Cientistas estão usando cascas de coco verde para descontaminar águas no RJ

Pesquisadores do Rio de Janeiro estão usando o coco verde para descontaminar águas. O estudo remove contaminantes emergentes utilizando as cascas da fruta por um mecanismo que funciona por adsorção, um fenômeno científico que envolve o contato entre um sólido e um fluido e resulta na transferência de massa da fase fluida para a superfície do sólido.

É um processo semelhante ao que acontece quando se utiliza o carvão para retirar o mau cheiro na geladeira. A técnica transforma o farelo da casca do coco verde em biocarvão magnético que absorve todo tipo de impurezas, até dejetos de antibióticos e hormônios, e pode ser utilizada até no tratamento de esgoto.

Segundo o Instituto de Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), a princípio a intenção é descontaminar água de consumo, mas o trabalho tem potencial para ser aplicado em rios, lagos etc.

Orientadora da pesquisa, a professora Marcela de Moraes contou a Ecoa que a equipe voltou os olhos para as cascas do coco por se tratar de uma fruta bastante consumida no país, com um "índice impressionante" de geração de resíduos.

Castas de coco acabam em aterros sanitários e demoram até 15 anos para se decompor
Castas de coco acabam em aterros sanitários e demoram até 15 anos para se decompor Imagem: UFF / Divulgação

Lixo preocupante

"O Brasil é o quarto maior produtor mundial de coco, e o consumo da água de coco verde tem aumentado progressivamente. Com isso, se observa um significativo aumento na geração da casca como resíduo. No Rio de Janeiro, principalmente durante o verão, é comum se observar as lixeiras nos quiosques das praias lotados de cascas de coco verde, que geralmente são levadas para aterros sanitários e lixões", relatou.

Esse cenário, destaca a pesquisadora, representa uma preocupação econômica, considerando o elevado gasto com a limpeza urbana, e ainda um problema ambiental, visto que a sua degradação demora de 10 a 15 anos. Isso significa que o grande volume do resíduo acaba resultando no esgotamento precoce dos aterros sanitários.

No início de 2020, relembra a professora, a população do Rio de Janeiro recebeu água com coloração turva, odor e gosto desagradável. À época, a contaminação da água foi atribuída à presença da geosmina, que não é removida pelos processos utilizados rotineiramente nas estações de tratamento de água.

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A solução encontrada para sanar essa crise hídrica na ocasião foi utilizar o carvão ativado para a remoção da substância, demonstrando a eficiência do processo de adsorção em carvão ativado para a obtenção de água limpa e pura.

"A solução proposta pelo nosso grupo de pesquisa tem como objetivo utilizar um resíduo urbano abundante no Brasil, e que causa uma grande preocupação ambiental, para garantir a disponibilidade de água tratada para a geração presente e futura através de uma abordagem eficiente e barata."

Processo descontaminante

A fibra do coco é transformada em biocarvão magnético que absorve as impurezas da água
A fibra do coco é transformada em biocarvão magnético que absorve as impurezas da água Imagem: UFF / Divulgação

De acordo com Marcela de Moraes, a casca do coco verde é seca e triturada para obtenção de um pó. Esse pó é misturado a um agente químico que promove o aumento de sua área superficial e da sua eficiência como adsorvente.

O material é, então, aquecido em um processo chamado de pirólise, que ocorre na ausência de oxigênio e envolve uma sequência de reações complexas. "Através do uso de calor, é possível converter a casca do coco verde em três produtos: sólido (biocarvão), líquido e gases. Quando o produto de interesse do processo de pirólise é o biocarvão, geralmente o processo utiliza baixas temperaturas, e, portanto, demanda menos energia. Os demais produtos obtidos (líquido e gás) possuem outras aplicações tecnológicas, que incluem atividade anticorrosiva e biológica, o que, portanto, contribui para a economia circular", destaca a professora.

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O processo de adsorção ocorre quando substâncias presentes em um líquido ou gás ficam retidas na superfície de um sólido. Assim, quanto maior a área superficial do sólido, maior a capacidade de reter tais substâncias. O carvão é um material poroso como uma bola de bilhar cheia de pequenos furinhos. O uso de agentes químicos durante o processo de pirólise aumenta a sua área superficial, fornecendo o chamado carvão ativado.

Em princípio, ressaltou Marcela, o biocarvão magnético pode ser utilizado para descontaminar qualquer tipo de água. O ideal é que a água a ser tratada esteja em um tanque para que o material adsorvente possa ser recuperado no final do processo.

"O biocarvão magnético apresentou o dobro da eficiência de carvões ativados comerciais para a remoção de contaminantes em água. Neste estudo, a cafeína e o ácido salicílico foram estudados como contaminantes modelos, tanto individualmente como em uma mistura. Em todas as condições investigadas, o biocarvão magnético apresentou um desempenho excelente quando comparado a outros materiais descritos por outros grupos de pesquisa, nacionais e internacionais", afirmou.

Utilização em larga escala

O trabalho está em revisão para publicação no Journal of Environmental Chemical Engineering. A pesquisadora explicou que, com o auxílio da Agência de Inovação da UFF, a equipe busca a patente do método desenvolvido.

Com relação à aplicação em larga escala, já há diálogos com parceiros interessados na tecnologia para iniciar os testes em escalas maiores, em ambientes controlados para, em seguida, aplicar possivelmente como rotina nas estações de tratamento de água.

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"Além de buscar a aplicação do material em maior escala, estamos trabalhando no estudo do uso do biocarvão de coco em outros processos ambientais e na associação de outras tecnologias para a remediação de contaminantes emergentes junto ao processo de adsorção do material desenvolvido", diz a cientista.

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