Tony Marlon

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Opinião

No Brasil, a barbárie virou paisagem: a quem interessa?

O Brasil nos engole, dia após dia. Anestesiados com os absurdos que são tantos e vindos de todos os lados, transformamos a dor em paisagem, a miséria em paisagem, a barbárie em paisagem. Até o dia em que acontecer com alguém da nossa família. Do nosso lado.

Nesse dia, talvez, a gente acorde dessa crença doentia que é validada pelo apoio explícito ou pela falta de uma revolta com a dor do outro. No Brasil, algumas vidas são mais vidas que as outras. Nesse dia pode ser que já seja tarde demais. É só assim que vamos funcionar, se doer na nossa carne?

No último dia 29, o ministro Carlos Augusto Amaral de Oliveira, do STM (Superior Tribunal Militar), votou por reduzir a pena dos militares envolvidos na execução do músico Evaldo Rosa dos Santos. Em abril de 2019, enquanto ia para um chá de bebê, o carro de Evaldo foi atingido por 82 disparos de fuzil. A procuradoria do próprio STM indicou que foram 257 tiros durante toda a ação.

O brigadeiro Carlos Augusto, relator do caso, defendeu que o homicídio seja entendido como culposo - quando não há intenção de matar. O revisor do caso no STM, José Coelho Ferreira, apoiou a tese. Se isso acontecer, as penas recebidas pelos envolvidos na execução podem ser reduzidas em 10 vezes. O julgamento está suspenso.

Foram 82 tiros de fuzil no carro, 257 disparos durante a ação e, para os ministros do STM, não houve a intenção de matar Evaldo e o catador Luciano Macedo, que morreu dias depois da ação. Luciano tentou ajudar Evaldo a se salvar.

O Brasil é organizado em castas, que se autoprotegem. O restante de nós, mortais do dia a dia, conta com alguma sorte para alcançar o próximo mês. A depender da cor da sua pele, a sorte precisa te encontrar sete vezes. Em cada esquina.

Esses arranjos de autoproteção acontecem no sistema político institucional, quando vereadores, senadores e deputados aprovam coisas que beneficiam a si mesmos. Por exemplo, sobre salários e benefícios. Por exemplo, sobre como as leis serão aplicadas em seus casos. Não para por aí.

Há a autoproteção no sistema de justiça, no sistema financeiro, empresarial, dentro do sistema institucional do Estado. Ganham muitas formas, muitos jeitos de se operar. Protegidos por leis, portarias, regulamentações. Chega a parecer legítimo, tudo dentro da legalidade. Mas o fim é o mesmo: a autoproteção. Ou seja, quando as coisas apertarem, esse arranjo saberá muito bem quem entra e quem será barrado na entrada da festa. Seja ela de qual tipo for.

Como escreveu uma vez o Oswald de Andrade, "o Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus. Depois todos morrem". O ponto é que alguns morrem mais, a maioria morre antes. E para boa parte das instituições, isso nem parece ser assim, um grande problema.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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