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Fábio Seixas

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Reutemann, o Lole, era da turma brasileira

Carlos Reutemann no cockpit da Williams em 1980, ano em que se negou a abrir mão da vitória em Jacarepaguá - National Motor Museum/Heritage Images/Getty Images
Carlos Reutemann no cockpit da Williams em 1980, ano em que se negou a abrir mão da vitória em Jacarepaguá Imagem: National Motor Museum/Heritage Images/Getty Images

Colunista do UOL

07/07/2021 14h39

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Lole era da turma. Apesar de argentino.

Quando Carlos Reutemann venceu o primeiro GP do Brasil, em 1972, ainda uma corrida extraoficial, a multidão em Interlagos veio abaixo.

Havia quatro brasileiros no grid. Herói local, Emerson largou na pole e liderou 32 das 37 voltas até ser traído por um problema na suspensão.

Interlagos, com arquibancadas lotadas, torcedores acampados havia dias e morros tomados em plena quinta-feira _sim, a prova aconteceu num meio de semana_, poderia murchar. Mas não. Explodiu em vibração na bandeirada.

Antes um sul-americano que um europeu.

A imagem daquela Brabham branca rasgando a reta de Interlagos estampou os jornais do dia seguinte e se tornou icônica. O sueco Ronnie Peterson foi o segundo. Wilsinho, o primogênito dos Fittipaldi, completou o pódio.

Foi a primeira vitória de Reutemann num grande palco da F-1. Apesar de não ter entrado nas estatísticas oficiais, o resultado abriu portas, mudou o patamar daquele argentino que fazia sua primeira temporada na categoria e tentava mostrar que podia fazer parte do clube.

Reutemann ganhou o apelido de Lole dos pais quando ainda era criança. A família morava numa fazenda na província de Santa Fé e ele adorava brincar com os leitões, "los lechones", que o menino ainda aprendendo a falar chamava de "lolechones".

Começou a correr aos 20 e poucos anos na Argentina, de carros turismo, uma paixão nacional. Foi campeão da F-2 local em 1969. No ano seguinte, fez a ponte para a Europa. Em 1971 foi vice-campeão da F-2 europeia, justamente atrás de Peterson. Chamou a atenção de Bernie Ecclestone, ganhou a vaga na Brabham em 1972, conquistou de vez a confiança do chefe em Interlagos.

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Os amigos Piquet e Reutemann em 1980
Imagem: Reprodução

Lole era da turma porque naturalmente se aproximou dos pilotos brasileiros. Foi grande amigo dos irmãos Fittipaldi, de Pace, de Piquet. Duelavam ferozmente nas pistas, mas sabiam separar as coisas. Brincavam e se provocavam o tempo todo.

O maior trunfo de Reutemann era imbatível: além da prova de 1972, vencera outras três vezes no Brasil. Quatro vitórias no país vizinho. Mais do que todos eles juntos na Argentina.

Lole era da turma.

Nunca chegou a conquistar o Mundial, mas passou perto: em 1981, então na Williams, terminou o campeonato a apenas 1 ponto do campeão, Piquet.

Jamais saberemos, mas a história poderia ter sido diferente se não fosse o ocorrido no ano anterior, em Jacarepaguá. O argentino se recusou a abrir passagem e ceder a vitória para o companheiro, Alan Jones, então considerado primeiro piloto da equipe. Respondeu à ordem da Williams de uma maneira singela: "No seu rabo".

Irritado, Jones nem sequer foi ao pódio receber o troféu de segundo lugar. A relação entre os dois foi pro espaço. Se tivesse tido apoio do companheiro no ano seguinte, talvez Reutemann tivesse conquistado o título de 1981.

Jamais saberemos.

Maior piloto argentino desde Fangio, Reutemann deixou a F-1 em 1982 com 12 vitórias, 6 poles positions, 6 melhores voltas. Além de Brabham e Williams, correu na Lotus e na Ferrari, onde seu estilo arrojado e explosivo se encaixou como uma luva.

Correu 24 Horas de Le Mans, etapas do Mundial de rali, fez provas na Argentina e aproveitou sua imensa popularidade para lançar-se na política.

Foi duas vezes governador da província de Santa Fé, senador, mas jamais cedeu aos apelos para se lançar candidato à presidência.

Morreu nesta quarta-feira, aos 79 anos, após alguns meses sofrendo consequências de uma hemorragia digestiva.

Um desfalque dolorido para a turma que fica por aqui.