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Publicitária cria instituto para desmistificar o câncer para as crianças

Além das publicações, o instituto desenvolveu um aplicativo com minigames para divertir e trazer informações sobre a doença  - Reprodução
Além das publicações, o instituto desenvolveu um aplicativo com minigames para divertir e trazer informações sobre a doença Imagem: Reprodução

Lílian Beraldo

Colaboração para Ecoa, em Brasília

11/03/2022 06h00

Levar informação acessível, clara e otimista para crianças diagnosticadas com câncer foi o que levou a publicitária paulistana Simone Mozzilli, 44 anos, a criar o Instituto Beabá e a dedicar os seus dias a entender mais essa doença que afeta cerca de 8 mil crianças por ano só no Brasil.

Para tratar de um assunto tão pesado de forma mais leve, Simone usou os seus conhecimentos na área de comunicação para criar uma cartilha ilustrada que ajudasse a desmistificar conceitos médicos. Nela, termos, procedimentos e instrumentos usados pelos profissionais de saúde durante o tratamento de casos de câncer são "traduzidos" e ganham uma versão mais próxima da realidade infantil. O material ajuda as crianças a entender o que se passa com elas e traz uma visão um pouco mais positiva que incentiva os pequenos a se engajarem no tratamento.

Linguagem otimista

Na avaliação de Simone, as crianças são naturalmente curiosas e é ruim tentar ocultar o que se passa com elas em termos de saúde. "É difícil. Muitas vezes, por proteção, a gente acaba não sendo honesto e eu acho que isso piora tudo."

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Capa da cartilha que ajuda a desmistificar conceitos médicos para crianças e suas famílias
Imagem: Reprodução

Apesar da preocupação de pais e adultos e da tentativa de driblar o sofrimento deixando de revelar o diagnóstico, ela afirma que os pequenos querem e merecem saber a verdade. "Eu acho que a gente não está preparado para as perguntas das crianças. A gente finge que não sabe, acha que é criança e, por isso, não vai entender. Mas o mais louco é que, se você for a qualquer hospital e perguntar, elas sabem o nome dos medicamentos, o protocolo, sabem quantas vezes o enfermeiro dobra o algodão pra limpar o cateter."

Para lidar com as prováveis perguntas das crianças, a cartilha do Instituto Beabá usa uma linguagem didática e positiva. Ao abrir o guia, a definição de "acesso", por exemplo, é a seguinte: "Para um remédio, sangue ou qualquer tipo de líquido chegar até a corrente sanguínea, ele precisa achar uma entradinha, ou seja, os enfermeiros precisam fazer um furinho na veia do paciente, criando um acesso venoso central. Respire fundo que a picada dura um segundo!".

"A oncologia tem um pouco dessa linguagem do terror. É sempre falando que o tratamento vai te deixar mal. Ou ainda quantos casos e quantas mortes por ano. É difícil achar algo que fuja disso. O objetivo da cartilha é levar informação, mas de forma mais otimista", destaca a fundadora.

Trabalho voluntário

A história de Simone com a oncologia pediátrica começou há alguns anos, quando ela passou a atuar como voluntária em asilos, casas de apoio e creches. Foi num hospital para crianças com câncer, entretanto, que ela se apaixonou definitivamente pelo voluntariado.

"Em 2011, eu conheci uma menininha que estava se tratando aqui em São Paulo. Ela tinha vindo de Manaus. Eu fiquei super amiga da família e via a necessidade e a falta de informação. Tinha muita coisa que eles não entendiam."

Foi essa menina — a quem Simone achava que estava ajudando — que acabou salvando a vida da paulistana.

"A gente estava conversando e eu acabei falando que tinha um cisto no ovário. E ela brincou comigo dizendo que estava passando por muitas cirurgias e que eu não tinha coragem de fazer uma coisa simples. Três meses depois que a Ana Luiza morreu, eu fui tirar esse cisto do ovário. Eu pensei: bom, vou fazer a cirurgia, acordar no quarto e ir para casa. Mas quando eu acordei, fui informada de que, na verdade, aquilo não era um cisto, mas um câncer em estágio avançado", relembra.

Junto com o diagnóstico e o susto, vieram também as informações sobre o tratamento, a quimioterapia e um material distribuído aos pacientes sobre a doença. "Foi quando eu percebi: não são as crianças ou as famílias que não entendem. As informações é que são horríveis", completa.

Durante os quase dois anos de tratamento, Simone foi aprendendo e desenvolvendo mais sensibilidade com relação ao tema e, em 2013, ela largou a produtora da qual era dona e fundou o Instituto Beabá.

"Uma das coisas mais chocantes que aconteceu comigo foi durante uma das internações. Eu estava careca e recebi um kit que tinha um pente. Como é que você dá um pente para um paciente careca? Eu fui vendo e anotando essas coisas e as crianças começaram a me ajudar."

Aprendizado com os pequenos

A primeira cartilha do instituto foi impressa em 2015. Hoje, a publicação já está na 4ª edição e conta com auxílio dos próprios pacientes para atualização e acréscimo de novos termos.

É o caso, por exemplo, da solicitação feita pelo pequeno José Renato. Primeira criança a receber o guia, ele pediu a inclusão do vocábulo "amputação" — procedimento a que ele foi submetido aos 8 anos por conta do osteossarcoma, um tipo de câncer que se desenvolve nos ossos.

A mãe do menino, Fernanda Lopes, 40 anos, reconhece a importância da cartilha para as crianças com câncer e suas famílias. Ela conta que saiu de Assis, no interior de São Paulo, e chegou à capital paulista desnorteada e sem saber nada sobre a doença. Após um mês no hospital, ela e José Renato conheceram Simone. Segundo Fernanda, depois de ter em mãos o guia, foi nítida a diferença de postura do filho em relação ao tratamento.

simone - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A publicitária paulistana Simone Mozzilli, 44 anos, fundadora do Instituto Beabá
Imagem: Arquivo pessoal

"Os médicos falam a língua deles e a gente não entende nada. O trabalho do instituto é incrível porque eles vão ensinar de uma maneira clara, para quem não está entendendo nada do que está acontecendo. As crianças ficam muito mais seguras de ir fazer um exame, de tirar sangue. É surreal a diferença", relata, destacando que o filho tinha um interesse genuíno pelo material. "Ele lia tudo. Super interessado", conta.

Fernanda afirma que o trabalho do Instituto Beabá não se limita ao período do tratamento e que o apoio da instituição foi essencial durante o momento em que ela vivenciou um duro luto — depois de nove meses de tratamento contra o câncer, José Renato não resistiu e faleceu em novembro de 2016. "O Beabá me ajudou não só durante o tratamento, mas também depois. Quando José Renato faleceu, continuei recebendo apoio e acabei fazendo um curso de luto que é oferecido pelo Instituto Entrelaços [parceiro do Instituto Beabá]."

Foi também por causa do câncer do filho que Fernanda deu uma guinada em sua vida profissional. Mesmo com o diploma de turismo nas mãos, ela resolveu voltar para a faculdade e começou a cursar fisioterapia. Hoje, formada, a intenção dela é atuar com reabilitação em hospitais, home care e na área de oncologia.

Números

Desde 2015, o Beabá doou 10 mil cartilhas ilustradas a hospitais de todo o Brasil. Em 2022, mais 2,5 mil publicações impressas devem chegar às mãos das crianças com câncer. Apesar do esforço, Simone avalia que o número de guias distribuídos ainda é muito pequeno diante da quantidade de novos diagnósticos anuais e das solicitações que a instituição recebe.

"Uma vez, recebemos o pedido de um hospital que não era exclusivamente oncológico. Eles tinham duas crianças internadas no mesmo quarto. O que não recebeu a cartilha disse que queria ter câncer só para poder receber o guia também. Além disso, temos muitos pedidos de mulheres com câncer de mama que têm interesse na cartilha. Infelizmente, não temos condições de atender a todos", lamenta a publicitária, destacando que empresas ou pessoas físicas que tiverem interesse em ajudar o instituto são muito bem-vindas.

Além das publicações, o instituto acabou desenvolvendo outras frentes de trabalho, como eventos voltados a pacientes e famílias, palestras e até um aplicativo com minigames para divertir e trazer informações sobre o câncer. Chamado Alpha Beat Cancer, o app está disponível na App Store e Google Play e recebeu prêmios internacionais, como o World Summit Awards (WSA).

Quer ajudar o Instituto Beabá? Confira o site da instituição ou entre em contato com a Simone pelo e-mail: simone@beaba.org.