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Esquerda vai atrapalhar Lula se expuser o que pensa, diz "pastor do PT"

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

05/05/2022 04h00

É lançando mão de podcast e até trio elétrico que um pastor da igreja Assembleia de Deus em Foz do Iguaçu pretende fazer o que alguns consideram difícil: mudar a cabeça do eleitor evangélico que votou em Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e convencê-lo de que o melhor a se fazer em 2022 é votar no arquirrival Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 2 de outubro.

O arsenal de medidas terá um só objetivo: "Quero trazer esperança através da memória: 'você era feliz [nos governos do PT] e não sabia'", diz Paulo Marcelo Schallenberger, 46, o "pastor do PT", em entrevista ao UOL.

"Se tirar o mundo evangélico dessa bolha bolsonarista, Lula ganha no primeiro turno", prevê o religioso, que viralizou na internet depois de "profetizar", em julho do ano passado, que Bolsonaro não se elege em 2022.

Para garantir que a previsão se concretize, ele diz esperar que a esquerda não fique "atrapalhando" com temas como casamento gay, aborto e legalização das drogas.

A esquerda tem de ter consciência: se ficar expondo o que que pensa, o que vai estar fazendo? [Vai] Apenas [ficar] atrapalhando algo maior que é a eleição do presidente Lula."
Pastor Paulo Marcelo Schallenberger

Outra estratégia, diz, será atrair o evangélico comum e deixar os líderes midiáticos de lado, que, acredita, vão compor com o governo se Lula vencer. Até o amigo pessoal, o pastor bolsonarista Marco Feliciano, e o Republicanos, partido ligado à Igreja Universal, devem se reaproximar do PT, apesar das mágoas de Lula com o bispo Edir Macedo, afirma.

Lula me perguntava: 'O que foi que eu fiz? Quando o Edir Macedo foi preso, fui visitar na delegacia. Depois fiz o [Marcelo] Crivella ser ministro da Pesca. Eu ajudei eles a entrarem em Angola e agora com o Bolsonaro eles perderam Angola'."
Pastor Paulo Marcelo Schallenberger

Leia os principais trechos da entrevista:

O encontro com Lula

Em dezembro de 2020, voltava de Fortaleza em um voo noturno. Na madrugada, acordei minha esposa e disse: "Tomei uma decisão. Senti um chamado de Deus para fazer um trabalho. Vou me aproximar do presidente Lula e esclarecer muita coisa para a igreja evangélica do Brasil". De janeiro até julho do ano passado, tentei tudo o que você pode imaginar para conseguir um encontro.

"Pastor do PT", Paulo Marcelo Schallenberger procurou Lula para ajudar na campanha - Roger Melo/UOL - Roger Melo/UOL
"Pastor do PT", Paulo Marcelo Schallenberger procurou Lula para ajudar na campanha
Imagem: Roger Melo/UOL

Em julho, ele me ligou e marcou que nos encontraríamos no Instituto Lula, só que demorou até dezembro para conseguir essa agenda. Sua assessoria disse que ele só poderia me encontrar por 20 minutos no dia 13, às 13 horas. Então eu falei: "é profético".

No dia da reunião, minha esposa até ficou emocionada [quando o viu] e quase caiu para trás [na escada do instituto], mas ele a segurou. Falei que seria difícil falar tudo em 20 minutos, e ele disse "esquece isso". Ficamos 2 horas e 40 minutos.

Ele me pediu para colocar um projeto no papel. Preparei esse material e fiz chegar até ele. Agora tenho reunião marcada com ele junto com o governador [Geraldo] Alckmin [PSB].

Alckmin e os evangélicos

Não preciso ser de esquerda para ser eleitor do presidente Lula. O Alckmin é o tucano mais à direita entre todos do PSDB que conhecemos. O FHC é centro-esquerda. O Alckmin é direita, mas não é o ex-governador que vem para a esquerda, é o Lula que vem para o centro para mostrar que adversários históricos não são inimigos. Achamos muito importante a imagem do Alckmin junto ao eleitorado conservador, evangélico, porque ele sempre teve grande abertura no meio.

Por que procurou Lula?

Minha família toda sempre votou nele. O evangélico também sempre votou. Em 1989, com 14 anos, vi meu avô chorando em frente à televisão. Perguntei o motivo e ele falou "filho, o Lula perdeu a eleição. E esse Brasil só será o Brasil dos meus sonhos se um dia esse homem for presidente". Ele faleceu em 1999 e não viu o Brasil que eu vi.

Isso tudo me veio à cabeça ao ver o que acontece hoje, com a politização da igreja evangélica pelo bolsonarismo. O Lula tem seus defeitos, mas é o único estadista vivo que pode pacificar o país.

Como furar a bolha pentecostal?

Não vim para falar com quem o PT não fala mais. Quero trazer esperança através da memória: 'você era feliz e não sabia'. Eles veem os vídeos do pastor [bolsonarista] Silas Malafaia no WhatsApp, mas o celular veio da China. Está morando na casa do Minha Casa Minha Vida. Aí ele vai lembrar como era o carrinho de compra. É mostrar que não precisa se tornar um ideológico progressista para votar no Lula. Mesmo que não concorde com tudo, mas, por uma causa maior, vote nele.

Vou ter um podcast para entrevistar pentecostais e mostrar que evangélico não é uma coisa só. Vou gerar conteúdo em vídeo para redes sociais, mas é o pessoal do Jilmar Tatto [Secretário de Comunicação de PT] que vai viralizar. Vamos rodar o país com trio elétrico: temos muitas bandas evangélicas que vão falar de Jesus e conscientizar politicamente.

Lula falou: "pastor, quero o senhor viajando o Brasil comigo. Onde eu passar, o senhor fala com os evangélicos da cidade". Mas ele não está muito interessado em ficar em embate com líderes de igreja. Ele disse o seguinte: "vou ser o presidente do Brasil e não de pastor. Não vou governar só para quem votar em mim".

Por que o evangélico bolsonarista mudaria de voto?

Porque antes também votou em Lula e só votou em Bolsonaro depois de 2016 [impeachment e prisão de Lula]. Em 2018, ninguém estava preparado para fake news, bots [robôs] de internet, algoritmo. O maior crescimento evangélico do Brasil foi no governo Lula, quando a igreja não tinha a representação que tem hoje em Brasília.

Mágoa com Edir Macedo

O presidente Lula me falou: "pastor, fiquei 580 dias em Curitiba com uma TV de 14 polegadas. Assisti mais culto do que qualquer outra coisa. Estou pregando melhor que vocês". Depois ele desabafou e até chorou com a gente. Ele perguntava [sobre a Igreja Universal]:

"O que foi que eu fiz? Que mal eu fiz para essa igreja? Em 2003, assinei o direito de culto e liberdade religiosa no Brasil. O maior número de concessão de rádios evangélicas foi no meu governo. Liberei canal de televisão. Quando o Edir Macedo foi preso no governo Itamar Franco, fui visitá-lo na delegacia. Em 1989, botaram até chifrinho em mim na capa do jornal da Universal. Depois fiz o [Marcelo] Crivella ser ministro da Pesca. Ajudei eles a entrarem em Angola e agora com o Bolsonaro eles perderam Angola."

Respondi para ele: uma coisa são os líderes, outra coisa é o povo da igreja. E ele disse: "é exatamente isso o que vou fazer. Não vou falar com eles [líderes]. Quero falar é com o povo". Então não vamos falar com liderança, vamos falar com a igreja. E já estamos falando.

Bancada evangélica vai aderir

A bancada evangélica no Congresso é genérica. Ela não é ideológica. O ex-senador Magno Malta (PL) foi do governo Dilma [Rousseff] e Lula. Ganhou, concilia. E quem não quiser conciliar, fica lá esperneando com a deputada Carla Zambelli (PS-SP), com o bombado [Daniel Silveira (PTB-RJ)].

Os Republicanos [ligados à Universal] é que vão se aproximar do Lula. A primeira coisa que o Marco Pereira [presidente do partido] vai fazer é se reaproximar. O Republicanos é um partido que não consegue ser oposição a ninguém. PL, PP não vão ser oposição de ninguém.

"Querem voltar para a ditadura?"

O evangélico não é uma coisa só. Vamos mostrar que tem muita gente indignada com o bolsonarismo, com o que fizeram com o MEC (Ministério da Educação). Jesus, diz Isaías, capítulo 53, "foi moído por nossas transgressões". Como é que eu vou apoiar torturador? Sou evangélico, mas apoio o ódio?

Ninguém na igreja é radical desse jeito. É uma meia dúzia de barulhentos de internet. Se você ler a Bíblia, fechar e depois ouvir o Bolsonaro, vai perceber a diferença. Jesus fala de amor, Bolsonaro e Malafaia falam de morte. Na ditadura, os evangélicos eram 6,6% da população. Hoje são 30%. Querem voltar para a ditadura?

Lula vai "deixar de lado" pautas de costume

Lula não baseou sua história em pautas ideológicas. Sua principal pauta é fome e trabalho. São pautas de esquerda, mas não são identitárias. 75% dos evangélicos são da classe C, D, E. Quem está desempregado, passando fome vai chegar nessa eleição e dizer: "meu irmão, pauta de costume não está botando comida no meu prato".

Lula precisa disso para ganhar a eleição. Se entrar no discurso de 1989, vai fazer muito barulho, mas não ganha. Ele precisa voltar a ter o discurso de 2002 [quando foi eleito pela primeira vez].

A esquerda tem de ter consciência: se ficar expondo o que que pensa, o que vai estar fazendo? [Vai] Apenas atrapalhando algo maior que é a eleição do presidente Lula. Segura o que pensa e vamos se aproximar."
Pastor Paulo Marcelo Schallenberger

"Lula é contra o aborto"

O Brasil teve uma eleição para deputados reformularem a Constituição [a de 1988]. Dentre os deputados que votaram contra o aborto estava o mais votado de São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva. Votou pela criminalização do aborto, mas também votou junto com outros conservadores para que a mãe, em risco de vida ou após estupro, tenha direito ao aborto.

Lula já falou: "como pai, como avô, como bisavô, sou contra aborto, mas como chefe de estado tenho de ouvir sobre saúde pública".

Foi só um lapso [a recente defesa do aborto pelo ex-presidente]. Ainda bem que foi na pré-campanha. Temos o Alckmin, que, você sabe, representa o antiaborto. Essas pautas precisarão de posicionamento, mas tem de deixar claro que são menores do que os problemas que o Brasil está passando. Não temos de entrar nessa cortina de fumaça que o bolsonarismo vai criar.

Apreensão com arma e droga

[Há oito anos, o pastor foi levado à delegacia sob suspeita de posse de drogas e arma em Foz do Iguaçu]

Em 2014, fui convidado a ser candidato a deputado federal pelo Paraná. Como estava no ápice do meu ministério como pastor, ficaram procurando algo na minha vida pessoal. Esse rapaz que fez a denúncia foi processado e teve que me indenizar.

A arma era do meu segurança que ficava com a minha família. Ela estava com o registro vencido. No coldre da arma disseram que tinha uma substância que no processo não aparece. Meu segurança era ex-policial militar, carteira assinada comigo havia quatro anos. Como a arma estava em casa e ele não estava em horário de trabalho, eu tive que responder.

Fui levado coercitivamente, dei minha declaração e o Ministério Público fez um acordo em que doei umas cestas básicas, e ficou por isso.

Amizade com o pastor bolsonarista Marco Feliciano

O pastor Marco para mim é uma referência como pregador. Nos encontramos pela primeira vez em Maringá [Paraná]. Já fomos para os Estados Unidos pregar, já passamos o Natal juntos. Hoje, temos posicionamentos diferentes, mas converso com ele às vezes. Não concordo, mas respeito a opinião dele. Em 2018, ele foi o evangélico mais votado de São Paulo sem ajuda do Bolsonaro, a quem só apoiou no final do primeiro turno. Hoje, sim, se tornou bolsonarista.

Agora estamos mais distantes. É como palmeirense e corintiano: se chegou em momento de decisão é melhor ficar meio longe um do outro. Creio que depois de outubro, muda. Se o Lula for eleito, como o Marco é muito inteligente, ele vai conciliar de alguma forma.

A profecia

O vídeo em que profetizei que o Bolsonaro não vence viralizou no começo do ano, mas essa profecia é de dez meses atrás. Falo que Deus me entregou uma palavra que Bolsonaro não será o presidente do Brasil. Eu volto a repetir: Jair Bolsonaro não será o presidente do Brasil em 2023.

E profetiza quem ganha?

Não. Eu posso falar como cidadão, mas profetizar é diferente. Ali foi uma orientação espiritual. Politicamente tenho certeza de que o presidente Lula será eleito. Ele tem algo consolidado: [Fernando] Haddad fez 47 milhões de votos depois de um golpe contra Dilma e com o presidente Lula preso, sem direito a dar entrevista. Lula está consolidado com 42% das intenções. Se tirar o mundo evangélico dessa bolha bolsonarista, uns 3, 4, 5 pontos percentuais, Lula ganha no primeiro turno.

Assista à entrevista: