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Agroflorestas unem produção à natureza e superam renda da soja na Amazônia

Agrofloresta na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre - Flávio Quental/WWF-Brasil
Agrofloresta na Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre Imagem: Flávio Quental/WWF-Brasil

Carlos Madeiro

Colaboração para Ecoa, de Maceió (AL)

12/09/2020 04h00

Criadas como opção para recuperar áreas degradadas, as agroflorestas estão mostrando como produção e conservação podem caminhar juntas e com bons resultados econômicos. Um estudo feito pelo WWF-Brasil em projetos de duas áreas na Resex (Reserva Extrativista) Chico Mendes, no Acre, mostraram que elas podem chegar ao dobro da rentabilidade da soja, por exemplo após cinco anos.

As agroflorestas analisadas foram criadas em 2015 em parceria da WWF-Brasil com UFAC (Universidade Federal do Acre), Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre.

O estudo avaliou dois modelos de agroflorestas em áreas de solo com diferentes graus de degradação. Um deles, mais degradado, empatou com o rendimento médio anual da soja; enquanto o outro, mais conservado, obteve o dobro de lucratividade.

Os projetos foram implementados na comunidade Altamira, no Seringal Nova Esperança, município de Sena Madureira, e envolveu 12 famílias associadas à Cooperacre (Cooperativa Central de Comercialização Agroextrativista do Acre).

Segundo o levantamento, a relação de custo-benefício obtida no sistema 01 foi 1,6 —ou seja, de cada R$ 10 investidos a família teve retorno de R$ 16 ao fim de cada ciclo produtivo. Nessa área, que tinha sinais de erosão e presença de plantas indicadoras de solos ácidos e pobres em nutrientes, foram implementadas as culturas de feijão, gergelim, margaridão e ingá de metro.

No sistema dois, que atuou em área em estágio inicial de regeneração, essa relação custo-benefício foi ainda maior e alcançou 2,3. No local foram introduzidas as espécies arbóreas araçá boi, camu camu, cacau, açaí, seringueira e cupuaçu.

Segundo o estudo do WWF-Brasil, o retorno do investimento aparece em dois anos. "Em valores atualizados para hoje, o lucro por hectare verificado no SAF 01 foi R$ 22.361,83 e de R$ 52.006,12 no SAF 02. Em suma, os dois sistemas produtivos estudados se provaram não apenas viáveis técnica e financeiramente, mas também bastante atrativos como alternativa de investimento", aponta.

Mais emprego

Ao contrário de modelos tradicionais do agonegócio — como a soja e a criação de gado —, os sistemas agroflorestais têm a maior parte dos custos ligados à mão-de-obra. Isso é sinônimo de um alto potencial de geração de trabalho e renda, o que pode ter papel inclusivo especialmente para mulheres e jovens da floresta.

"Isso gera bastante emprego. Além do mais você produz uma diversidade de produtos que traz segurança econômica, com as várias fontes de renda. Outro fator positivo é que, como os produtos são destinados ao consumo local, as agroflorestas fazem a economia local se movimentar", afirma a Ecoa Edegar Oliveira, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil.

As agroflorestas são indicadas apenas para locais que estão degradados. "Para áreas com florestas em pé temos outros modelos mais vantajosos", diz, citando que as agroflorestas são uma alternativa de sucesso ao aliar reflorestamento com a produção de alimentos.

"Ela tem uma função em áreas já degradadas que foram abertas e precisam ser restauradas. Há modelos com rentabilidade em menor prazo que dois anos, que conciliam a agricultura com hortaliça —e não apenas focado em culturas anuais ou perenes. Como todo processo, tem que ter um investimento inicial, que é a dificuldade do sistema. Por isso precisa de linhas de financiamento também", completa.

Outro desafio para fazer crescer o número e tipos de agroflorestas são os investimentos em políticas públicas para pesquisa e extensão. "Apesar de serem sistemas similares à natureza, elas requerem conhecimento, tecnologia. Tanto a pesquisa, como a parte de assistência técnica aos produtores, são fundamentais para ver cada mais agroflorestas na Amazônia", afirma.

Filha de Chico orgulhosa

Filha do seringueiro que dá nome a Resex Chico Mendes, Elenira Mendes afirma que enxerga com muito orgulho os bons resultados colhidos em projetos de agroflorestas.

"Mesmo sem todos os conhecimentos técnicos e científicos que são possíveis hoje, meu pai já tinha uma noção da necessidade de existir o equilíbrio nas práticas de desenvolvimento socioeconômico, justamente devido ao caráter de múltiplo uso, nas diferentes modalidades. São alternativas econômicas, ecológicas e sociais, tudo o que ele sempre sonhou em existir dentro das Resex", diz.

Sebastiao Aquino, gerente da Cooperacre - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sebastiao Aquino, gerente da Cooperacre
Imagem: Arquivo pessoal

O gerente da Cooperacre, Sebastião Aquino, afirma que o resultado dado pelas duas agroflorestas é maior que o esperado. "Foi uma coisa inovadora, muitos não acreditavam nessa possibilidade por causa do conhecimento limitado extrativista; não sabiam desse outro formato de reflorestar, construir uma floresta produtiva", diz.

A cooperativa presidida por Aquino atua na compra das produções beneficiamento de alguns produtos, como os das agroflorestas. "Lá produzimos, por exemplo, polpa de duas frutas, que ocupam uma pequena área e não agridem o meio ambiente", conta.

Ele afirma que hoje a Resex está com seu limite máximo de 10% de desmatamento, e que as agroflorestas acabam sendo fundamentais para garantir a sustentabilidade local. "É preciso um trabalho de formiguinha, que está começando agora, principalmente no processo de formação. Sempre falamos que se pudermos produzir e preservar vamos ter um modelo ideal, ambientalmente correto. E quando foi criada a reserva, foi criada para ser um novo modelo de reforma agrária que pudesse compatibilizar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade. Isso é o manejo correto", afirma.

Boa opção, diz especialista

A geógrafa e analista de pesquisas do WRI Brasil (que atua com restauração florestal e agroflorestas), Mariana Oliveira, explica que os sistemas agroflorestais se enquadram dentro do processo conhecido como restauração de paisagens e florestas.

"Esse processo é uma composição de várias técnicas e metodologias que podem ser utilizadas no território, que vão desde uma paisagem produtiva, introduzindo elementos arbóreos; a uma complexidade maior, passando por esses sistemas agroflorestais. Tem espaço para todo mundo", explica

Oliveira conta ainda que os sistemas agroflorestais estão presentes já em vários locais do Brasil e se encaixam em um modelo de prover alimentos para consumo local.

"Ou seja, você vai conseguir em uma mesma área introduzir espécies arbóreas, mas também a lavoura. Isso vai diminuindo o tempo do investimento, e com um, dois anos já pode colher milho, mandioca, feijão, colher várias culturas; em um tempo intermediário você traz frutas, outras espécies; e com 30 anos você tem uma madeira de qualidade que vai poder manejar para ter algum tipo de retorno", explica.

O grande diferencial desse sistema, afirma, está em poder ter produtos intermediários da floresta, sem precisar manter a área degradada. "Em longo prazo, esses sistemas reduzem a dependência de uma cultura única, porque o produtor vai estar diversificando, inclusive podendo introduzir animal", finaliza.