Carteado educativo? Jogo convida jovens a terem uma DR sobre assédio sexual
"Jogaria esse joguinho fácil com meus amigos."
"O jogo provocou mudança de opinião entre nós que jogamos."
"Gente, amei! Onde compra para jogar com a família?"
"Que jogo sociológico, mano!".
Essas foram algumas das reações dos alunos de 14 a 18 anos do Colégio Universitário da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), na grande São Paulo, que participaram das oficinas de experimentação do jogo DR, criação da professora Rebeca Nunes Guedes de Oliveira, docente da área de saúde e do Mestrado Profissional em Inovação na Comunicação de Interesse Público (PPGCOM) da USCS. Foram 63 partidas, com 300 adolescentes.
O DR, popular abreviação de "discutir a relação", tem como objetivo colocar na mesa, de maneira lúdica e reflexiva, temas como desigualdade e a violência de gêneros, a relação com o corpo, a influência parental, a maneira de expressar a sexualidade, a cultura do estupro, a culpabilização da mulher pela sociedade, homofobia, entre outras questões.
Para a criação do jogo, o projeto teve uma primeira fase na qual os alunos, todos do ensino médio, receberam um questionário que investigou o que eles buscavam de informações sobre o tema, que tipo de música eles ouviam, que jogos eles curtiam.
Uma segunda etapa foi, por meio de oficinas, coletar o que os adolescentes entendiam sobre assuntos como namoro, violência, relacionamento abusivo e questões de gênero. Pesquisadores da Universidade de São Paulo, da Universidade de Brasília e alunos da pós-graduação também participaram do projeto.
Rebeca, que é líder do "Grupo de Pesquisa Gênero, Mulher e Cidadania: perspectivas interdisciplinares em saúde e comunicação" da universidade, diz que o jogo foi todo construído e validado pelos alunos — foi na fase de validação que as frases dos estudantes que abrem esta reportagem foram coletadas. "Eu fui só uma mediadora", diz a professora sobre a importância da fase de pesquisa.
O DR traz 110 cartas roxas com frases que precisam ser completadas por palavras ou sentenças que estão em cartas cinzas. O objetivo é escolher a melhor frase.
Entre as expressões sugeridas estão "assédio sexual", "namoro virtual", "me vestir como eu quiser" e "manifestação feminista" — são essas que apresentam novos conceitos aos jogadores. A cada rodada um jogador é o "narrador", que escolhe uma carta roxa a ser completada. Os demais escolhem uma opção de carta cinza, entre dez opções que tem em mãos. Ganha um ponto quem for o dono da carta cinza escolhida por todos. O jogo termina quando um jogador conseguir três pontos ou cinco, se os jogadores desejarem uma partida mais longa.
Mas há outras variantes que mexem com essa dinâmica. Algumas cartas roxas indicam que os participantes precisam comprar uma carta amarela — existem 40 nessa cor. Essas se dividem em "dominação", que expõe situações que reforçam desigualdades e violência de gêneros e que tiram pontos do jogador; "resistência", com condições que promovem a igualdade de gênero e distribuem pontos; e "duelo", com afirmações polêmicas que devem ser debatidas.
O jogo não é um material didático. Ele é superdivertido. É uma maneira de colocar todos esses temas em movimento, para o centro de um debate em que os jovens são os protagonistas. Não há necessidade de um professor acompanhar, dizer o que é certo ou errado. São os alunos que apontam isso. Se alguém se comportar de maneira preconceituosa, o próprio grupo repele, explica a professora. Rebeca Nunes Guedes de Oliveira, docente da área de saúde e do Mestrado Profissional em Inovação na Comunicação de Interesse Público (PPGCOM) da USCS.
O projeto foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
"O jogo não vai acabar com a violência de gênero. Mas ela é importante para mobilizar a reflexão do adolescente. Ele coloca em movimento temas que estão presentes na vida dos adolescentes, mas que nunca entram em debate. E faz isso de maneira segura, testada, com rigor científico", adianta Rebeca, sobre as conclusões.
O objetivo também é apresentá-los a outras escolas. A primeira tiragem do jogo foi de 60 exemplares. Rebeca ainda aguarda um parecer jurídico sobre como disponibilizar os jogos para colégios e secretarias de educação. Escolas que têm um projeto de aplicação, como o colégio universitário da USCS, terão prioridades para a parceria.
Ilustrações são inspiradas em grafite de rua
O professor João Batista Freitas Cardoso, que também faz parte do grupo de pesquisa do programa de pós-graduação da Universidade de São Caetano do Sul, é o responsável pela concepção da identidade visual do jogo e da criação das ilustrações que acompanham as cartas e a caixa do DR.
Ele acompanhou, juntamente com a professora Rebeca, toda a pesquisa para o desenvolvimento do projeto, inclusive as aplicações das oficinas.
Nas ilustrações de cartaz e caixa, era preciso respeitar alguns dos pontos essenciais do jogo: não marcar gêneros, por isso não é possível identificar claramente se as figuras representam homens ou mulheres; não marcar raça, por isso elas são coloridas, em tons de laranja ou roxo; e, por fim, não marcar classe social.
"A ideia é a de que adolescentes e jovens não enxerguem nessas figuras tipos específicos de pessoas, mas que eles possam reconhecer seus colegas nelas", diz o professor. Quem prestar atenção nos desenhos, vai perceber que há neles uma dualidade. Em algumas peças há flores com pontas mais agressivas. Em outras, as adagas têm curvas mais delicadas. Na caixa, uma das figuras tem em sua mão uma rosa cujo cabo termina em espada da lâmina curta.
Tudo isso para não criar estereótipos do que seria uma pessoa mais agressiva ou uma pessoa mais frágil a fim de evitar pré-julgamentos sobre as questões que o jogo levanta. Os desenhos que estampam as cartas foram inspirados no grafite de rua, arte que o professor tem utilizado com seus alunos em outras pesquisas.
"A intenção não era fazer apenas um protótipo amador, por isso o projeto foi realizado com tanto cuidado. A ideia é que ele seja financiado por uma empresa alinhada com esse tipo de discussão para ser produzido em larga escala para ser distribuído nas escolas ou comercializado", diz o professor.
Esta reportagem foi desenvolvida em parceria com a Republica.org, organização social apartidária e não corporativa que se dedica a contribuir para a melhoria do serviço público no Brasil, em todas as esferas de governo.
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