Tony Marlon

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Opinião

Por que inauguração da primeira sala pública de cinema em Anápolis importa?

90 milhões de pessoas vivem em municípios que não têm sala de cinema no país. Sejam privadas ou públicas. Anápolis (GO), a uma hora de distância de Goiânia, contava com espaços comerciais, mas faltava algo. Não falta mais. Na última sexta-feira (26), nasceu o Cine Sibasolly, o primeiro espaço público para filmes em 136 anos de vida da cidade.

Para o Cine Sibasolly existir foi feita uma ampla reforma num prédio de 1938 que já foi a prefeitura, depois o fórum. Hoje é um espaço cultural. Foi uma política pública de cultura que possibilitou a realização deste sonho coletivo de décadas. A Lei Paulo Gustavo. Os R$ 100 mil investidos na reforma vieram de lá.

A ideia nasceu do produtor cultural Luiz Fragelli, que escreveu e é o responsável pelo projeto. A implantação acontece via prefeitura local. Este edital (edital é o nome de uma chamada para apoio financeiro de projetos e atividades) permitiu a reforma de espaços culturais ao redor do país. Foi quando veio a ideia para o Luiz: é agora.

"As pessoas não concebem que se faz cinema aqui em Anápolis ou no interior", ele diz. Quando pensou numa sala de cinema, queria justamente que mais e mais pessoas soubessem disso, que ali se tem muitos talentos. E agora, um lugar para prestigiar todos eles. A programação de estreia contou apenas com cineastas locais.

Enquanto trabalhava na inauguração, semana passada, o produtor encontrou felicidade no rosto de muita gente. "Muitas pessoas chegaram para dizer que estavam emocionadas. Eu vi gente chorar. Gente que nunca vi demonstrar emoção. Como assim, isso está acontecendo mesmo na nossa cidade?".

Para quem tem acesso a filmes quando tem vontade, deve mesmo ser difícil entender a frase e o que aconteceu ao redor do nascimento do Cine Sibasolly. Quem não entende como funciona uma política pública de cultura e como ela impacta a vida das pessoas fora dos grandes centros financeiros do país, imagino que fique um pouco perdido por aqui. Mas essa é uma daquelas histórias que reafirma muitas coisas. Listo três.

Tudo é sobre pessoas, inclusive uma reforma. Este é o primeiro ponto. "Um filme não oferece apenas a experiência e o conhecimento cinematográfico. Você se envolve com a história que está sendo contada, e ela pode vir de qualquer país. Por exemplo, do Japão. Daí você passa a entender como as pessoas de lá vivem, a cultura daquele povo", explica o diretor Wellington Amorim.

O segundo ponto desta história é o quanto é urgente pensar a cultura como uma estratégia de envolvimento humano e social. Sobre isso, Wellington defende que "as políticas garantem um direito básico, que é as pessoas acessarem a cultura". Luiz concorda. "Eu acredito que é isso, as leis de incentivo são o motor que estão fazendo essa roda girar. A sensação é a de que vamos vencer".

Meu último ponto é sobre a roda girar, feito citou o Luiz. Imagine só você quantos comerciantes irão vender coisas, comida e bebida, por exemplo, enquanto as pessoas esperam a próxima sessão. Em um ano, o quanto não vai ter girado dinheiro na Praça Bom Jesus. Lembrei de um artigo da crítica Marta Porto, que diz: "Um dos principais papéis da cultura na atualidade é estimular a sensibilidade e curiosidade sobre o desconhecido. Promover esperança, algo tão desprezado nos dias de hoje". Deve ser por isso que ainda exista quem não se emocione com o nascimento do Cine Sibasolly. Ou que ache investimento em cultura, perda de tempo e dinheiro. Nem um, nem outro. No mundo há muitas forças com medo de que um dia o medo acabe, como disse uma vez o escritor moçambicano Mia Couto.

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Porque quanto mais encontramos a arte em nosso caminho, quanto mais nos relacionamos com as diferentes culturas mundo afora, menos sentimos medo de quem é diferente de nós. Porque, no fim, a grande graça da vida é isso: sermos uma multidão de únicos. Uma multidão de diferentes. E são essas diferenças que alimentam a nossa humanidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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