma delas não começar perguntando "Você gosta de futebol? Gosta muito ou pouco? Você consome futebol?", nada mais importa muito. Só há reforço de desproporções. Há anos, pesquisas sinalizam que a maior torcida do país é "nenhum" e a gente não repercute isso. Projeta-se que toda a população seja interessada em futebol e, pior, que esse interesse se reverte em algum tipo de consumo. Esse é um erro grave. A gente precisa é conhecer o mercado que, de fato, paga a conta.

Quando se fala no Nordeste, por exemplo, ou quando se pega um estádio de futebol, pergunte para um torcedor do Bahia, Sport, Fortaleza ou Náutico, no estádio, por exemplo, se algum deles é "misto"?.

No Brasil, quem realmente consome futebol torce em grande maioria para clubes que ele pode conviver, frequentar estádios e ter acesso. O que temos de mudança é que cada vez mais as pessoas que gostam pouco de futebol, não consomem. Entre outras razões, porque quem gosta pouco, hoje está exposto a dezenas de opções de entretenimento, entre as quais opções que ela gosta muito. Isso não acontecia 30 anos atrás. E dessa forma, quem gosta pouco vai tendo diminuída sua exposição ao esporte.

Outro sintoma disso é que o futebol tem diminuído sua exposição em TV aberta e as pessoas também estão diminuindo o consumo de TV aberta e a cabo. Os números de assinantes de pay-tv vêm caindo sucessivamente há quase uma década. Tudo isso consolida uma nova realidade do que seja o tamanho do mercado consumidor de futebol. Desde o meu livro, em 2020, eu já falo da importância de entender quem são os fãs, entendendo isso como aqueles que consomem e geram receitas em alguma ponta da cadeia. São eles que fazem diferença.

O que interessa você ter uma base ampla de consumidores em um estado que não consegue consumir? Os clubes tentam, mas é evidente que não temos uma cadeia de consumo extensa de produtos. Os pontos de contato e de geração de receitas são poucos, financeiramente concentrados nas audiências de TV aberta, que é algo que também diminuiu de maneira geral.

A conta principal é paga pelo que é chamado, tecnicamente, de "hard user". Esses gastam cada vez mais e mais na sua paixão. E esses não são torcedores mistos. Se não tiver aquelas perguntas no início da minha fala, tudo que vem a seguir, em termos de pesquisa, está enviesado de uma forma pouco eficiente para se entender o equilíbrio de forças econômicas no futebol brasileiro. O que se chama de "tamanho de torcida" acaba sendo preguiçosamente lida por uma métrica generalista de 30 anos atrás.

Se for filtrado pelo crivo do consumo, é muito provável que algumas distâncias sejam menores e, principalmente, reflitam diferenças maiores em centros onde não estão os maiores clubes do país. Será que um clube do Sudeste, tido como preferido na região Nordeste, é capaz de gerar e girar mais dinheiro na indústria do futebol do que os grandes locais? Particularmente, não acredito. Minha opinião, contudo, é irrelevante. Apenas boas pesquisas poderiam dizer algo útil para o mercado. Quem está fora desses grandes centros e ainda consome seus times locais tende a consumir muito mais do que alguém que genericamente reconheça alguma identificação distante com uma marca mais famosa.

O futebol cada vez mais vai se definir economicamente por pessoas que o consomem de fato e não apenas por um número genérico, que não está mais sendo alcançado pela distribuição tradicional da comunicação do futebol.

*Bruno Maia é CEO da Feel The Match, gestora e desenvolvedora de propriedades intelectuais ligadas ao esporte e entretenimento. Em 2020, escreveu o livro 'Inovação é p Novo Marketing, em que fala sobre o tema_