Nada de carne: como é resguardo que homens xavantes cumprem ao ter um filho

Depois de dar à luz, é comum as mulheres terem algumas restrições alimentares para auxiliar na recuperação do corpo e não prejudicar a amamentação —como evitar ingerir chocolate, carnes gordurosas, álcool e cafeína.

Entre os xavantes também existe um momento de resguardo ao se ter um filho, mas ele é cumprido pelos homens. Chamado de couvade, o período na verdade começa muito antes do parto, logo que a criança é gerada, e vai até o filho se tornar adulto.

Porém, a fase mais restritiva da alimentação é no momento em que o bebê nasce, quando o homem fica um tempo sem consumir carne e deve comer uma quantidade de alimento menor do que o habitual.

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Imagem: Domingos Sávio Cordeiro

Além da mudança na dieta, durante a couvade os pais cumprem rituais com ervas e rezas. O objetivo é preparar o corpo da criança para que ela nasça bonita, saudável e ligada aos ancestrais.

O cacique da aldeia Xavante na Terra Indígena Sangradouro, em Volta Grande (MT), Hiparidi Top'tiro, 50 anos, explica que durante a gestação os homens já reduzem o consumo de carne, pois acreditam que o alimento pode interromper a conexão entre a criança e os ancestrais.

"A carne não é um alimento bem aceito pelos espíritos, que desenvolvem um papel essencial na conexão da criança com a ancestralidade Xavante", diz Top'tiro.

Eles evitam também comer a cabeça dos peixes e dos animais de caça. Segundo a crença, o consumo de cabeça de animais pode interferir na formação da cabeça do bebê. "Essa parte do corpo precisa ser consagrada aos ancestrais e preparada pela parteira na hora do nascimento."

Segundo Top'tiro, as parteiras ajeitam a cabeça da criança para que ela tenha um "bom cérebro", durma bem e sonhe bastante —pois os xavantes acreditam que quem sonha muito adia a velhice.

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Ao centro, o cacique Hiparidi Xavante, ladeado por outros membros da etnia
Ao centro, o cacique Hiparidi Xavante, ladeado por outros membros da etnia Imagem: Hiparidi Xavante/Arquivo pessoal

Se quiser que o filho nasça com cabelo liso, escuro e longo, o pai lava os próprios cabelos com a erva Tsuihoire-esse. A planta —que o cacique pediu para Ecoa não revelar o nome em português— também é usada na barriga pelo homem e pela mulher durante a gravidez.

Rituais na concepção da criança

A decisão dos xavantes de ter um filho ocorre mediante autorização e orientação dos ancestrais que "vivem na aldeia dos mortos", explica o cacique. Por isso, eles costumam ter relação sexual para gerar essa nova vida sempre às 3h da madrugada.

"Nessa hora, os espíritos do cerrado estão tranquilos, prontos para ouvir o nosso pedido por uma criança bonita, forte e saudável."

A posição da relação sexual é determinada de acordo com o sexo que se deseja para o bebê. "Se a gente quer que nasça menina, o sexo é de perna aberta. Agora, para nascer menino, é bom fazer a posição de lado, com a mulher de costas para o homem", esclarece.

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Ao homem xavante, é proibido presenciar o parto do filho. "Quando o bebê está nascendo, nós temos que nos movimentar, temos que caçar, pescar, fazer tudo que um indígena faz, para que a criança cresça independente", explica.

O homem xavante não pode assistir ao parto do filho e quando a criança está nascendo deve realizar atividades comuns de seu dia a dia, como pescar e caçar
O homem xavante não pode assistir ao parto do filho e quando a criança está nascendo deve realizar atividades comuns de seu dia a dia, como pescar e caçar Imagem: André Dib / WWF Brasil

Mudanças ao longo do tempo

Além dos xavantes, os pupinambás, ka'apor e tuparis estão entre os povos indígenas que adotam a couvade nos dias atuais.

Mas a forma como os indígenas vivenciam o resguardo mudou ao longo dos anos.

Originalmente, afirmam antropólogos, na hora do nascimento do bebê os homens vestiam-se como as esposa e simulavam as contrações do parto deitados em uma rede, com o objetivo de atrair espíritos maus para próximo do pai e deixar a mulher ter um parto tranquilo. Alguns deles permaneciam na rede por meses, vivenciando todos os cuidados pós-parto.

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A couvade entre os não indígenas

Entre os não indígenas, a couvade é uma síndrome psicossomática, que acomete o marido ou parceiro de uma mulher grávida.

Na síndrome de Couvade, os homens sentem sintomas comuns em gestantes, como desejo por alimentos específicos, enjoo, crise de vômitos e dor de cabeça. Eles somatizam os sintomas da gravidez que, fisicamente, ocorre no corpo da mulher.

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