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José Trajano

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A goleada que levei do Palmeiras nem o goleiro do meu pai salvou

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

15/04/2022 04h00

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Toca o telefone e um dos amigos com quem morava em um pequeno apê no Itaim Bibi atende com expressão preocupada.

— É seu pai!

Levantei num zás-trás do sofá e atendi. Do outro lado, com inconfundível vozeirão, foi logo explicando. Talvez para que não ficasse nervoso ou algo assim, porque costumava ligar muito pouco para mim.

— Tenho boa notícia. Amanhã, contra o Palmeiras, aí no Pacaembu, vai pegar no gol um goleiro que indiquei ao nosso America: Sérgio, filho do zelador aqui do prédio, em Laranjeiras. O Flamengo o dispensou e o pai dele falou comigo. Indiquei a um amigo lá do clube e não é que ele entra em campo amanhã como titular?

— Mas, como assim?

— O Sérgio leva muito jeito, é alto, forte e agradou logo de cara. O País, goleiro titular, se machucou, e o reserva está suspenso. Surgiu a chance do menino, ele está com 20 anos. Vai lá no jogo e depois me conta como foi.

E fui!

Vestido orgulhosamente com a camisa do America, me ajeitei em um canto da arquibancada, atrás do gol da praça Charles Miller, onde se encontrava a nossa torcida. Uns vinte gatos pingados, como diria o saudoso Henfil. E, todo pimpão, me enturmei com a turma, que tinha vindo do Rio de ônibus, ao dar conta da novidade:

— O goleiro que vai jogar hoje é ótimo, foi meu pai quem indicou.

Quiseram saber mais detalhes. Nunca tinham ouvido falar do rapaz. E me deram até parabéns pelo pai ter sido o responsável por levar Sérgio para defender a nossa meta. Empolgado, até exagerei:

— Não sei, não, mas desconfio que talvez venha a ser um novo Pompéia, o Constellation.

Pompéia, para quem não sabe, foi um dos maiores goleiros do America de todos os tempos. Dava saltos acrobáticos, fazia defesas incríveis, o maior goleiro que vi jogar. Tinha sido trapezista de circo, daí dar saltos espetaculares sem receio de se esborrachar no chão. O apelido "Constellation" era referência ao avião que fazia a ponte aérea Rio-São Paulo.

Pompeia, o goleiro voador do America - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

E Sérgio entrou em campo. Esguio, elegante, com pinta de ser um grande goleiro. Os caras da pequena torcida faziam gestos simpáticos, mostravam o polegar levantado, davam tapinhas de agradecimento nas minhas costas.

Esta histórica porfia aconteceu em 2 de fevereiro de 1978, jogo válido pela Copa Brasil do ano anterior.

Quando acabou o primeiro tempo com 3 a 1 para o delírio de mais de 42 mil palmeirenses que enchiam as dependências do Paulo Machado de Carvalho, os torcedores americanos já não faziam mais festa pra mim.

Alguns já me olhavam de esguelha. Havia desconfiança que o Sérgio havia falhado em dois gols, o do Toninho Vanusa e do Jorge Mendonça.

O Palmeiras tinha Leão, Beto Fuscão, Rosemiro, Pires, Zé Mário e o técnico era nada mais nada menos do que Jorge Vieira, campeão pelo America em 1960. O America também não era fraco, não: Alex, Léo Oliveira, Reinaldo, Aílton, Dé e Danilo Alvim como técnico.

Veio o segundo tempo e Edu Bala fez o quarto, Jorge Mendonça o quinto. Antes que o jogo chegasse ao fim, com 5 a 1 no placar, não esperei o apito final do juiz baiano Saul Mendes.

Sai de fininho, sem me despedir de ninguém, sem olhar para trás, e corri pela praça atrás de um táxi.

Voltei esbaforido para casa. Peguei o telefone e liguei:

— Pai, foi uma tragédia, o Sérgio, coitado, falhou em quase todos os gols.

Procura outro Pompéia, porque este não vai dar...

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Na newsletter desta semana, José Trajano também comenta a homenagem ao profeta Gentileza, que batizará o futuro terminal intermodal do Rio a ser construído no terreno do antigo Gasômetro, e o atentado que não foi a cabo graças à denúncia do então capitão da Aeronáutica Sérgio Macaco.

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