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'Guardava como um tesouro': Sem oftalmologista, idosa ganha óculos de ONG

Após começar como voluntária, Bruna Gil Ferreira tornou-se diretora médica da ONG Renovatio - Divulgação/Renovatio
Após começar como voluntária, Bruna Gil Ferreira tornou-se diretora médica da ONG Renovatio Imagem: Divulgação/Renovatio

Pâmela Carbonari

Colaboração para Ecoa, em Florianópolis (SC)

23/06/2023 06h01

A diretora médica da ONG Renovatio Bruna Gil Ferreira ainda lembra dela: era uma senhora, tinha 19 filhos, muitos netos e bisnetos. Com baixa visão, aquela mulher do interior do Amazonas precisava de óculos para conseguir tocar a vida.

Graças à organização que Bruna dirige, a senhora amazonense finalmente conseguiu atendimento necessário e um par de óculos. "Quando voltamos lá, perguntei a ela se estava usando os óculos. Ela me levou à cozinha, pegou um jarro e tirou de dentro uma meia, com o par dentro. Guardava com muito carinho, como um tesouro", relembra a diretora.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um em cada seis brasileiros possui algum problema na visão. Num cenário de grande desigualdade que afeta o acesso a oftalmologistas, a ONG Renovatio está fazendo a diferença.

Fundada em 2014, ela viaja o país inteiro com um consultório itinerante de oftalmologia, distribuindo óculos a quem precisa. Até 2022, a Renovatio ofereceu 264 mil atendimentos, 105 mil consultas e doou 85 mil óculos em 23 estados brasileiros, além do Haiti.

Tudo começou quando Ralf Toenjes, então estudante de Administração e Economia no Insper, em São Paulo, se uniu a dois colegas. Alarmado com a quantidade de brasileiros que não podem pagar um óculos, ou sequer sabem que precisam de um, Toenjes decidiu combater os dois problemas de uma vez: levar atendimento gratuito a locais remotos e oferecer óculos grátis para quem precisa.

Fundador da ONG, Ralf Toenjes quer democratizar o acesso à saúde ocular no Brasil - Divulgação/Renovatio - Divulgação/Renovatio
Fundador da ONG, Ralf Toenjes quer democratizar o acesso à saúde ocular no Brasil
Imagem: Divulgação/Renovatio

Mutirões em comunidades isoladas

O trabalho da Renovatio se dá a partir de mutirões, incluindo ações humanitárias em comunidades indígenas e ribeirinhas. São cerca de 70 funcionários fixos, além de centenas de médicos — somente no ano passado foram mais de 300. A maioria é remunerada, para dar conta do volume de atendimentos realizados, explica Toenjes.

Após começar como voluntária em uma dessas iniciativas, Bruna Gil Ferreira se tornou diretora médica, responsável por coordenar e orientar os colegas que atendem na ONG.

"Pudemos levar conhecimento e tecnologia a pessoas que vivem em favelas ou em regiões isoladas no meio da Amazônia e a muitos dos 71% dos municípios brasileiros que não dispõem de um oftalmologista", diz ela.

Também há o desafio logístico. "A gente faz um trabalho muito diferente das outras unidades de saúde, pois temos que montar e desmontar equipamentos para levá-los de um lugar a outro e organizar o processo para termos o máximo de eficiência, atendendo o maior número possível de pessoas", explica Bruna.

Além de dois consultórios equipados dentro de um ônibus, a Renovatio conta com um moderno caminhão, transformado em clínica móvel, que leva equipamentos de ultrassom, tomografia de córnea e retina, entre outros, a lugares remotos — muitos dos quais sequer conheciam o colírio.

Outro caso marcante para a ONG foi a transformação do menino Luan. Morador de uma comunidade quilombola no interior do Tocantins, ele era portador de ceratocone, enfermidade em que a córnea se projeta para a frente, formando uma espécie de cone. "Ele só enxergava vultos. Fiquei com aquilo na cabeça", lembra Bruna.

O pequeno Luan junto com a equipe médica que lhe deu a oportunidade de enxergar com dignidade - Divulgação/Renovatio - Divulgação/Renovatio
O pequeno Luan junto com a equipe médica que lhe deu a oportunidade de enxergar com dignidade
Imagem: Divulgação/Renovatio

No ano passado, a Renovatio fez uma campanha de ceratocone em Maringá (PR), em parceria com o Hospital Almodin, e bancou a viagem e a cirurgia para o garoto. "Quando tiramos o tampão, no pós-operatório, ele enxergava normalmente. Choramos todos no consultório", recorda com emoção a médica.

O impacto da desigualdade para a saúde ocular

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é necessário um oftalmologista para cada 17 mil habitantes de modo a garantir uma cobertura necessária. Embora o Brasil cumpra com folga esta meta — com média de um profissional para cada 10 mil —, a diferença de atendimento é grande entre as regiões.

De acordo com o Censo do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), divulgado em 2021, estados como Rio de Janeiro e São Paulo possuem um oftalmologista para apenas 7 mil habitantes, enquanto lugares como Pará e Amapá acumulam uma média três vezes pior, de um especialista para cada 22 mil pessoas.

No Piauí, em Roraima e no Tocantins, menos de 10% dos municípios contam com pelo menos um oftalmologista, segundo o CBO, dos quais parte se encontra na rede privada — o que, na prática, inviabiliza o acesso a muitos desses cidadãos.

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