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Por que o contato de turistas com animais silvestres é razão de preocupação

Boto-cor-de-rosa no rio Negro - Getty Images/iStockphoto
Boto-cor-de-rosa no rio Negro Imagem: Getty Images/iStockphoto

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió (AL)

28/10/2020 04h00

A pandemia de Covid-19 foi um alerta ao mundo de que o contato de homens com animais silvestres traz riscos de transmissão de vírus dessas espécies para seres humanos, as chamadas zoonoses. Foi assim que o novo coronavírus deixou um morcego para infectar milhões de pessoas em todo o mundo. Cientistas alertam que isso pode ocorrer com espécies silvestres e que não é possível garantir a segurança de contatos com esses animais.

Uma pesquisa encomendada pela ONG World Animal Protection (Proteção Animal Mundial) e divulgada ontem (27) revelou que, mesmo diante das informações, 60% dos turistas brasileiros que pretendem ou visitaram parques aceitam ou aceitaram interagir com animais silvestres em visitas a esse tipo de atrações turísticas fora do país.

A pesquisa faz parte da campanha #MeDeixaSerSelvagem. O objetivo é pedir que líderes dos países do G-20 acabem com o comércio global de animais silvestres. A ONG existe há mais de 50 anos no mundo para proteger os animais e melhorar o bem-estar e evitar o sofrimento deles.

O levantamento foi produzido pela startup Hello Research entre agosto e setembro e ouviu 200 pessoas de todo o país. Eram turistas brasileiros que viajaram em 2019 ou 2020, ou têm intenção de viajar internacionalmente nos próximos três anos para os chamados destinos com delfinários (parques e atrações destinados à exibição de golfinhos e outros mamíferos marinhos).

Dados mostram pouco receio

Do total de entrevistados que pretendem ter contato com animais, 30% diz que procuraria se informar antes e saber o risco real de participar ou não de uma atração com esses animais; 23% participaria de uma atração, com cuidados para se preservar, como manter uma distância segura; já 6% afirmou que não tomaria nenhuma precaução ao participar.

Ainda sobre os entrevistados, 56% afirmaram acreditar nos riscos de transmissão de doenças no contato com animais selvagens; Outros 42% que acreditam parcialmente, e 1% que não acredita e/ou não sabe.

Sobre medidas adotadas pelo governo brasileiro, 69% dos turistas entrevistados contaram que apoiariam um "melhor rastreamento e monitoramento do comércio de vida silvestre no Brasil"; outros 65% dizem apoiar "leis mais fortes para reduzir o comércio de animais silvestres no país'; outros 64% defenderiam "mais investimento nas fiscalizações de fronteiras"; e por fim 47% apoiariam "protocolos sanitários mais rigorosos para o comércio de animais silvestres no Brasil".

Para tentar pressionar os governantes, no próximo dia 21 de novembro, quando haverá o encontro anual do G20, a ONG vai pressionar para que líderes pautem o tema, incluindo o governo brasileiro.

Muita Informação, pouca consciência

Segundo João Almeida, gerente de campanhas da ONG Proteção Animal Mundial, os dados mostram que é preciso mais conscientização das pessoas.

"Esse turismo que aproxima pessoas desses animais significa um risco real para a saúde de pessoas. Esperava-se que as pessoas tivessem um comportamento preventivo, já que as zoonoses estão na agenda diária. Mas ainda assim, o percentual de pessoas engajadas é muito baixo. Ou seja, uma coisa é saber, outra é o que vamos fazer com o que sabemos", explica.

Para ele, nada impede de que situações similares ao novo coronavírus ocorram por conta de contatos entre humanos e animais mantidos em cativeiro.

"A Covid-19 é uma doença oriunda de maus tratos a animais silvestres, da exploração para fim de alimentação, e que teve o mercado de Wuhan (China) como foco do problema. Mas essa prática é global. Se a gente quiser resolver o problema e evitar o surgimento de futuras pandemias é preciso uma discussão mundial sobre o problema. Isso inclui não só turismo, mas a caça, a moda, a indústria de alimentos, que são atividades que mantém animais imunodeprimidos, o que é ideal para que patógenos criem mutações que podem gerar o transbordamento patógeno —que é quando eles saltam de animais silvestres para seres humanos", explica.

No Brasil, lembra, é proibida a exploração de manutenção de animais marinhos em cativeiro.

João explica que apesar da pesquisa abranger apenas delfinários, a ONG trabalha para acabar com o turismo que explora em animal em cativeiro de todas as espécies.

"A gente entende que lugar de animal silvestre é livre na natureza, não para fim de diversão humano. Isso não é só delfinários, mas para grandes felinos mantidos em zoológicos, elefantes na Tailândia, as fazenda de tigres na Ásia, para Manaus —que tem um mercado turístico altamente promovido em que várias espécies da Amazônia são retiradas, mantidas em condições predatórias, indignas, para pessoas possam ter essa experiência com animais silvestres", pontua.