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Fábio Seixas

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Hamilton e os perigos de uma nova guerra psicológica

Verstappen e Hamilton durante entrevista coletiva após o GP do Bahrein, que abriu a temporada da F-1 - Andy Hone/Getty Images
Verstappen e Hamilton durante entrevista coletiva após o GP do Bahrein, que abriu a temporada da F-1 Imagem: Andy Hone/Getty Images

Colunista do UOL

27/05/2021 14h44

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Você sabe que aquilo tem uma enorme chance de dar errado, mas a tentação é mais forte: você vai lá e faz. E se dá mal.

Já deve ter acontecido com você algumas vezes. E é o que parece estar acontecendo com Hamilton. De novo.

O inglês é um piloto genial, um dos melhores da história, talvez se torne o maior de todos os tempos. É agressivo e cerebral nas medidas certas. Responde às estratégias da equipe com precisão de milésimos de segundo. Fora do carro se engaja em causas humanitárias, ergue bandeiras indiscutíveis, leva seu simpático buldogue pra todo canto. É um grande cara.

Mas Hamilton tem um ponto fraco. Um calcanhar de aquiles. Quando se sente ameaçado, parte para as provocações contra seus adversários. Lança-se no que os ingleses chamam de "mind games", ou jogos cerebrais. Tenta acuar e intimidar seus rivais nas entrevistas. Cutuca daqui, alfineta dali. Tenta desestabilizar o outro lado. Pressão psicólogica, enfim.

O problema é que, geralmente, quem se dá mal é ele.

hamiltonalonso - Reprodução - Reprodução
Hamilton e Alonso em 2007
Imagem: Reprodução

Aconteceu logo no ano de estreia do inglês na F-1, 2007. Já na sua quinta corrida na categoria, em Mônaco, ao ser preterido por Alonso na estratégia da McLaren, Hamilton passou a provocar o espanhol e o próprio time nas entrevistas coletivas. "Está pintado o número 2 no meu carro. Claramente o número 1 foi pintado no carro dele", disse o então novato, jogando a imprensa inglesa contra a equipe.

A partir daí, todo mundo conhece a história. Alonso e Hamilton se lançaram numa rivalidade violenta, com acusações e traições, uma situação bizarra que prejudicou tremendamente a McLaren e ajudou Raikkonen a conquistar seu título pela Ferrari.

Ninguém me tira da cabeça que foi a intensidade dessa guerra que provocou o erro banal de Hamilton na entrada do pit lane em Xangai, fazendo o título escorrer pelos seus dedos e cair no colo do finlandês.

Anos depois, já na Mercedes, Hamilton decidiu declarar guerra contra Rosberg. As provocações começaram em 2015, após a vitória do alemão no México. "Nico realmente pilotou bem hoje. Não cometeu erros, não pegou nenhuma rajada de vento", disse.

Na etapa anterior, em Austin, Rosberg perdera a vitória para Hamilton após escapar da pista e culpar uma rajada de vento por isso.

Hamilton levou o campeonato naquele ano. Mas, na temporada seguinte, já com os boxes da Mercedes bem divididos, o título ficou com Rosberg. Que, dizendo-se farto do ambiente estressante da F-1, pegou o capacete e se aposentou em seguida.

Agora, mais uma vez pressionado, Hamilton volta suas baterias contra Verstappen.

O inglês chegou a Mônaco, na semana passada, dizendo estar preocupado com um encontro entre os dois na pista. No domingo, após comemorar sua primeira vitória no principado, Verstappen deu a resposta: "Ações falam mais alto do que palavras".

Questionado sobre a declaração do agora líder do campeonato, Hamilton rebateu, dizendo que não vai entrar em "discussões infantis".

Nada disso é novo na F-1. Stirling Moss, que morreu no mês passado, contava que já fazia esse tipo de jogo nos anos 1950. "Sempre que ultrapassava alguém, eu fazia um sinal de positivo com os dedos para mostrar que eu estava adorando aquele momento", dizia. E o que dizer da pressão que Piquet colocava sobre Mansell? Ou da guerra insana entre Senna e Prost?

Talvez alguém surja com panos quentes e as discussões entre Hamilton e Verstappen parem por aí. Mas algo me diz que o inglês não vai parar. Ele não consegue. É mais forte do que ele.

Hamilton, a meu ver, continua favorito ao título. A Mercedes ainda é, hoje, uma equipe mais completa do que a Red Bull. Mas talvez a vantagem não resista às situações criadas por ele fora do carro, não seja suficiente para contornar sua cabeça desconcentrada.

Será mais uma história interessante para acompanhar nesta temporada.