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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Toda a beleza de uma brecha no regulamento

Ross Brawn é erguido por membros de sua equipe após o GP Brasil de 2009, na festa pelos Mundiais de Pilotos e Construtores - FIA
Ross Brawn é erguido por membros de sua equipe após o GP Brasil de 2009, na festa pelos Mundiais de Pilotos e Construtores Imagem: FIA

Colunista do UOL

21/01/2022 12h38

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Deu no "New York Times", vem carregada de peso e de uma fina ironia: uma entrevista com Ross Brawn em que ele diz ter passado os últimos meses testando teorias para evitar que equipes encontrem brechas no novo regulamento técnico da F1.

Vem carregada de peso porque, caramba, é o "NY Times"! É emblemático que o maior jornal dos EUA abra espaço para a F1, mais um sinal do crescimento da categoria por lá. Lembremos que o fim de semana da corrida de Austin, no ano passado, reuniu 400 mil pessoas, até hoje o maior público para um evento esportivo desde o início da pandemia.

E traz uma fina ironia porque trata-se de Brawn, uma raposa cuidando do galinheiro. Ou o homem mais indicado do mundo para essa função.

Falar da Brawn GP é chover no molhado, mas necessário. Porque foi marcante demais, o principal caso da história da F1 de uma equipe que se deu bem por explorar uma brecha do regulamento. O difusor duplo criado pelo engenheiro inglês e sua trupe no início de 2009 chocou o esporte e culminou com os Mundiais de Construtores e Pilotos naquela temporada.

Mas Brawn fez muito mais.

Nos anos de Benetton e Ferrari, era rei na arte de dissecar o regulamento e tentar encontrar, aqui e ali, espaços para ganhar milésimos de segundo na pista. Não por acaso, comemorou 8 Mundiais de Construtores e outros 8 de Pilotos ao longo da carreira. E não por acaso, também, desde 2017 ocupa o mais alto posto técnico na estrutura da Liberty Media na F1.

Agora, o inglês enfrenta seu maior desafio no posto. As mudanças no Regulamento Técnico para 2022, afinal, são as mais radicais desde que mudou de lado do balcão.

carrof1 - Divulgação/Fórmula 1  - Divulgação/Fórmula 1
Pilotos da F1 posam com protótipo do novo carro da categoria
Imagem: Divulgação/Fórmula 1

"Quando eu era diretor técnico, de vez em quando alguém aparecia com uma interpretação das regras. Mas era algo raro, não acontecia todo dia", disse, ao jornalão americano. "Tentar antever cada brecha, ou cada interpretação, é muito difícil. Mas, claro, criamos um método para entender os problemas e tentar eliminá-los."

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"Nosso grupo passou algum tempo olhando para pontos sensíveis de diferentes áreas para entender se havíamos deixado algo para trás que permitisse às equipes mexerem no desenho dos carros. Depois, veio uma fase em que tentamos estressar as regras para encontrar brechas", explicou.

Mas a grande beleza do processo vem agora: "Não posso ter a pretensão de achar que vamos encontrar todas as brechas". Questionado se espera o surgimento de um novo "difusor duplo" em 2022, primeiro disse que não. Mas depois emendou: "Nunca se sabe. Ninguém esperava aquilo até que aconteceu".

Sim, para mim esta é uma das grandes belezas da F1.

Amo a competição na pista, os duelos, os carros batendo rodas e trocando tinta. Tenho fascínio pela relação homem-máquina, por essa simbiose tão antinatural, pela busca dos limites de um lado e outro. Curto os grandes personagens, heróis e anti-heróis, seres tão diferentes mas que têm em comum o controle da velocidade.

Mas, ao longo dos anos, aprendi a admirar também o jogo de xadrez, ou a brincadeira de gato e rato, entre os criadores das regras e os engenheiros. É um desafio constante, com doses de provocação e pitadas de transgressão.

Brawn que me perdoe mas minha torcida, admito, é pelos "transgressores". Torço para alguém encontrar uma brecha nas letras do regulamento, ter uma sacada genial, mudar a ordem das coisas, criar uma bagunça no campeonato, fazer as outras correrem atrás.

De vez em quando acontece. Vamos ver quem ganha o jogo desta vez.