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Tony Marlon

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Do Capão ao Lollapalooza: Bianca, DJ Suburbia e o poder das oportunidades

DJ Suburbia tocando no Lollapalooza - Marcos Bacon
DJ Suburbia tocando no Lollapalooza Imagem: Marcos Bacon

08/07/2022 06h00

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Até aquela tarde, ao me encontrar com Bianca Soares para essa conversa, nunca havia olhado para uma DJ como companheira de profissão: "Quando eu toco, estou contando uma história para quem está na pista". Eu sei, as festas serão diferentes de hoje em diante para você também. "Às vezes eu boto uma música para avisar às pessoas que elas podem ir ao banheiro, descansar um pouco".

Pelas noites e algumas tardes de São Paulo, Bianca, de 26 anos, é conhecida pelo nome que adotou tem uns três anos: DJ Subúrbia. Junto com a nova assinatura, veio uma personagem que a salva todos os dias da timidez, que a protege de uma insegurança que a rodeia ainda hoje. "Existe a Bianca, filha da Dona Val, que é o RH. Quem paga as contas, faz as coisas práticas. E tem a Subúrbia. É ela quem vai para as festas".

Quando nos falamos, Bianca e Subúrbia haviam dado o maior passo de uma carreira ainda curta, mas promissora: tocar no Lollapalooza.

Nascida e criada no Capão Redondo, periferia da zona sul paulista, Bianca é apaixonada por música desde criança, o que admite ser um clichê para perguntas como essa: como vocês se encontraram na vida? Tem lembranças, isso sim, de existir pouca música em casa, as influências chegaram pelo Tio Wando. Ou pelas paredes que de tão coladas faziam a vizinhança morar dentro do seu quarto."Acordava escutando Amado Batista, mesmo sem eu querer". A gente não sabe que está numa boa história, até voltar nela como lembrança. Bianca sorriu quando falou desse momento. Ou foi a Subúrbia?

Tio Wando, o artista da família, quem ensinou uma coisa aqui, uma coisa ali, sobre violão, um sonho de infância. E foi a mãe que lhe deu o primeiro instrumento, que depois foi trocado por uma guitarra, que virou um baixo. Revistas de música e pesquisas na Internet foram conduzindo o olhar da adolescente apaixonada para o que acreditava precisar aprender. Até que apareceu o Projeto Guri em seu caminho.

As oportunidades ao redor

DJ Suburbia - Felipe Feijão - Felipe Feijão
DJ Suburbia
Imagem: Felipe Feijão

Criado há 27 anos, o Guri é um programa gratuito de educação musical para as juventudes. São 400 polos de ensino, com 900 mil jovens atendidos até hoje. Por lá, aulas de todos os instrumentos que se pode imaginar. Escolheu percussão. Foram quase quatro anos de ônibus para lá e pra cá, e muito estudo. Aprendizados em todas as direções. Essa não é uma história de superação e mérito. É uma história, sim, sobre as oportunidades que todo mundo deveria ter.

"O Guri estimulou que eu me colocasse mais no mundo. Foram as apresentações que me ajudaram a quebrar um pouco da timidez. Eu falo muito, mas isso não quer dizer nada, sabe", me contou depois de uma hora e meia de conversa. Realmente, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Anos mais tarde, Bianca descobriu o quanto sabia identificar instrumentos só de ouvido. Lembrou de onde isso veio.

"O professor nos virava de costas, pedia para fechar os olhos, e ia passando instrumento por instrumento, para a gente adivinhar qual era. Hoje eu consigo entender se uma música conversa com outra só observando o que usaram nela". Colocar as músicas para conversar tem um nome técnico, Bianca me ensinou: mixagem.

Foi naquela idade das decisões, em que os adultos acreditam que é preciso escolher o que se vai ser pelo resto da vida, numa vida que mal começou, que ela decidiu estudar audiovisual, via PROUNI. Acessos e oportunidades. Contar histórias sempre foi outra de suas paixões. Esse período da vida, ela lembra, não parou em casa. Era curso dia todo, em todo canto, sobre tudo. Quando não era de uma política pública, se lembra, era de uma ONG.

Sucesso é voltar para casa

Quando nos falamos, Bianca ainda mal acreditava que a sua DJ Subúrbia havia tocado num dos maiores festivais do mundo: o Lollapalooza. Que até ali havia feito mais de 200 eventos e festas em todos os cantos do Brasil. Sete anos atrás, lembrou, foi preciso pedir um fone emprestado quando sua cara de pau a levou a ter a primeira oportunidade de ocupar os toca-discos. Foi na Festa Nêga, do Anexo B.

"Eu parei em frente ao dono do evento e perguntei se ele não poderia me ajudar a virar DJ", e ele ajudou. Alguns dias depois estava no palco pela primeira vez, para nunca mais sair. Tremeu de nervosismo, admite, mas soube ali que havia encontrado um lugar no mundo.

Nas muitas festas que descobriu pela cidade, assim que alcançou os 18 anos, Bianca sentiu falta de mais mulheres pretas tocando. Mulheres pretas feito ela. Sabia que muitas já estavam na cena, há muito tempo, abrindo os caminhos. Mas sonhou com mais. Decidiu ali ser aquela por quem esperava.

Mixando Racionais com Beyoncé, Thiaguinho com Chris Brown, de vez em quando um Calcinha Preta ou Mastruz com Leite, foi construindo sua identidade profissional. O jeito que o público a reconhece, logo quando começa a tocar. "Gosto de levar uma música de quebrada para as pessoas", justifica. Esse orgulho periférico, Bianca levou para o nome de quem sobe aos palcos, coloca todo mundo para dançar.

"Amo falar que eu sou do Capão Redondo, mas às vezes não dá tempo. Queria um nome que eu não precisasse me explicar o tempo todo", explicou. "Com Subúrbia, espero que as pessoas saibam o que esperar do meu trabalho". Sobre a sua outra eu, a DJ, Bianca resume assim:

"A Subúrbia é uma personagem que eu visto quando cruzo a porta, até o guarda-roupa é diferente. Ela é ligada na moda, gosta das novidades, de brilho. De ser vista. Quando ela aparece, meu jeito de andar muda". Subúrbia ajuda a Bianca em muitas coisas, confessou.

Dj Suburbia - André Lucas/UOL - André Lucas/UOL
'"Amo falar que eu sou do Capão Redondo, mas às vezes não dá tempo. Queria um nome que eu não precisasse me explicar o tempo todo'
Imagem: André Lucas/UOL

Assim que desceu do palco no Lollapalooza, os corações de Bianca e Subúrbia se encontraram numa felicidade que só caberia mesmo em duas pessoas. Foi quando descobriu onde queria estar, de quem nunca deixará de ser.

"Quando eu terminei, queria voltar correndo para o Capão, me sentar na calçada e tomar uma cerveja com meus amigos, sabe, como a gente sempre fez. Dividir aquela alegria que eu estava vivendo. Quanto mais longe eu chego, mais perto do Capão eu quero estar". Quanto mais longe eu chego, mais perto do Capão eu quero estar.