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Após coma e falência, ele caminha por praias de 12 estados recolhendo lixo

Mathias Ferreira, 25, recolheu mais de 5 toneladas de plástico das praias. - Arquivo pessoal: Mathias Ferreira
Mathias Ferreira, 25, recolheu mais de 5 toneladas de plástico das praias. Imagem: Arquivo pessoal: Mathias Ferreira

Giacomo Vicenzo

De Ecoa, Em São Paulo (SP)

31/05/2023 05h00

Com uma máscara de gás no rosto, o uruguaio Mathias Ferreira, 25, consultor ambiental, caminha por praias brasileiras recolhendo plástico e outros resíduos encontrados nas encostas. O jovem fez uma grande "caminhada" do Brasil ao Uruguai com a missão de recolher todo o lixo que encontrava na faixa de areia.

"Percorri praias de dois estados, saindo de Balneário Camboriú (SC), caminhando a maior parte do tempo pela faixa de areia até chegar ao Uruguai. A máscara de gás passa uma mensagem forte, o plástico e nosso lixo é tóxico para nós mesmos e para a Terra", diz Ferreira.

Entre idas e vindas, o jovem está há sete anos no Brasil, e a sua primeira chegada se deu depois de um acidente de trânsito que o deixou em coma por 30 dias em sua cidade natal Cerro Largo, Uruguai, que faz fronteira com o estado do Rio Grande do Sul.

"Estava saindo de uma balada alcoolizado e bati a moto em um caminhão. Fiquei 30 dias sem nenhum de meus sentidos, internado. Após acordar, decidi dar outro rumo à minha vida", lembra Mathias.

Um mascarado contra o "lixo"

Usando uma máscara de gás, ele recolheu mais de 5 toneladas de lixo das praias. - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira
Usando uma máscara de gás, ele recolheu mais de 5 toneladas de lixo das praias.
Imagem: Arquivo pessoal/Mathias Ferreira

Entre os rumos de sua mudança de vida esteve a vinda ao Brasil, onde Mathias trabalhou como garçom por algum tempo em Balneário Camboriú em um restaurante que ficava em uma praia de nudismo, momento em que se aproximou de temas ambientais, e cursou gestão ambiental em uma disciplina EAD pela Universidade Católica de Brasília.

Com a chegada da pandemia de covid-19, ele perdeu seu posto de trabalho e viu sua renda ruir, tendo como única alternativa retornar ao Uruguai. "Mas eu queria fazer algo diferente com esse retorno, então decidi voltar caminhando e fazendo essa limpeza nas praias vestindo essa máscara", conta.

Documentando a jornada pelas redes sociais, ele comeu e dormiu com a ajuda de pessoas que se sentiram tocadas por sua história. A peregrinação levou dois meses para chegar ao seu país de origem e foi ovacionado com algumas reportagens na imprensa uruguaia e na brasileira.

Surf com tampinhas de garrafa, 5 toneladas de lixo e romance

6 - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira
Mathias caminha pela praia com a ajuda de apoiadores de sua iniciativa para recolher lixo da areia.
Imagem: Arquivo pessoal/Mathias Ferreira

De volta ao Uruguai, ele decidiu voltar a caminhar pelas praias novamente, dessa vez tendo como destino um ponto final ainda mais distante - o estado do Maranhão.

"Comecei essa nova caminhada como um processo artístico e ambiental, que durou 14 meses. Nesse caminho, recolhi cerca de 5,5 toneladas de resíduos das praias", conta Mathias.

Para se sustentar financeiramente, o jovem realizava trabalhos esporádicos em bares e restaurantes nas praias em que passava e vendia os resíduos recicláveis. Além disso, passou a produzir pranchas de hand surf com tampinhas de garrafa e outras partes plásticas que encontrava na faixa de areia.

Pranchas de hand surf são feitas com tampinhas de garrafa pet. - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira
Pranchas de hand surf são feitas com tampinhas de garrafa pet.
Imagem: Arquivo pessoal/Mathias Ferreira

"A ideia sempre foi transformar esses resíduos que terminam em lixões e aterros sanitários. Esse material tem um valor muito importante e pode ser reutilizado gerando dinheiro a partir de sua transformação e reutilização", diz Ferreira.

Ao todo, Mathias atravessou mais de 12 estados do litoral brasileiro. Agora, há cerca de um ano, está vivendo em Imbassaí (BA), onde conta com a ajuda e companhia da enfermeira sanitarista, Luzane, 39, que conheceu durante suas caminhadas.

"Conheci ela em Itacaré em uma dessas caminhadas e segui meu caminho, mas prometi que voltaria. Namoramos há cerca de um ano, ela embarcou nessa junto comigo por amor, mostrei para ela a importância do trabalho e de cuidar da natureza", conta Mathias.

"Desde o primeiro momento senti em Mathias a energia de querer fazer o bem, nunca conheci alguém tão persistente, batalhador e defensor da natureza, e foi isso que me encantou e encanta até hoje. Nossa conexão foi instantânea e tenho aprendido muito com ele", diz Luzane.

Mapeamento de lixo internacional russo e chinês

No trabalho diário de recolher resíduos, Ferreira tem encontrado outros materiais poluidores, como vidro, papelão e redes de pesca, mas o que mais tem chamado a sua atenção nos últimos tempos foi o lixo internacional.

"Encontrei embalagens de vários países, como uma produzida na Rússia em 2001 e mais de 200 garrafas da china", conta o jovem.

Embalagem de shampoo russa encontrada na praia. - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira - Arquivo pessoal/Mathias Ferreira
Embalagem de shampoo russa encontrada na praia.
Imagem: Arquivo pessoal/Mathias Ferreira

Agora, Mathias está negociando um projeto ambiental em parceria com a UFBA (Universidade Federal da Bahia), em que traz uma proposta de educação ambiental para a comunidade local e levantamento de dados sobre o tipo de resíduo que está retirando das praias - além do seu reuso.

"Atualmente ele produz pranchas de surf de mão, mas a intenção é transformar os resíduos de plástico em móveis, e iremos fazer um levantamento com estudo ciêntífico e mapeamento desse lixo internacional que está encontrando na praia de Imbassaí", explica Suzana Más Rosa, pesquisadora do Núcleo de Pós Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia e Coordenadora da Câmara de Resíduos do Painel Salvador Mudança do Clima.

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