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Só existe aqui? Por que o Brasil tem Justiça Eleitoral e para que ela serve

Brasil não é o único país no mundo a ter um "TSE", mas é um dos mais avançados no processo eleitoral -
Brasil não é o único país no mundo a ter um 'TSE', mas é um dos mais avançados no processo eleitoral

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

12/05/2022 04h00

Alvo constante do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai completar 90 anos desde sua instalação, em 20 de maio de 1932, ao lado da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro —antes de ser transferido para Brasília.

A Corte surgiu a partir do Código Eleitoral de 1932, considerado, à época, um dos mais avançados do mundo em razão da permissão do voto feminino. Apesar da tradição de nove décadas, a sua existência é contestada até hoje e tem gente que tenta no Senado pedir a sua extinção —algo que não ganhou apoio.

Mas, afinal, por que o Brasil tem uma Justiça Eleitoral? Somos os únicos no mundo a ter um TSE?

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O presidente Getúlio Vargas sancionou o Código Eleitoral
Imagem: Hulton Archive/Getty Images

Como surgiu a Justiça Eleitoral

O Código Eleitoral, que criou a Justiça Eleitoral no Brasil, foi sancionado em 24 de fevereiro de 1932 pelo então presidente Getúlio Vargas.

A legislação pretendia moralizar o sistema eleitoral brasileiro, alvo constante de suspeitas de fraudes em seus resultados, sendo, inclusive, uma das bandeiras da Revolução de 1930 —movimento que deu início à Era Vargas.

Um dos principais problemas que resultava nas fraudes era a falta de fiscalização independente e imparcial no depósito e na contagem dos votos, principalmente, em regiões com fortes influências do coronelismo —pequeno grupo de elite de influência política e econômica em uma cidade ou estado.

Documentos do Arquivo do Senado, em Brasília, registram que parlamentares constantemente usavam a tribuna da Casa para denunciar eleições fraudulentas em razão da falta de uma fiscalização independente e imparcial.

O mestre em Direito Constitucional e Eleitoral pela USP (Universidade de São Paulo), Antonio Carlos Freitas Júnior, explicou ao UOL que antes da Justiça Eleitoral, o cidadão não tinha garantia de nada sobre o sistema de escolha dos representantes.

Um estudo da USP reforça essa falta de garantia da vontade de escolha do eleitor antes da existência da Justiça Eleitoral.

Ele mostra que, entre 1894 e 1930, a Câmara dos Deputados deixou de reconhecer 260 candidatos eleitos. As motivações puramente políticas eram um dos motivos para as "degolas", como era conhecida essa prática de não dar posse.

Foi a partir de todo esse contexto que surgiu a Justiça Eleitoral.

Você não sabia se poderia votar. Iria para urna e sem saber se deixariam depositar o voto. Se votasse, não saberia se seu voto iria para a zona de apuração. Se fosse levado, não tinha certeza de que seria contado. E se seu candidato ganhasse, também não saberia se tomaria posse. O sistema antes do Código Eleitoral criou as maiores fraudes e os cidadãos não tinham a menor segurança. As eleições eram puxadinhos dos poderes executivos
Antonio Carlos Freitas Júnior, mestre em Direito Eleitoral pela USP

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Urna eletrônica é um avanço
Imagem: TSE

Qual a função da Justiça Eleitoral?

Entre as atribuições impostas pelo Código Eleitoral, estão:

  • cuidar do alistamento
  • organização dos locais de votação
  • apuração dos votos
  • reconhecimento e proclamação de resultados
  • diplomar os vencedores
  • regulamentar o período de pré-campanha, campanha e pós-campanha
  • analisar os processos jurídicos de caráter eleitorais

Antes, tudo isso era ligado aos Poderes Legislativo e Executivo.

O TSE e os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) não têm a competência de legislar sobre o tema, apenas editam normas relacionadas à ordenação dos pleitos. As leis são de responsabilidade do Congresso Nacional, e os tribunais as aplicam.

"Ao contrário dos outros ramos do Poder Judiciário, nos quais a principal função dos juízes é prestar jurisdição, a principal função da Justiça Eleitoral é a administrativa. Ou seja, a de organizar e realizar as eleições", explicou o advogado eleitoralista Henrique Neves ao site do TSE.

Ter um órgão técnico como o TSE em um país como o nosso é muito importante. É relevante para que tenhamos distâncias do jogo de interesses, para que possa criar regras, fazer as eleições e julgar os litígios eleitorais de maneira mais imparcial possível. Ela serve para garantir que seu voto seja respeitado. Dando essas funções ao legislativo ou executivo, poderia prejudicar a efetivação da vontade popular
Antonio Carlos Freitas Junior, mestre em Direito Eleitoral

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Nossos sistema permite até biometria
Imagem: Abdias Pinheiro/Secom/TSE

Só existe Justiça Eleitoral no Brasil?

Apesar das peculiaridades atribuídas à Justiça Eleitoral no Brasil, ela não é uma "jabuticaba", ou seja, não somos os únicos no mundo a tê-la no comando das disputas eleitorais. E isso tem um motivo: dar mais credibilidade e segurança aos resultados das eleições e fortalecer a democracia.

Segundo levantamento do Idea Internacional (Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral, na tradução para o português), 173 países contam com a Justiça para resolver conflitos relacionados às disputas eleitorais. Mas somente em 84 deles existe uma Justiça Eleitoral específica para isso, incluindo o Brasil.

O mesmo estudo listou 11 países com um "TSE", uma espécie de tribunal supremo semelhante ao do Brasil para resolver conflitos eleitorais. A publicação, porém, não mencionou quais as nações.

Além disso, mesmo criticado por bolsonaristas no Brasil, o sistema eleitoral brasileiro é classificado como um dos que possui tecnologia "mais avançada no mundo" pelo Idea Internacional, entidade que tem mais de 30 países membros.