O Brasil da pele alva e da pele alvo
A frase que dá título a esta coluna a não é minha. Veio ao mundo pelo empresário e multiartista Emicida em Ismália, do álbum AmarElo. A arte tem essa enorme capacidade de construir sínteses atemporais. Não é diferente desta vez. E neste caso, isso é infelizmente.
No sábado (17), em Porto Alegre, Everton Henrique da Silva, um trabalhador das entregas via plataformas, foi golpeado com uma faca por uma pessoa chamada Sérgio Camargo Kupstaitis. Everton é um homem negro de 40 anos, Sérgio, um homem branco de 72. O motoboy estava num lugar que é ponto de outras pessoas trabalhadoras iguais a ele. O agressor mora a poucos metros dali, aponta a imprensa.
Com a chegada das forças de segurança pública para mediar a situação, aconteceu o que poucas pessoas acreditariam caso ainda estivéssemos no começo dos anos 2000, sem internet nos celulares e a existência das transmissões ao vivo nas redes sociais.
Everton, que havia acabado de sofrer uma tentativa de homicídio enquanto trabalhava, foi tratado como alguém perigoso o suficiente a ponto de ser constrangido, imobilizado, algemado e jogado na caçamba de uma viatura. Já Sérgio, o agressor, aparece nas imagens sem camisa, conversando tranquilamente com os agentes públicos. Depois, segundo reportagens, pôde voltar para casa, pegar uma roupa antes de seguir para a delegacia. Sim, isso aconteceu. À luz do dia. Com todo mundo filmando. Com todo mundo apontando o absurdo da situação. Fica até difícil saber por onde começar.
O Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, foi ao ponto ao comentar o caso: "O racismo perverte as instituições e, por consequência, os seus agentes".
Não se pode deixar o que aconteceu ser resumido a um erro de protocolo ou de procedimento. Menos ainda pode-se assumir como verdade que o único a ser responsabilizado seja a ponta de toda uma estrutura, nesse caso o agente público que está na rua. Como se fosse ele e não uma visão de mundo racista e classista que fundou, estruturou e orienta até os dias de hoje a sociedade e as instituições brasileiras, o nosso desafio histórico a ser enfrentado e superado.
Sobre isso, o ministro Silvio Almeida afirmou ser "preciso que as instituições passem a analisar de forma crítica o seu modo de funcionamento e aceitar que em uma sociedade em que o racismo é estrutural, medidas consistentes e constantes no campo da formação e das práticas de governança antirracista devem ser adotadas". E eu completo: antes que mais um caso isolado aconteça, com as mesmas pessoas de sempre.
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