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Fogaça: Quais são as razões do baixo nível técnico do Brasileirão

Lance da partida entre Cruzeiro x CSA - Bruno Haddad/Cruzeiro
Lance da partida entre Cruzeiro x CSA Imagem: Bruno Haddad/Cruzeiro
Gustavo Fogaça

12/12/2019 10h46

Finalizado o Brasileirão 2019, campeão, rebaixados e classificados definidos, tudo parece igual ao que sempre foi. Será? O nível técnico do Brasileirão beirou o lamentável, e a cada ano que passa, temos times mais fracos, jogos terríveis e um espetáculo em deterioração. Afinal, tirando as exceções, será que não conseguimos mais montar elencos com o mínimo de qualidade no futebol brasileiro?

A questão é supercomplexa, e demanda várias leituras e análises. Inclusive sócio-culturais e macroeconômicas. Como eu não sou bobo nem nada, chamei alguns craques do jornalismo esportivo para me ajudarem com suas visões.

No atual Brasileirão, temos dois extremos bem claros: os jogadores mais velhos, geralmente medalhões expatriados que voltaram para encerrar a carreira; e as jovens revelações das bases dos clubes (que logo irão embora). Nesses extremos, há qualidade técnica. Mas o que faz o nível de um campeonato não são os extremos, e sim o recheio.

E é cada vez mais baixo o nível do jogador mediano no Brasil. Sabe aquele cara que vem "para compor grupo"? Esses que são a maioria dentro dos elencos, também são o maior reflexo do futebol jogado no país. Eles que colocam a régua sobre o campo.

"Nosso maior problema nesse 'recheio' é cognitivo, de déficit de entendimento de jogo. Algo muito grave e que tende a piorar", diz André Rocha, blogueiro do UOL Esporte. "O jogo vai se sofisticando, ficando mais complexo e a capacidade de leitura de espaços e tomada de decisão é limitada por questões intelectuais. Há outros fatores, mas esse é primordial", completa.

Há um consenso entre treinadores e estudiosos do futebol no mundo todo que a grande revolução na construção de um modelo de jogo é o trabalho da parte cognitiva dos atletas nos treinos. Como aprimorar a tomada de decisão para que ele reaja com as melhores soluções para os desafios que o jogo propõe? E isso é pouco trabalhado nos clubes brasileiros.

E dentro dessa ideia de construção do modelo de jogo, Andrei Kampff, blogueiro do UOL Esporte e comentarista do DAZN, sustenta que "o futebol brasileiro ainda não entendeu questões novas, também importantes do jogo: planejamento e ciência. São raros os clubes que montam plantel pensando numa ideia de jogo que querem pro time."

Apesar que todos os clubes da Série A possuem Departamentos de Inteligência, com analistas de desempenho e profissionais capacitados, ainda existe um enorme BURACO entre a transformação da informação em conhecimento e em execução dentro do campo.

"São poucos aqueles que têm e acreditam no monitoramento científico dos atletas, o que dá uma leitura importante para se entender como cada um joga. E isso precisa ser praticado desde a base, formando atletas mais bem preparados, não só tecnicamente, mas também taticamente", conclui Andrei.

É claro que a instabilidade do trabalho dos treinadores também influencia diretamente no desempenho dos atletas. Um estudo da Pluri Consultoria mostra que a média de permanência dos técnicos nos clubes brasileiros é de seis meses. Nos últimos dez anos, o clube que mais trocou de treinadores foi o Ceará, com 29 profissionais. Vitória e Sport Recife, com 26 cada, em segundo lugar.

"Montar elencos é um dos grandes mistérios do futebol brasileiro. Não são apenas as dificuldades financeiras mas também entender e planejar uma temporada. Como contratar de acordo com a filosofia tática de três, quatro técnicos diferentes? É praticamente impossível montar um time em janeiro e ter que adaptar ao novo comandante em maio e depois ao terceiro em setembro", afirma Bruno Laurence.

Laurence aprofunda: "Pensar na média técnica do jogador brasileiro é pensar sempre em formação. A base visa resultados, busca desempenho e não aprimoramento técnico e tático. O fim dessa formação inadequada é a chegada aos times principais sem as melhores condições para desempenhar as funções mais elaboradas."

Se levarmos em conta que apenas 45% dos atletas do sub-20 no Brasil conseguem subir de categoria e se tornarem profissionais, encontramos também uma vala profunda no último processo da formação. E o jogador mediano, além de ser maioria, sobe cada vez mais rápido e menos qualificado.

Problemas cognitivos que levam a um processo ruim de tomada de decisão, a pouca cultura de respeito da ciência no esporte, a rotatividade de treinadores e o foco equivocado na base como vendedora mais do que formadora de bons jogadores. Estes são apenas alguns pontos, brilhantemente expostos pelos colegas jornalistas.

A real é que para 2020, muito não irá mudar. Talvez ajudem processos como os que viveram o Flamengo e o Santos, ou a preservação de treinadores como fizeram recentemente Grêmio e Corinthians. Mas mesmo esses casos de sucesso não são completos, e podem se deteriorar com o tempo. Enquanto o nível do jogador mediano no Brasil for abaixo do aceitável, seguiremos tendo um campeonato de primeira divisão de segundo escalão.

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