Como a psicóloga de A Fazenda levou primeiro lama tibetano para a Amazônia

No meio do rio Tapajós, uma fogueira iluminava a floresta escura. Ao seu redor, um êxtase coletivo de cerca de 400 pessoas acompanhava o ritual.

Na parte rasa do rio, um grupo empurrava uma canoa com um ser alheio àquela paisagem.

Um homem oriental, atarracado e careca com uma longa barba negra vestia uma roupa amarela gritante com detalhes em vermelho nas mangas enquanto desenhava numa bandeja de prata um escorpião feito com sementes de gergelim.

O objetivo era ofertar, à fogueira, o escorpião para transformar condições negativas em positivas em prol da preservação da floresta e cura do meio ambiente.

Essa cena e fotografias desse momento estão narrados no livro "Um Lama Tibetano na Amazônia" escrito pela psicóloga Débora Tabacof, que trabalha desde 2001 com reality shows, tendo feito atendimento dos participantes de todas as edições da Casa dos Artistas (SBT) e de A Fazenda (Record).

Lama Gangchen no ritual Puja de Fogo na Amazônia
Lama Gangchen no ritual Puja de Fogo na Amazônia Imagem: Divulgação

No livro, ela conta sua experiência de liderar um grupo que levou o primeiro lama tibetano para conhecer a floresta amazônica.

"Os hábitos dos tibetanos e os hábitos dos ribeirinhos são muito parecidos porque ambos trabalham no nível vibracional, nos cantos, nos mantras, nas danças, nessa conversa com a natureza", contou Tabacof em entrevista exclusiva para Ecoa.

Um pedido inusitado

Lama Gangchen Rinpoche nasceu no Tibete em 7 de julho de 1941 e seu caminho se cruzou com o de Débora Tabacof em 1992, em São Paulo, no Centro de Dharma da Paz Shi De Tchö Tsog.

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"A conexão com o mestre foi imediata", narra em seu livro a psicóloga.

Após vários encontros, ele comentou com ela sobre um filme que viu sobre a Amazônia, convidando-a para liderar uma equipe que o levaria para lá. Lama Gangchen reconhecia em Débora a escolha ideal para essa missão, considerando a extensa história que ela construíra com a floresta ao longo do tempo.

Débora Tabacof, psicóloga da fama e autora do livro "Um Lama Tibetano na Amazônia"
Débora Tabacof, psicóloga da fama e autora do livro "Um Lama Tibetano na Amazônia" Imagem: Reprodução/ Instagram @deboratabacof_

Entre fevereiro de 1990 e março de 1991, ela foi a palhaça Abobrinha esticando picadeiros em comunidades ribeirinhas nos rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas por meio da ONG Saúde e Alegria.

Desde 1987 a organização atua em comunidades amazônicas promovendo saúde, saneamento básico, educação, inclusão digital, economia da floresta, cultura, entre outras atividades.

Enquanto esteve na ONG, Débora, que já era formada em psicologia, foi coordenadora do núcleo de educação e artes e diretora do circo. E foi por meio dele que conseguiu adentrar diversas comunidades da região amazônica.

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Escorpião feito com gergelim no ritual Puja de fogo
Escorpião feito com gergelim no ritual Puja de fogo Imagem: Divulgação

Com toda essa experiência, ela criou, em 1994, a Associação de Artes Curativas Himalaia-Amazonia-Andes, ou apenas aachaa.

A ideia era não só levar o Lama Gangchen para a maior floresta tropical do mundo como criar uma rede que despertasse nas pessoas um ideal de importância do meio ambiente por meio da meditação e da arte.

A chegada de Lama Gangchen à Amazônia foi e será a maior realização de um propósito. Em julho de 1996, pela primeira vez na história, um mestre budista tibetano pisou em solo amazônico. Débora Tabacof no livro "Um Lama Tibetano na Amazônia"

Um lama pisa na Amazônia

Oitenta pessoas desembarcaram em Santarém, no Pará, para acompanhar a inédita visita de um Lama tibetano à Amazônia. Em três barcos cobertos por redes coloridas, todas foram em direção às comunidades ribeirinhas.

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A bordo, os tripulantes faziam churrasco de pirarucu e tambaqui, peixes típicos da região, e por vezes aportavam nas praias para tomar banho de rio.

Embarcação que levou primeiro lama tibetado para a Amazônia
Embarcação que levou primeiro lama tibetado para a Amazônia Imagem: Divulgação

Não era permitido dar descarga no barco para não poluir a água ao redor. Assim, Débora conta que, quando não utilizavam os sanitários das comunidades visitadas, os passageiros da aachaa precisavam dar uma longa caminhada para encontrar um local que pudesse servir como banheiro.

Por fim, a primeira comunidade visitada foi em Vila Gorete, no rio Arapiuns. Era noite e, ao contrário do ânimo inicial, o clima foi de desolação.

"Desci do barco de mãos dadas com Lama Gangchen e fomos nos sentar em uma mesa de onde eu via um mundo escuro", narrou Débora em seu livro.

Embarcação do aachaa
Embarcação do aachaa Imagem: Divulgação
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A troca que imaginavam que fariam com a comunidade não existiu nesse primeiro momento, muito pelo contrário. Os comunitários fugiram para o interior da mata com medo do grupo. A primeira lição surgiu ali.

Era legítimo que os habitantes locais fossem refratários ao desconhecido, devido à memória do impacto colonizador na história da região. Débora Tabacof no livro "Um Lama Tibetano na Amazônia"

Conexão Amazônia-Tibete

O clima perdeu seu peso inicial assim que o circo entrou em cena. Foi por meio dele, através da palhaça Abobrinha, que Débora Tabacof conseguiu ganhar a confiança dos líderes das comunidades por onde passava com o Lama Gangchen e a turma do aachaa.

Lama Gangchen em prática meditativa na Amazônia
Lama Gangchen em prática meditativa na Amazônia Imagem: Divulgação

A partir daí, a troca que a psicóloga desejava que ocorresse entre os saberes tibetanos e os saberes da floresta, segundo o que ela conta em seu livro e em entrevista à Ecoa, aconteceu.

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"O budismo tem uma relação muito profunda com o meio ambiente, porque, segundo o que aprendi, ele fala que você precisa dos elementos da natureza para se desenvolver espiritualmente", explica Débora.

Se deixo de comprar produtos produzidos com madeira ilegal, por exemplo, estou exercendo a compaixão. E o budismo nos ensina a direcionar a nossa mente e reconhecer esses sentimentos. Débora Tabacof

Antes de falecer vítima da covid-19 em 2020, Lama Gangchen ainda esteve na Amazônia em outras duas ocasiões, em 1998 e na passagem de 1999 para os anos 2000.

Sua presença, para Débora, foi importante não só para fortalecer os laços entre os saberes indígenas e ribeirinhos com o budismo como também para levar as demandas da Amazônia para outros cantos do planeta.

"O que pretendo com meu livro não é apenas contar as minhas aventuras, mas, sim, inspirar as pessoas para que elas também se comprometam com a realidade do meio ambiente", diz Débora.

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