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Nova colunista Marina Mathey usa arte e escrita para questionar ordem cis

A artista paulista Marina Mathey, nova colunista de Ecoa - Felipe Avila/Divulgação
A artista paulista Marina Mathey, nova colunista de Ecoa Imagem: Felipe Avila/Divulgação

Juliana Domingos de Lima

De Ecoa, em São Paulo

16/03/2021 17h47

Talvez você já tenha esbarrado no trabalho de Marina Mathey na série "3%", tenha ouvido sua música ou visto uma de suas apresentações. A atriz, cantora e diretora paulista explora diferentes linguagens em sua produção, que é permeada pelas questões de pessoas transgênero.

"Eu transicionei em 2016 e aí muitas coisas mudaram em relação ao meu ponto de vista sobre as coisas, sobre meu trabalho e minha vida", disse a Ecoa, plataforma onde estreia amanhã (17) uma coluna semanal.

As dimensões da vida e da arte acabaram se fundindo no show Trava, criação estreada em 2018 que ela considera um ponto de virada. Desde então, Mathey vem trabalhando também com dança e performance e, atualmente, está envolvida em uma série de projetos: gravou o longa "Cordialmente Teus", do diretor Aimar Labaki, ainda não lançado, apresenta-se musicalmente entre março e abril em vários canais do YouTube e está à frente da direção da peça "MINI-BIUs, BILs, BIOs".

Nessa conversa, ela adiantou um pouco sobre o que os leitores podem esperar de seu novo espaço por aqui.

Como você pretende usar esse espaço da coluna? Quais temas quer abordar?

Não tem como eu não ter, nessa coluna, uma perspectiva não hegemônica. Não quer dizer que por ser uma travesti eu vá falar apenas sobre questões de pessoas trans, mas é inevitável que, falando desse lugar, isso permeie os meus textos, assim como as vivências não hegemônicas em geral, as perspectivas que não estão vigentes enquanto norma.

Vai ser uma descoberta conjunta a partir da trajetória que tive até aqui e de todo mundo que me rodeia. Vou falar um pouco de arte, de questões sociopolíticas e sobre o contexto social em geral. Acho que isso vai variar de acordo com o que estiver acontecendo no momento, mas devo trazer uma perspectiva mais ensaística, analítica e reflexiva sobre as questões humanas e as relações. Acho que isso é um pouco meu.

Com quem você gostaria de falar através dos seus textos?

Pensando na coluna que vai sair amanhã e no texto que escrevi ano passado, tenho dois propósitos: por um lado, ter um diálogo com as pessoas que são mais próximas à minha vivência, num lugar de fortalecimento das nossas ideias. Por outro lado, por ser no UOL, que não tem um público majoritariamente trans ou periférico, conseguir chegar ao público cis, heteronormativo, branco, de classe média alta com essas informações e discussões de uma forma que a gente possa se colocar em embate e debater sobre alguns aspectos que eu vou poder trazer para Ecoa.

Nesse texto publicado no começo de 2020, você tratou da necessidade de que a cisgeneridade se percebesse e teve grande repercussão. Por que acha que o que estava dito ali reverberou tanto?

Pra começar, acho que o título foi muito bem colocado [risos]. Acho que ele pegou, foi um acerto. Várias pessoas me falaram isso. Acho que "quem tem cu tem gênero", além de ter brincado com o ditado popular, foi direto ao ponto. E acho que tem o fato de ser uma questão que está sendo muito discutida seja pelo interesse, seja pelo ódio. Ela está em voga e é algo urgente a ser debatido. É algo que me inquieta inclusive, esse fato das pessoas cisgêneras muitas vezes pensarem que quem tem gênero é mulher cis em diante. O homem cis não tem gênero, ele é o humano.

Acho que tem também o lado do incômodo. Eu recordo que, na época, estava bem de autoestima e falei 'vou olhar os comentários'. E tinha uma grande quantidade de comentários de ódio no texto, de críticas infundadas, gente falando que nem leu o texto inteiro, mas não vai continuar porque o texto é horrível. Fico pensando, "nossa, obrigada, vocês me deram um emprego". Porque a quantidade de pessoas que leu pela metade e se deu ao trabalho de comentar na matéria impulsionou e fez chegar a mais pessoas ainda. Muito obrigada.

Por mais que as pessoas se incomodem, não compreendam ou não queiram compreender, estejam lendo só pra avacalhar, para criticar de uma forma negativa, sem propósito de discussão, fico me perguntando: o que levou essa pessoa a abrir e começar a ler? Algum incômodo, algum interesse, alguma pulga atrás da orelha levou a ler a matéria dessa travesti, a abrir um texto chamado "quem tem cu tem gênero". E alguma coisa ela leu, então alguma coisa chegou.