Topo

Retrospectiva 2020: líderes mulheres e redes de solidariedade contra crises

Criadoras do Indique Uma Preta,  Verônica Dudiman, Daniele Mattos e Amanda Abreu fizeram parte da consultoria do programa de trainee do Magazine Luiza - Divulgação
Criadoras do Indique Uma Preta, Verônica Dudiman, Daniele Mattos e Amanda Abreu fizeram parte da consultoria do programa de trainee do Magazine Luiza Imagem: Divulgação

De Ecoa, em São Paulo

24/12/2020 04h00

2020 vai ser daqueles anos que terão capítulo próprio nos livros de História. Pouca gente poderia imaginar que aquele vírus que começou a circular pela China, no final de dezembro, paralisaria o mundo e se tornaria a pior epidemia desde a Gripe Espanhola. Em março, a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou oficialmente o estado de pandemia, no mesmo período em que o Brasil viu suas primeiras mortes causadas pela Covid-19.

Apesar dos mais de 7 milhões de infectados pela Covid-19 no país e a expectativa de 200 mil mortes até a virada do ano, 2020 também foi marcado por iniciativas e pessoas que trabalharam incansavelmente para oferecer ajuda a quem precisa e propor soluções aos desafios que enfrentamentos neste período.

Em um ano com escolas fechadas, hospitais lotados e florestas queimando, a vontade de mudar o mundo ganhou destaque e Ecoa prosseguiu na missão de contar boas histórias de pessoas e organizações que se engajaram na busca pela transformação e por um mundo melhor.

Separamos abaixo algumas dessas trajetórias em diferentes áreas de atuação que dialogam com diferentes ODSs, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Saúde

Equipe UTI Rondônia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Equipe UTI de Rondônia
Imagem: Arquivo Pessoal

Os sorrisos de 2020 tiveram que ser cobertos por máscaras. Essa foi uma das recomendações da OMS para reduzir o contágio da Covid-19. Quando o novo acessório se tornou obrigatório, a fábrica da Elka, instalada na zona norte de São Paulo, que estava acostumada a fabricar brinquedos da Galinha Pintadinha, passou a produzir máscaras com porcentagem de proteção similar ao modelo N95 convencional, usado por profissionais da saúde.

Outro tema que ganhou destaque neste ano foi a saúde mental. Com o isolamento social, pessoas tiveram que se readaptar ao trabalho e à convivência familiar. Pensando nisso, algumas empresas investiram na saúde mental de seus funcionários. Enquanto a Ambev anunciou a contratação de Mariana Holanda para o cargo de diretora de Saúde Mental, Diversidade & Inclusão e Bem-Estar, o Grupo Sabin Medicina Diagnóstica contratou uma plataforma de gestão de saúde mental chamada Zen Club, em que o colaborador pode marcar o horário da terapia e acessar conteúdos relacionados a qualidade de vida, gestão de saúde e desenvolvimento de carreira.Essas iniciativas devem se tornar uma tendência para os próximos anos.

Já em Rondônia, a AMBIB (Associação de Medicina Intensiva Brasileira) treinou cerca de 50 profissionais e prestou consultoria sobre a gestão de UTIs para hospitais públicos. A ideia de "adotar" UTIs públicas veio a calhar.

O projeto AMBIB Adota teve início em 2019, mas foi colocado na prática neste ano. A associação investiu cerca de R$ 300 mil no Hospital João Paulo II, em Porto Velho.

Trabalho

Protestos em memória de João Pedro - TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO - TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO
Protestos em memória de João Pedro
Imagem: TABA BENEDICTO/ESTADÃO CONTEÚDO

O Brasil ainda luta para reparar o estrago causado na população negra por mais de 300 de escravidão. As mortes do jovem João Pedro, no Rio de Janeiro, e do ex-segurança George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, chamaram a atenção para a violência policial e desigualdade de oportunidades que persiste no continente.

Assim, empresas como Magazine Luiza, Bayer e P&G anunciaram programas de trainees exclusivos para jovens negros. A ação, que chegou a ser criticada nas redes sociais, foi defendida pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) e fez subirem as ações da varejista.

"Um tipo de discriminação que tem como finalidade selecionar pessoas que estejam em situação de desvantagem tratando-as desigualmente e favorecendo-as com alguma medida que as tornem menos desfavorecidas. A cota racial, por exemplo, é um caso clássico de discriminação positiva", afirmou o MPT em nota técnica.

Mudanças climáticas

Brigadista - Reprodução - Reprodução
Brigadistas lutam contra fogo; governo tem base oficial e "não-oficial", com ajuda de voluntários
Imagem: Reprodução

O pantanal brasileiro abriga 263 espécies de peixes, 41 espécies de anfíbios, 113 de répteis, 463 espécies de aves e 132 de mamíferos, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Todos esses animais foram ameaçados neste ano por conta dos incêndios que devastaram a floresta da região. Para evitar a destruição completa do bioma brasileiro, brigadistas temporários e voluntários se apresentaram e foram combater o fogo.

O analista ambiental Alexandre Pereira lamentou que, mesmo realizando um trabalho tão importante, esses profissionais ainda sejam vítimas de fake news. "É um trabalho extremamente árduo e perigoso. Nós dedicamos nossa vida, nos colocamos em risco para fazer o nosso trabalho. Fake news como essas são um não reconhecimento da nossa atividade. É triste", diz.

Outro destaque na luta (e conscientização) sobre as mudanças climáticas que sofremos foi o líder indígena e escritor Aílton Krenak, primeiro nativo brasileiro a levar o Prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, e que lançou, em 2020, "A vida não é útil", potente reflexão sobre o impacto da ganância humana no planeta Terra.

Meio ambiente

Produção dos SAFs da Aldeia Água Viva - Renato Gavazzi - Renato Gavazzi
Produção dos SAFs da Aldeia Água Viva, TI Kaxinawá, da Praia do Carapaná
Imagem: Renato Gavazzi

Foi vendo as cenas dos incêndios no Pantanal que Cora, 11, decidiu se juntar ao Movimento Famílias pelo Clima que processou o governo de São Paulo em setembro deste ano. O Movimento pede explicações ao governador João Doria (PSDB) sobre o programa "IncentivAuto", sancionado em 2019, que prevê investimentos públicos na indústria automobilística. Segundo Flavio Siqueira Junior, o advogado da ação, o programa de Doria contraria o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e os direitos constitucionais das futuras gerações.

"Mesmo que daqui a alguns anos eu cresça, e tals, e consiga sobreviver, futuras gerações e muitos seres vivos, plantas, animais e pessoas podem não conseguir sobreviver. É pelo futuro que me preocupo e vou em protestos para mudar", resume Cora.

E por que precisa existir uma disputa entre produção agrícola e proteção ambiental na Amazônia? A resposta é fácil: não precisa. Yube Hunikuin é um agente agroflorestal e faz parte da etnia Hunikuin, a maior do Acre, espalhada também pelo Peru. Com os conhecimentos adquiridos, ele ensina outros indígenas a produzirem comida mantendo em pé a floresta nativa.

Ele acredita que a adoção de SAF's (Sistemas Agroflorestais) ajude a preservar elementos como a ancestralidade e a religiosidade dos povos amazônicos.
"Sem terra, não temos vida: é nela que plantamos, nela que caçamos, é de onde extraímos a nossa medicina e onde cultivamos a nossa ancestralidade. A terra é nossa mãe, e não nos cabe tirar dela o que tem de valor sem dar nada em troca", diz.

Diversidade

Vivi Duarte - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Vivi Duarte
Imagem: Arquivo Pessoal


Com 10 anos de dedicação à consultoria Plano Feminino, Vivi Duarte se destacou em 2020 após ser escolhida como uma Women to Watch (Mulheres para Ficar de Olho, em inglês) e assumir o cargo de CEO do Buzzfeed Brasil.

A jornalista e empreendedora social atua, por meio do Instituto Plano de Menina, para que jovens entre 18 e 19 anos, que vivem em áreas vulneráveis, possam assumir o controle de suas vidas.

"A menina entra no projeto não se reconhecendo como potência e sai com a visão de futuro maior em relação às que não participam. Esse é o resultado de uma pesquisa que a gente aplicou com a Unilever. Nossas meninas saem mais preparadas para hackear esse sistema, conscientes de questões cidadãs, sociedade, privilégios e dos obstáculos que terão para conseguir furar essa bolha", afirma.

Educação

TransEnem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Caio Tedesco - TransENEM
Imagem: Arquivo pessoal

O regime de ensino remoto adotado em todo o país desde o início da pandemia de Covid-19 permitiu a Caio Tedesco derrubar fronteiras geográficas.

Até o início deste ano, o TransENEM, iniciativa de cursinho pré-vestibulares voltados para pessoas trans e em situação de vulnerabilidade, só atendia estudantes em Porto Alegre. Hoje, estudantes de todo o Brasil podem se cadastrar e assistir às aulas.

O educador apostou em um modelo que mescla o ensino remoto com o EAD (educação à distância) para sanar as necessidades das pessoas que atende.

Mulheres na ciência

Cientista Jaqueline Góes - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Capítulo 7 Linha de frente: Jaqueline Goes, que atuou ao lado de Ester Sabino no mapeamento do coronavírus, trouxe a pauta racial também para o debate
Imagem: Fernando Moraes/UOL

A cientista baiana Jaqueline Góes de Jesus ganhou reconhecimento nacional ao coordenar, ao lado de Ester Sabino, a equipe que primeiro sequenciou o coronavírus na América Latina.

A cientista Jaqueline virou manchete não só pelo feito histórico, mas por escancarar a desigualdade de acesso que pessoas negras têm nas ciências. Para a série Mundo Pós-Covid-19 publicada por Ecoa, ela escreveu sobre o trabalho de pesquisa e o que podemos esperar do mundo ao fim da pandemia.

Vida Urbana

Vivi Torrico e João Gordo - Rodrigo Ferreira e Ugo Soares/UOL - Rodrigo Ferreira e Ugo Soares/UOL
O casal João Gordo e Vivi Torrico trabalha diariamente por alimentos e roupas para pessoas em situação de rua Capítulo 4 A rua é nóis
Imagem: Rodrigo Ferreira e Ugo Soares/UOL

A favela de Paraisópolis, no sul da capital paulista, se tornou destaque ao controlar a pandemia de Covid-19. Contando apenas com apoio interno e doações, a comunidade conseguiu montar uma força-tarefa com ambulâncias com UTI e socorristas para atender aos doentes, além de utilizar duas escolas como casas de acolhimento para que as pessoas infectadas pelas doenças que não tivessem como se isolar ficassem em segurança, sem o risco de contaminar familiares.

A alta nas doações, aliás, foi um destaque durante o ano com mobilização popular para ajudar o próximo, no que foi chamado de onda de solidariedade. Muitas pessoas organizaram-se para doar comida, remédios e cuidado aos moradores de rua, esquecidos na pandemia. Uma dessas iniciativas, a "Solidariedade Vegan" é liderada por Vivi Torrico e seu marido, o apresentador e vocalista do Ratos de Porão João Gordo.

Desigualdade

Paulo Lima, o Galo - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL
Capítulo 4 A rua é nóis: Paulo Lima, o Galo, criador do grupo Entregadores Antifascistas, luta pelos direitos do entregadores de comida, que desempenham função essencial na pandemia
Imagem: Felipe Larozza/UOL

A ida ao restaurante para almoçar ou jantar teve que ser substituída por um pedido de delivery para evitar aglomerações. E assim, os entregadores se tornaram personagens centrais nas grandes cidades brasileiras.

Contudo, esses profissionais recebem pouco apoio dos aplicativos de entrega. Essa realidade fez com que Paulo Lima, mais conhecido como Galo, se tornasse o líder dos Entregadores Antifascistas.

"A minha luta, para a gente construir esses entregadores antifascistas, para gente poder lutar por uma alimentação, por um café da manhã, um almoço e uma janta tem sido tão difícil, companheiros, que vocês não têm noção. Ninguém aqui é empreendedor de porra nenhuma. Nóis é força de trabalho nessa porra!", resume em um vídeo que viralizou.

Gestão Pública

Angela Merkel de máscara - EFE/EPA/RAINER KEUENHOF/POOL - EFE/EPA/RAINER KEUENHOF/POOL
13.dez.2020 - A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, durante coletiva de imprensa para anunciar novas medidas de restrição contra o coronavírus
Imagem: EFE/EPA/RAINER KEUENHOF/POOL


"Dos 12 países que melhor enfrentaram a pandemia, nove são dirigidos por mulheres", afirmou a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet em uma entrevista ao jornal "El País Brasil".

Bachelet que, por sua vez, foi presidente do Chile em duas ocasiões, não está equivocada. Angela Merkel (Alemanha), Jacinda Ardern (Nova Zelândia), Sanna Marin (Finlândia), Tsai Ing-wen (Taiwan), Katrín Jakobsdóttir (Islândia), Erna Solberg (Noruega) e Mette Frederiksen (Dinamarca) controlaram a disseminação do vírus e seus países tiveram índices de mortes abaixo de nações como Brasil, EUA, França, Espanha, Itália e Índia. Todos esses governados por homens.

Na prática, essas líderes provaram que a política é um espaço que mais mulheres devem ocupar.