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Alicia Klein

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não acreditar em denúncia sobre Neymar é arriscar todas nós

Neymar em ação durante partida do PSG na Liga dos Campeões - Simon Stacpoole/Offside/Offside via Getty Images
Neymar em ação durante partida do PSG na Liga dos Campeões Imagem: Simon Stacpoole/Offside/Offside via Getty Images

28/05/2021 11h24

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Toda mulher já sofreu algum tipo de abuso sexual. Sabe quem se surpreende com essa informação? Homens. Neymar é novamente acusado de violência contra uma mulher. Sabe quem deveria se surpreender com essa informação? Ninguém.

Ao ler ontem (27) sobre a denúncia da funcionária da Nike contra o jogador (tentar forçá-la a fazer sexo oral, impedir sua saída do quarto, persegui-la no corredor do hotel), tenho certeza que muitas e muitas, como eu, identificaram-se com a cena e sentiram seu coração se estraçalhar por mais essa irmã.

Na minha primeira coluna aqui no UOL Esporte, contei a história de quando um jogador da seleção brasileira tentou me agarrar à força, num corredor de hotel, quando eu estava trabalhando. E, ao longo da minha carreira, ele não foi o único a tentar bloquear minha passagem, insistir num contato indesejado. Acontece o tempo todo.

Mulheres em universos masculinos são vistas como objetos ou facilitadoras do desejo alheio. "Olha, nossa estrela do futebol bebeu demais na balada, vá lá e o ajude a entrar no quarto." Colocada em uma situação constrangedora (quiçá perigosa), ela se vê num dilema impossível, seguido por um ainda pior. E se eu disser não? Ele é uma das maiores celebridades do planeta, importantíssimo para a empresa.

Agora que meus medos se materializaram, e se eu contar? Alguém vai acreditar? E, se acreditarem, alguém vai se importar? E, caso se importem, o que vai acontecer com ele? E comigo?

Felizmente, no limite do que se pode usar esta palavra num cenário profundamente infeliz, a Nike se importou. Fez o que estava ao seu alcance e rompeu com Neymar. Aliás, vale notar a insistência do estafe do atleta em negar a acusação e refutar a ex-patrocinadora, insistindo que a separação ocorreu por motivos comerciais.

Sem provas suficientes - porque a dificuldade em prová-los é o requinte de crueldade destes crimes -, não há ainda denúncia formal, e o jogador segue sua vida normalmente, por ora. Novo contrato com a Puma (até agora, em silêncio), diversas outras relações comerciais, público imenso, e muito bem obrigado no PSG e na seleção brasileira.

Em mais uma peculiaridade da realidade paralela em que opera o esporte (campeonatos e até Jogos Olímpicos programados em meio a uma pandemia mortal, apenas para citar um exemplo), muitos acham necessário separar a pessoa do atleta. Ah, mas dentro de campo ele brilha. Nada foi provado. Ele é só um jovem deslumbrado. Não podemos misturar as coisas.

Não, não, não e não. Devemos misturar as coisas. Uma pessoa que estupra raramente está cometendo ali o seu primeiro ato abusivo. Há um histórico de pequenas agressões, que às vezes passam despercebidas até pelas vítimas. (Hoje, consigo reconhecer várias violências que sofri, mesmo por namorados, que à época meu consciente não chegou a processar). Cada denúncia ignorada é um passo na direção de um novo crime. É uma autorização para que a pessoa volte a agir de forma espúria. Afinal, até quando a notícia estoura, o fulano tem a chance de sair ileso.

Espero que não seja o caso com Neymar. Espero que ele pague pelo comportamento abusivo. Como mulher, sei o custo de denunciar um abuso, especialmente por alguém mundialmente famoso, multimilionário. Alguém de quem seu sustento depende. Imagino a dificuldade que tenha sido para a funcionária da Nike encontrar a coragem para tornar público o seu trauma, para se arriscar desta forma.

Por ela e pela proteção de todas nós, escolho sempre acreditar na vítima. Por favor, façam o mesmo e ajudem a nos manter seguras. Acreditem em nós.